Carta aos mais velhos. E a mim …

Há dias alguém me perguntou a idade e, com a confiança que temos, provocou-me: “Está à espera de quê para gozar a vida, fazer o que gosta e lhe dá prazer? Viaje e conheça alguns países com que sonha. Já pensou quantos anos tem para fazer isso? É tempo de pensar em si e viver a sua vida e não a dos outros”, disse ele em tom de sentença. A verdade é que me pus a pensar em mim e me fez passar a mensagem. 

Assim, para quem já está na reforma, um conselho: é tempo de terem juízo e começarem a gozar a vida. Parem de se preocupar com a má situação financeira dos vossos filhos e netos e não se sintam culpados por se colocar em primeiro lugar e gastar o vosso dinheiro convosco. Provavelmente deram uma boa educação aos filhos, proporcionaram-lhes as “ferramentas” para fazerem pela vida sozinhos e aprender a voar sem a vossa ajuda. Pensem, já não estão na altura de sustentar ninguém da família, a não ser o cão ou o gato, animais que lhes fazem companhia e retribuem o que fazem por eles, muitas vezes mais que a família.

Está na hora de dar bom uso ao dinheiro que conseguiram amealhar ao longo duma vida de trabalho, convosco, sem sentimentos de culpa ou arrependimentos. O dinheiro é vosso, gastem-no com os caprichos e desejos que nunca satisfizeram. Parem de poupar e deixar de fazer aquilo que gostavam de fazer só para aumentar a conta bancária mais um pouco. Não se privem de satisfazer os desejos e sonhos que ainda habitam em vós dentro das possibilidades e lembrem-se sempre do provérbio chinês: “Se tu que podes viajar em primeira só viajas em segunda para poupar, está descansado que um dia os teus filhos farão isso por ti”. 

Todos conhecemos histórias de pessoas que passaram a vida inteira a trabalhar, sem descansar o suficiente, sem férias, sem usufruírem das coisas boas da vida, com um único objetivo: poupar. E acumularam e acumulam grande riqueza, mas muitas vezes “bateram a bota” antes do tempo por exagero no trabalho. E depois o que se vê? Os herdeiros a “consumir” a todo o gás o “pé-de-meia” que os “velhotes” fizeram ao longo duma vida, sem respeito pelo seu sacrifício, sem conta, peso e medida como se não haja amanhã. É para isso que dá no duro e anda a economizar, a deixar de fazer o que lhe apetece? É para poupar que não compra aqueles bifinhos de atum fresco, os lombos de salmão ou os bifes da vazia da raça Angus que o atraem e tanto deseja sempre que vai ao supermercado, acabando por levar para casa uns carapaus ou o costelão de boi que estava em promoção, mas cuja carne é mais dura do que sola de sapato? Pare, está na altura de ser egoísta, pensar em si e colocar-se em primeiro lugar. É que, se não começar a fazê-lo agora, vai fazê-lo quando? Quando “for com os pés para a frente” e lhe deitarem sete palmos de terra em cima ou fizerem de si churrasco para o reduzirem a cinzas?

Apesar da idade, viva, goze a vida porque ninguém é velho enquanto lhe restar inteligência e afeto. Coma bem, sempre o bom e o melhor, cuide da saúde física e psíquica, vá ao ginásio ainda que seja só para estar com os amigos e gaste o dinheiro com você, com as coisas que aprecia, gosta e até com os caprichos porque, após a morte, dinheiro só gera ódio e ressentimento. Nem viva angustiado por pouca coisa, pois “na vida tudo passa”, os bons momentos são para ser lembrados e os maus para ser esquecidos. Mantenha-se atualizado e interesse-se pelas coisas novas, mesmo pela opinião dos jovens, pois muitos deles estão tão bem preparados como nós na sua idade. E nunca use aquele termo que teimamos em repetir: “No meu tempo …”

Há um provérbio francês que se aplica bem a nós: “O pai é um banco proporcionado pela natureza”. Vamos mantê-lo “aberto” até ao fim?

Lembre-se que o seu tempo (e o meu) é agora … ou nunca, porque “estamos na fila”, empurrados pelos mais novos que foram entrando e não há como voltar ao princípio.

Não enterre a cabeça no sofá nem passe os dias a dormir, como quem espera pela sua vez. Arranje-se, saia, conviva e divirta-se. Mantenha-se atualizado e faça caminhadas sempre acompanhado. Experimente fazer as “levadas” na ilha da Madeira porque vai encontrar uma visão nova da “pérola do Atlântico” ou, se não quer sair do continente, tem por aí inúmeros trilhos para descobrir um Portugal que não conhece, fazer exercício e apreciar a variedade gastronómica do país. Mas se tal não o entusiasma, não deixe de se divertir com gente da sua idade e viaje, cozinhe, dance, leve o cachorro a passear, trate das plantas ou jogue as cartas com os amigos. E não se esqueça de falar pouco, ouvir muito, elogiar e não contar as suas histórias de vida, porque ninguém as quer escutar (até eu tenho de parar de contar as minhas histórias) e é muito maçador. Mais ainda, a gente repete-se muito sem querer.

Tire da cabeça essa ideia de querer viver em casa dum filho. Respeite a privacidade dele, mas especialmente a sua. Deixe os filhos em paz pois já têm sarna que chegue para se coçar neste mundo onde todos andam a correr e não têm tempo para nada, quanto mais para tomar conta de velhos. Lembre-se daquela prece: “Senhor, dai paciência às pessoas que não me suportam, pois não tenho intenções de melhorar. Com a idade, a tendência só é de piorar”. E agora já entende porquê?

Um último conselho: Continue a ter relações sexuais, ainda que seja só pelo Natal, mas siga as recomendações que circulam na internet:

“Use sempre os óculos para se certificar de que a sua companhia está realmente na cama. Ponha o despertador a tocar daí a três minutos, para o caso de você adormecer na função. Regule a iluminação, mas não apague todas as luzes para saber onde está. Deixe o telemóvel programado para o número da Emergência Médica. Escreva na mão o nome da mulher que está na sua cama para o caso de não se lembrar. Não faça muito barulho, pois nem todos os vizinhos são surdos como você. Se tudo der certo, telefone aos amigos para contar a boa nova do seu sucesso”. E entre de férias grandes para recuperar do esforço…

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