Estamos no “fim da linha” pois mal se acabem as gerações que ainda trabalham na construção civil e outros trabalhos braçais, como é o caso da agricultura, e só nos vão valer africanos, orientais e, com um pouco de sorte, brasileiros ou até outros sul-americanos. Portugueses de Portugal para trabalhar “no duro”, já não se fabricam. Pior, porque a nossa malta já não está para aí virada. Podem ter só o 12º. ano, mas quando tiverem de ir procurar emprego, querem … um emprego bom e o mesmo é dizer … “limpinho”. Algo onde não tenham de “vergar a mola”, “meter a mão na massa” nem “dar o corpo ao manifesto”. Para quem está “habituado e treinado” a “trabalhar no telemóvel”, chapar massa ou espetar pregos, carregar tijolos ou sacos cimento às costas, está fora de questão. Um “corpinho” daqueles, com “peitorais” bem desenvolvidos no “trabalho de ginásio”, não pode ser desperdiçado em “trabalhos menores”. Seria um desprestígio. Só o imaginar que alguém na rua os poderia chamar de “Oh trolha” é algo horrível, um estigma que os perseguiria toda a vida.
Há dias dizia-me um empresário da construção civil que já há vários anos não tem um único aprendiz português. Houve uma mãe que lhe apareceu com o filho quase “pelas orelhas” para ver se ele conseguia “fazer alguma coisa do rapaz”, mas “foi sol de pouca dura”. Ao outro dia a mãe levou-o ao “emprego”, mas antes do almoço “já ele se tinha posto ao fresco” e nunca mais o viu. Dizia este empresário: “Hoje a rapaziada é obrigada a estudar até ao 12º. ano mesmo que andem lá só a polir os assentos das cadeiras. Por isso, como é que um moço com 16 ou 18 anos, já cheio de vícios e sem hábitos de trabalho, se agarra a “moço de massa” ou aprendiz do que quer que seja? Daqui a alguns anos vamos querer um bom profissional da construção ainda que seja para fazer uns biscates e ou não vai haver ou vão-se pagar a peso de ouro, melhor até que um grande número de gente licenciada que, nalguns casos, nem sequer sabe para que lhe serve o curso”.
Na agricultura alentejana, especialmente nas estufas do litoral, são os indianos, paquistaneses e outros emigrantes daquelas bandas que cá nos vão safando, por ser a mão de obra mais barata que se consegue encontrar no mercado e que mais se sujeita a ser usada e explorada por traficantes de “seres humanos”, como se tem visto, lido e ouvido na imprensa nos últimos tempos. Mas a maior curiosidade do drama social que todos vimos em noticiários e outros programas televisivos, chocados e revoltados no imediato, mas logo esquecidos e até incomodados como se o assunto não fosse connosco, foi o facto de ter sido a pandemia a pôr a nu o que vai por Odemira e outras terras da região, o que não deixa de ser um paradoxo: uma doença a denunciar outra “doença”. E, pelo que vimos, até parece que ninguém sabia o que por lá se passava. Foi uma “enorme surpresa” para os nossos governantes!!! Andaram a assobiar para o lado durante anos e anos fazendo “vista grossa” às condições miseráveis em que aquela gente vivia, vive e são explorados e abusados, de certo modo coniventes por omissão com a situação, enquanto reclamam do que lá fora se faz aos nossos porque, convém não esquecer, somos e continuamos a ser um país de emigrantes. Deixamos de ter autoridade moral para exigir para os nossos o que recusamos aos outros …
Esta coisa de se não gostar de trabalhos braçais, especialmente dos mais duros, não é um exclusivo dos nossos jovens. Lá fora também há
quem pense e faça o mesmo. Estive na Costa Rica e cedo me apercebi que os trabalhos mais pesados são todos para os emigrantes idos da Nicarágua, Guatemala e outros países vizinhos. Os habitantes locais recusam terminantemente esse tipo de trabalhos tidos por menores. Já há mais de trinta anos me dizia um francês dono de uma grande empresa de construção que toda a sua mão de obra era estrangeira e só nos quadros superiores tinha alguns franceses, pois os nacionais não se dedicavam a trabalhos braçais. E mais: avisou-me num tom de adivinho que estivéssemos a contar que o mesmo iria acontecer em Portugal desde que o nosso nível económico melhorasse e os jovens tivessem mais acesso ao ensino. E não é que o homem até parece ser bruxo?!!!
A falta de mão de obra qualificada na construção civil, para não falar noutros setores de atividade, já era um problema sério antes da crise de 2008 e agravou-se com a saída de grande número de profissionais. Já tivemos levas de ucranianos e outros cidadãos de leste, que quase sempre tinham formação noutras áreas que não na construção civil, causando sérios problemas como se compreende. Vieram brasileiros em grande número, mas os mais consistentes têm sido os africanos oriundos de diversos países, que foram encobrindo a falta de mão de obra nacional, mesmo assim insuficientes para tanta necessidade. Daí estarmos numa encruzilhada: sem níveis salariais capazes de trazer de regresso a Portugal os nossos concidadãos que andam lá por fora, não sei bem o que nos resta, a não ser uma crise grave no setor. Trazer para o setor indianos, paquistaneses e outros orientais não me parece grande ideia por duas razões que são mais que evidentes: não têm um mínimo de formação e, por outro lado, seria aumentar o número de explorados aos que já existem na agricultura alentejana, nomeadamente na produção de azeite e frutos vermelhos, presas fáceis para traficantes de seres humanos como os acontecimentos provocados pela pandemia vieram expôr à luz do dia.
Resta-nos a esperança de que a tecnologia venha a encontrar formas de “fabricar” todo o tipo de construções com robôs que, isso sim, não se importem de “sujar as mãos”, e todo o tipo de automatismos como é o caso das impressoras 3D, que têm sido ensaiadas em trabalhos de construção civil. Entretanto, como já tenho “barraca” própria para me acoitar com a família, esta só precisa de pequenas obras e pinturas de conservação, biscates para os quais se não conseguir ninguém que os faça, seja homem ou robô, cá me vou ter de desenrascar ainda que tal esforço a seguir me traga uma crise de dor de costas. Mas para essas tenho eu uma boa desculpa: são os chamados “ossos do ofício” …