Tudo muda de nome. Porque não eu?

Está na hora de mudar de nome. O que tenho já é velho, tem décadas e décadas e já não se usa. José, Joaquim, António, Manuel, Fernando e outros que tais, já passaram à história, substituídos por Tiago Afonso, César Augusto, João Miguel ou Paulo Alexandre. Mas se formos para as mulheres, já lá vai o tempo da Maria, Conceição, Alzira ou Isabel. Deixaram de ser escolhidos, dando lugar à Andreia, Diana, Rafaela ou Joana. No entanto, “como na moda só é novo o que está esquecido”, na atualidade recomeçamos a ver muitas crianças batizadas de Maria, Beatriz e Ana, tal como nos rapazes com Francisco, João ou Santiago. Apesar de termos sido batizados com um determinado nome, tendo como apelidos na parte final um dos nomes da mãe e do pai, cedo me apercebi que lá na aldeia eram alterados com aquele jeitinho popular de fazer do José o “Zé da tia Quina”, pôr o António a ser chamado de “Toneca da Igreja”, com o Joaquim a mudar para o “Quim da Zefa da Quinta” e, para não ser muito cansativo, a Alzira a ouvir chamar-lhe de “Zira da Milinha da fruta”. É que na aldeia ninguém era conhecido pelo nome que “botaram” no papel …

Não podemos esquecer que, para além destas alcunhas carinhosas, há ainda as bem menos simpáticas com que somos brindados de vez em quando ao passar na rua, seja no meio de uma discussão ou quando falam de nós em tom pouco lisonjeiro. O Albertino, tal como qualquer um que ande por aí, passa depressa a “Filho da mãe”, “Barrigudo”, “Lingrinhas”, “Burro”, “Atrasado Mental” ou “Cabrão” (interrogo-me sempre se isso quererá dizer “macho da cabra” ou “cabra grande”, estando “excluído por completo” o sentido em que estão a pensar) … 

Até os papeis mudam: à nascença começaram por me arranjar uma “Cédula Pessoal” para a qual tive de ir a Lousada tirar uma fotografia com ar inocente, cédula essa que viria a “passar de moda” para dar lugar ao primeiro cartão de identificação, o “Bilhete de Identidade”, que me obrigou a nova pose fotográfica. Mas, como a vida é feita de mudança, também resolveram “matar” o Bilhete de Identidade anos mais tarde trocando-o pelo “Cartão Único”, com a sigla “CU”. Ora, essa escolha revelou-se desastrosa pelas situações caricatas que iria criar no dia a dia e morreu antes de nascer para evitar casos. Imaginemos que no Banco ou na Repartição de Finanças, muito educadamente nos pediam: “Mostre-me o seu CU”! Com toda a certeza as reações seriam muito diversas: haveria quem se mostrasse ofendido, nalguns casos perplexos, mas alguns, distraídos ou a gosto, acabavam por baixar as calças para mostrar o “dito cujo”. Resultado: para evitar confusões, trocaram o nome ao “CU”, desta vez para CC (Cartão de Cidadão). E cá estamos hoje com o cartão que devia ter um único número capaz de servir para a Identificação, Segurança Social, Contribuinte fiscal e Utente do SNS, razão de ser do CU (Cartão Único), quando afinal tem vários números que só servem para nos atrapalhar e confundir. Mas ainda não devemos ficar por aqui …

À escola onde comecei a dar os meus primeiros passos chamavam de Escola Primária e assim permaneceu por muitos e bons anos. Mas os “reformadores” do ensino público não gostavam do nome e vai daí, há que mudá-lo para Escola Básica (no meu tempo de tropa, básico era o militar que não servia para nenhuma especialidade). E o Liceu, como aquele de Guimarães onde fui fazer alguns exames (para ser mais exato, falhei um com estrondo), desapareceu nominalmente e deu lugar à Escola Preparatória e à Escola Secundária, em mais uma revolução escolar.

Na minha aldeia, como na grande maioria das aldeias deste país, os nomes dos lugares da minha infância foram apagados, substituídos de forma provinciana e sem o mínimo de bom senso por travessas, ruas, largos e avenidas (que na maioria não passam senão de vielas irregulares e “mal-amanhadas”) a que atribuíram nomes pomposos ou de pessoas só porque eram da família de quem decidiu, de quem pediu ou doutra qualquer falta de critério. Estupidamente, perderam-se para sempre nomes que eram referências para as pessoas que ali viviam e viveram só porque se tinham de acabar com os lugares para dar espaço a arruamentos, alegadamente em nome da modernidade e do código postal. Um desmando de quem não soube preservar o que pertencia a todos. E era tão simples …

As “vendas” da minha meninice, misto de tasca e mercearia onde tanto se vendia o petróleo para os candeeiros, os pavios e carboneto para os gasómetros, como o vinho a copo, massa, feijão, arroz (com pedras), broa ou marmelada, dariam lugar às mercearias, depois aos minimercados, sendo quase todos(as) engolidos(as) por modernos e grandes supermercados. 

Inúmeras profissões mudaram a designação sem que tivesse mudado o que quer que seja da função, não sei se por uma questão de estigma ou se por estatuto. O empregado de balcão passou a ser um agente comercial, tal como a telefonista deu lugar à “assistente operacional”. Será que a mudança também trouxe mais dinheiro?

Se fosse registar todos os nomes de instituições, organismos e cargos públicos, de ruas, praças, avenidas, alamedas, pontes, edifícios mais diversos e sei lá bem o que mais, que mudaram de nome de um dia para o outro após o 25 de Abril no enorme “vendaval reformista” que varreu o país de alto a baixo, num “trabalho exigente, profundo e que deu muito que fazer, essencial para o desenvolvimento de Portugal”, precisava de escrever um livro. Só a título de exemplo, a Assembleia Nacional virou da República. A Ponte Salazar de um dia para o outro passou a ser feita pelo 25 de Abril (a título de curiosidade, quando propuseram a Salazar o seu nome para batizar a ponte, rejeitou e propôs “Ponte de Lisboa” pois, dizia ele, “os nomes dos políticos só devem ser dados a monumentos e obras públicas 100 a 200 anos depois da sua morte”’. Só não sei como é que o Cristo-Rei escapou a ser rebatizado …      

Claro que a vida é feita de mudança até porque o ser humano cansa-se demasiado depressa do que tem e até do que é. Para mudar não existem regras nem limites e por isso se mudam os nomes, as faces e as fases. Cá por mim ando a pensar em mudar o meu, mas para falar francamente, ainda não encontrei um que me agradasse mais, apesar de algumas pessoas “com boas intenções”, me irem atirando alguns nomes “mais ousados”, para ver se cola. Estou como o Bocage numa das histórias que lhe é atribuída. Andava ele enrolado num enorme pedaço de tecido para fatos há quase um mês, quando alguém lhe perguntou o porquê. E ele respondeu: “Estou à espera que chegue a última moda para mandar fazer o fato”. E eu espero como ele pela última moda de nomes, que afinal está em constante mudança … 

Leave a Reply