“Vamos (quase) todos ficar bem” …

Estou farto. Já não tenho pachorra para ouvir e ver os telejornais a falarem do “novo corona vírus”. É dose a mais. O assunto é grave? É, muito grave mesmo. E as consequências sanitárias e económicas vão ser de tal dimensão, que ninguém as consegue calcular. Nem mesmo os “adivinhadores” que nos vão atirando com projeções, estimativas, cálculos e todo o tipo de números, mas não passam disso. É certo que alguém vai acertar nas previsões, da mesma forma que “um relógio parado está sempre certo duas vezes ao dia”. Precisamos de notícias sobre a pandemia? Com certeza, mas não temos de assistir todos os dias a um noticiário onde, do princípio ao fim, não se fala de outra coisa. É a contabilidade dos infetados do dia e os totais, os mortos do dia e os totais, os hospitalizados do dia e os totais, os recuperados do dia e os totais, quando não vão ao pormenor por concelho ou ainda mais especificamente. Depois são os comentários dos especialistas mais variados, todos com voto na matéria: virologistas, matemáticos, infecciologistas, pneumologistas, investigadores e psicólogos, sempre acompanhados de muitos números, gráficos com curvas ascendentes e descendentes, picos, vales e planaltos. E as suas opiniões técnicas, muitas vezes discordantes entre si e até com a opinião oficial. E as estatísticas, nacionais e por regiões, mas onde os mais velhos têm “protagonismo”, a começar pelos utentes dos Lares. Só os “estragos” que essas notícias demasiado incisivas e pormenorizadas fazem a esse grupo etário, vivendo em instituições ou em suas casas, é caso para dizer, “basta, haja moderação”. O massacre noticioso acerca deles como maior grupo de risco tem-lhes provocado consequências psicológicas graves, como medos, confusões, ansiedade e stress, que os leva a achar mesmo que “já não têm chances de continuar a viver e que o coronavírus é a sua sentença de morte”. Como ficarão ao saber que, se morrerem com o Covid-19, não terão sequer a oportunidade de se despedirem da família, nem esta deles, e serão enfiados num saco com o letreiro de “contagioso”, que só os deixará de acompanhar se forem cremados? E já nem falo na “volta ao mundo” das notícias sobre o mesmo tema, de Espanha a Inglaterra, dos Estados Unidos ao Brasil …

Tenho de confessar que, ao fim de algumas semanas a ouvir noticiar, dia após dia, que “já há mais 252 infetados e 25 mortos”, “foram 28 os mortos nas últimas 24 horas” ou “subiu para 32” … não tenho reação. De certo modo, tornei-me insensível. Ouço falar de mortos aqui, nesta terra a que pertenço, mas parece-me que não é comigo. Só quando eu ouvir o nome de alguém que conheça possa acordar deste transe que me deixa alheado do que se passa. E não é só comigo, pois já falei com alguns amigos e estão igualmente apáticos. O Abel até dizia “que Deus me perdoe, mas ouvir falar de mais mortos ou de nada, é igual. Já não sinto, estou anestesiado”. Os mortos tornaram-se uma banalidade nas estatísticas diárias dos comunicados oficiais, embora nunca o sejam para os familiares e amigos de cada um deles, numa dor redobrada e ainda mais triste por não haver lugar a despedidas, homenagens ou tão só, velar o corpo …

Mas as conferências de imprensa das autoridades sanitárias, ou seja, do governo, onde pontificam a ministra da saúde, a diretora geral de saúde e um secretário de estado, são mais do mesmo. Todos os dias. Será por castigo? Percebo que a imprensa queira esses comunicados, perguntas e respostas e todas as pequenas questões à volta do tema. Mas não havia necessidade de ser em direto, pois os jornalistas são suficientemente inteligentes para nos fazerem a súmula daquilo que interessa e livrarem-nos da “seca”. Porque é uma grande “seca” … 

Mais do que explorar noticiosamente a pandemia, seria importante que as autoridades divulgassem orientações claras e precisas sobre o uso dos equipamentos de proteção individual, como as máscaras e os desinfetantes, para que tenham verdadeira utilidade. E estou a ver as imagens daquele homem a querer desinfetar as mãos usando para o efeito o extintor pendurado na parede …   

Apesar de todas as contradições, avanços e recuos do governo e seus mandatários, a coisa até tem corrido relativamente bem e muito se deve ao comportamento da população que respondeu positivamente ao isolamento social, salvo raras exceções. Mas tem faltado uma voz de comando única que não ande para trás e para a frente, seja isenta, faça com que as leis sejam iguais para todos e as regras não sejam meros conselhos, que tanto podem ser verdade como não o ser. Como é que num “estado de emergência”, em que não pudemos estar em grupo, impedidos de participar no funeral até de quem nos é muito próximo, de participar numa missa ou outra cerimónia religiosa, de assistir a um espetáculo ou qualquer ajuntamento social, os poderes instituídos se permitem subverter as regras e celebrarem o 25 de Abril ou deixar-se subjugar à CGTP e ao PCP, ao arrepio do “estado de emergência”, permitindo-lhes a manifestação do 1º. de Maio, como se estivessem acima da lei? Será mais importante essa manifestação ou a cerimónia de despedida de alguém que amamos e não voltaremos a ver mais? Porque se permite a primeira e se recusa a segunda sem justificação credível? De tal forma se “meteu a pata na poça” que, depois de dizerem que não havia lugar às celebrações de Maio em Fátima, agora dá-se o dito por não dito, recua-se e até parece que já são possíveis!!! Bem melhor estiveram os responsáveis religiosos. “Surpreendidos” com o recuo e agora abertura do governo, decidiram manter as Celebrações, sem peregrinos no local. Chama-se a isso, coerência e responsabilidade …

As contradições da diretora da DGS a propósito do uso das máscaras mereceram forte discordância da classe médica, pois começou por dizer que não serviam para nada, só os contagiados deviam usar por puro “altruísmo” com os outros. Só os resultados do seu uso noutros países e as pressões da classe médica fizeram mudar o discurso, com avanços, recuos e contradições. Isso mereceu críticas, caricaturas e comentários jocosos, como a mensagem seguinte: “as máscaras não servem para nada, mas até servem. Se puderes, usa-as. Mas, se calhar, não é nada preciso, porque só servem se estiveres contagiado. Mas podes estar contagiado e não saber. Por isso, será melhor usar. Não tens? Então não uses” … Veja-se que uma norma da DGS diz que “as máscaras cirúrgicas não protegem quem as usa” e, ao mesmo tempo, aconselha a quem está frágil a usá-las!!!   

Mas, toca a ter esperança e a acreditar nas frases de motivação que mais ouvimos, vemos e lemos neste tempo difícil, em especial nesta: “vamos todos ficar bem”. Acredito que isso venha a acontecer, mais dia, menos dia, mais ano, menos ano. Mas, por muito que me custe dizê-lo, “já não seremos todos” … 

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