Faça uma lista de grandes amigos …

Gosto de música, uma terapia para os sentidos e um prazer que me provoca bem-estar. Gosto de músicas, embora não de todas, independentemente do gênero e estilo. Se há música clássica que ouço com prazer, há muitas que dispenso, o mesmo acontecendo com o jazz, blues, pop, rock e outras. Até com o folclore e música religiosa. Apesar de tudo, gosto sobretudo da música feita canção, com um bom texto, muito especialmente se tiver “mensagem”. Na maior parte dos casos, apesar da melodia ser agradável, a letra “não diz nada” e não passa de banalidades repetidas à exaustão. Daí que, apesar dos “ganchos” usados na letra para dar “ênfase” à canção, na maioria dos casos vale a composição musical e então é só usufruir dela, sem pensar. Muito raramente se conjuga uma harmonia musical boa com um texto inteligente, que também ele nos leve “na viagem”. Por tudo isso, eu como toda a gente, tenho as minhas canções preferidas, muitas delas já com décadas de caminho, porque são intemporais. Em quase todas é a harmonia da música que tem evidência e, em regra, fico indiferente à letra que nada acrescenta, tantas vezes em língua que nem entendo. Basta-me o som da melodia e as lembranças que a ela associo.

Há dias um amigo reencaminhou-me um vídeo, gravação de uma canção interpretada por dois cantores brasileiros de que nunca ouvira falar, de cabelos compridos já brancos. Música e letra são da autoria de um deles, Oswaldo Montenegro, lançada há mais de vinte anos e cantada nesta versão com Renato Teixeira. Uau!!! Que música e, sobretudo, que texto!!! Tocou-me de tal forma que já não sei dizer quantas vezes seguidas a ouvi!!! E quanto mais a ouvia, mais apetecia voltar a ouvir. A letra é fabulosa. Questiona-nos sobre a vida como nenhuma outra que conheça. E ao sentir as palavras numa melodia envolvente, com elas também viajei na minha história de vida, dos afetos presentes e passados, pessoas, sonhos de que desisti, convicções que deixaram de ser, certezas que já eram, princípios ignorados e contradições. Mas aquilo que a torna espantosa, é como foi possível em apenas seis quadras (já que as duas últimas são uma repetição) conseguir resumir um leque de questões essenciais da nossa vida, que são transversais a todos, apesar das nossas diferenças!!! 

O título da música é “A Lista” e vale a pena “saborear” o texto e aprofundar todo o sentido da letra, porque ela desenterra-nos o passado, os desvios da estrada, os erros e fracassos. Mas será preferível, para acompanhar a leitura, ouvi-la com a música, de preferência na versão interpretada pelos dois músicos referidos e que pode ser encontrada com facilidade na internet. Aí vai a letra:       

“Faça uma lista de grandes amigos, quem você mais via há dez anos atrás … Quantos você ainda vê todo dia? Quantos você já não encontra mais?

Faça uma lista dos sonhos que tinha … Quantos você desistiu de sonhar? Quantos amores jurados pra sempre … Quantos você conseguiu preservar?

Onde você ainda se reconhece, na foto passada ou no espelho de agora? Hoje é do jeito que achou que seria? Quantos amigos você jogou fora?

Quantos mistérios que você sondava, quantos você conseguiu entender? Quantos segredos que você guardava, hoje são bobos ninguém quer saber?

Quantas mentiras você condenava, quantas você teve que cometer? Quantos defeitos sanados com o tempo, era o melhor que havia em você?

Quantas canções que você não cantava, hoje assobia pra sobreviver? Quantas pessoas que você amava, hoje acredita que amam você?

Faça uma lista de grandes amigos … quem você mais via há dez anos atrás. Quantos você ainda vê todo dia … quantos você já não encontra mais.

Quantos segredos que você guardava, hoje são bobos ninguém quer saber … Quantas pessoas que você amava, hoje acredita que amam você?”

Esta música é oportuna para este período de “confinamento”, que pode muitíssimo bem ser de recolhimento, reflexão e introspeção. De forma clara e intencional, o autor faz apelo às lembranças de cada um de nós, numa “romagem” ao passado, e desafia-nos a ter a coragem de fazer uma Lista sobre vários aspetos do que foi a nossa vida tendo como ponto de partida há dez anos atrás, como podia ser de há vinte, trinta, quarenta ou cinquenta, e completá-la com a situação no momento presente. Questiona-nos sobre os relacionamentos, dos amores aos amigos, sobre os sonhos que sonhamos e dos que desistimos e o quanto nos pode ter afetado e, por tal, se nos revemos na imagem de agora no espelho ou na foto de outrora. De forma inteligente, faz-nos perceber que coisas havia a que dávamos muita importância e de que hoje “ninguém quer saber”, tal como aquilo que condenávamos por questões de princípio acabamos por cometer em função das contingências da vida.

Mas o mais extraordinário da música é que ela nos faz “viajar” no tempo, transportados nas asas da letra com o acompanhamento de uma melodia suave e muito bem interpretada, através desse passado que se faz presente. E percebemos o quanto mudamos, desistimos, esquecemos, perdemos e deixamos para trás, como humanos que somos …    

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