O silêncio do dia um e as promessas…

Está visto. No primeiro dia do ano não há madrugadores. E percebe-se porquê: todos querem prolongar o mais possível o Ano Velho como se tivesse sido o melhor das suas vidas, adiando dessa forma a “verdadeira” entrada no Ano Novo. Ninguém quer confrontar-se com a dura realidade de que nada muda senão o dia e a data. Por isso, fica-se a festejar (alegadamente) até às tantas a partida de um ano onde todos sabem o que aconteceu e dão-se as boas vindas ao que chega, esperando-se generosidade, o que é sempre uma incógnita. 

Pensando eu que seria um dos últimos a levantar-me, fiz questão de “madrugar” saindo da cama às 10H00 da manhã. Aliás, já não aguentava mais com o barulho dos foguetes que teimaram e insistiram em lançar a partir das oito horas da manhã, num carrocel sonoro pouco agradável para quem tentava dormir, vindo ora de um lado, ora de outro. Calculo eu que devem ser “as sobras do Natal”, porque ninguém no seu perfeito juízo pode contribuir com um cêntimo sequer para o foguetório que lhe vai atazanar a paciência e acordá-lo quando só quer dormir. E o pior é que os responsáveis por esse “massacre” não são capazes de se juntar e concertarem a hora para, em uníssono, despacharem todas as “sobras” de uma assentada. Cá por mim, podia muito bem ser às cinco da tarde, a hora decente pois já ninguém deve estar a dormir, embora todas as horas são más para acordar o Zé. Mas não. O fogo começou cedo vindo do lado onde nasce o sol e, depois de meia dúzia de “bombas”, acabou-se. Alguns minutos depois houve uma descarga vinda do “sol posto” e parou depressa. O “material de fogo” devia ser pouco. Do Norte soaram os primeiros disparos vinte minutos depois e assim sucessivamente, de um lado e do outro, mais longe ou mais perto, para melhor nos “moerem o juízo”.

Passava das dez da manhã quando, bem agasalhado porque o tempo não estava para brincadeiras, saí porta fora, desci a ladeira e fiz-me à estrada no circuito do costume, “tropeçando” num silêncio de morte. Parecia que estava sozinho cá na terra, num silêncio geral. As casas, de persianas descidas e portas cerradas, sem gente à vista nem sinais de vida, mais pareciam jazigos. Nem sequer os cães do habituais nos vieram “saudar” com alguns latidos. Também terão feito noitada? As ruas estavam desertas de carros e pessoas, e até os habituais “atletas de fim de semana” com que me costumo cruzar, “fizeram gazeta”. Em todo o trajeto cruzei-me somente com meia dúzia de “madrugadores” e automóveis. Fora isso, silêncio. A maioria das pessoas preferiu ficar em casa para recuperar da noitada e não quis “mergulhar” logo no ano dos dois vintes. Noutros tempos, eu estaria em retoma após uma noite a cantar as Janeiras de porta em porta, de petisco em petisco, de copo em copo. Mas isso foi no tempo em que o frio não me pegava …. 

Nesse dia fui almoçar ao Porto. A anormalidade continuou no trânsito reduzido na autoestrada, nos acessos à cidade (não me lembro de ver tão pouco movimento) e dentro desta, dando a entender que grande parte das pessoas estavam a ganhar coragem para enfrentar o Ano Novo. E o dia era tão estranho, que até os “supermercados”, aqueles bastiões do consumismo que raramente “dão baldas”, fecharam (sem ser para balanço). Estão a “prometer mudar” ou é só “fogo de vista”?

Tenho de reconhecer que a época natalícia é muito perigosa para nós, porque dura muito tempo. São dez dias de festa, convívio, encontros de família, rever amigos e matança do porco. Dizia-me uma senhora que o pai, emigrante em França, veio cá passar o Natal com a família tendo chegado pouco antes da consoada. Durante os dias esses dias de férias, foi almoço atrás de almoço, jantar atrás de jantar, rodando de sua casa para a casa da cunhada e desta para a outra filha, sem interregnos.

E todas as refeições eram uma celebração. Foi a noite de consoada, o almoço de Natal que continuou noite dentro em jornada contínua, o almoço da Feira de Ano e muitos outros porque além da Noite de Fim de Ano, houve ainda o primeiro dia de Ano Novo, a Noite de Reis, a matança do porco lá em casa, a “desfazedura” do porco, a feitura dos rojões e dos enchidos, tudo isto repetido em três casas, em “viagem” gastronómica contínua que deu cabo das dietas. Claro que, com este “tratamento”, não há quem resista, muito menos numa noite quase sempre longa, onde os “usos e abusos” são normais e “perdoáveis”.

Por isso, promete-se mudanr nos dias que se seguem na alimentação, no exercício físico, nas relações, nos gastos, como em muitos aspetos da nossa vida. Mas a verdade é que o dia de amanhã é muito semelhante ao de ontem, tal como ao de hoje. Todos têm vinte e quatro horas e a vontade não se mexe ao ritmo dos nossos desejos. Exige bem mais esforço do que estamos dispostos a dar. Promete-se mudar de vida, embora já se tenha dito isso nos anos anteriores. E sei como é porque, depois de três meses a fazer exercício regularmente num ginásio, parei em Junho com a desculpa de ir fazer o “Caminho de Santiago”. No entanto, quando regressei fiquei em casa com nova desculpa: precisava ainda de recuperar até ao fim do mês. No mês seguinte, achei que “não tinha recuperado” do esforço e prometi a mim mesmo regressar aos exercícios antes de Agosto. Certo é que já estamos em Janeiro do ano seguinte e farto de renovar a promessa de regressar ao ginásio onde, devo dizê-lo, me senti muito bem. Ainda não fui, mas uma coisa é verdade: continuo a prometer que um dia destes vou regressar … da mesma maneira que continuo a prometer que vou fazer dieta e, a partir de agora, só comer comida saudável. Onde é que eu já ouvi isto?

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