Um velho amigo, dotado de uma filosofia muito própria, dizia-me que “por mais rico que fosse, a sua capacidade de comer estava sempre condicionada ao tamanho do seu estômago e não da conta bancária”. Queria ele dizer que não lhe adiantava ser muito rico, porque não era por isso que conseguia comer mais. E tinha razão. Com mais dinheiro come-se menos, mas paga-se mais. E alimenta-se muitos “comensais”. No entanto, assistimos a uma aceleração da concentração da riqueza de ano para ano e nada a parece travar. Os sistemas políticos em vigor são incapazes de implementar medidas sérias para evitar que os ricos sejam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, até porque não se entendem na tributação, são “manipuláveis” e acabam por concorrer entre si para captar capitais, concedendo-lhes mais e maiores facilidades. Veja-se o que acontece na União Europeia, onde a fiscalidade deveria ser igual para todos os países que dela fazem parte. No entanto, cada país aplica benefícios fiscais melhores que os seus companheiros de UE, para lhes “apanhar a clientela”. E, não satisfeitos com isso, até têm dentro das suas fronteiras paraísos fiscais onde não cobram qualquer imposto ou somente uma taxa ridícula. Em contrapartida, oferecem garantias de sigilo absoluto a todo aquele que pretenda ficar anónimo, protegido dos sistemas fiscais nacionais. Não há hipóteses! A economia vai ter sempre uma “saída de emergência” por onde os tubarões escapam ao fisco.
Vi as pequenas mercearias da minha infância serem “engolidas” pelas cadeias de supermercados, algumas feitas multinacionais de muitos milhões, que controlam o mercado da distribuição e esmagam bem os produtores. Vi as alfaiatarias de outrora virarem fábricas de confeção para depois passarem a depender de grandes empórios comerciais que nada fabricam, mas tudo vendem sob a capa de uma marca feita a peso de ouro. E pagando quando, como e o que querem, submetendo a legião de fabricantes que para si trabalha. Vi falirem bancos e deles nascerem golpistas milionários. Vi colapsar sistemas políticos que diziam defender as classes trabalhadoras e surgir “empresários” de ocasião que tomaram de assalto empresas estatais que se diziam “ao serviço do proletariado”. E fizeram-se novos ricos à pressa. E, tal como acontece no mar onde os tubarões “engolem” todos os peixes pequenos, em múltiplos setores de atividade as grandes empresas fizeram o mesmo. E “secaram” tudo à sua volta com base no poderio económico, na golpada, quando não no domínio sobre governos de países ditos soberanos. E assim foi acontecendo a concentração da riqueza, atingindo números absurdos.
Quando lemos que no Brasil, cinco milionários têm tanta riqueza como mais de cem milhões de brasileiros, é sinal de que está muita coisa errada no país do “pica pau amarelo”. Mas pior está a nível mundial quando as estatísticas dizem que menos de trinta multimilionários têm tanto como 3,8 mil milhões de pessoas. Como é possível? Está tudo louco …
Após a crise, o crescimento económico foi parar ao bolso dos mais ricos. Houve mais concentração de riqueza e menos distribuição. O paradoxo é que nunca se produziu tanta riqueza e, ao mesmo tempo, nunca houve tantos pobres. E cada cidadão bem formado só pode estar contra esta aberração da sociedade que ajudamos a criar.
Perante esta realidade, a grande maioria das pessoas considera esta situação absurda e nem compreende como foi possível chegarmos lá, apesar dos políticos, de governos ditos democráticos, de reguladores e outros controladores que nada controlam. Somos todos do contra. É um escândalo mundial que ninguém devia ignorar, mas ignoramos.
Se calhar, apesar de não concordarmos por a riqueza estar tão mal distribuída (Francis Bacon durante o Renascimento, já dizia entre outras coisas, que … “o dinheiro é como o adubo. Não é bom a não ser que seja espalhado …”), também não estamos muito preocupados com isso. Estamos nós empenhados em impedir que estes absurdos se tornem cada vez maiores ou, melhor ainda, vão diminuindo para números de razoabilidade e bom senso? Penso que não. Aliás, diria mesmo que a nossa preocupação é outra e isso pude observá-lo há alguns dias atrás. Ia a passar numa rua do Porto quando me deparei com uma longa fila de pessoas no passeio, à espera para entrarem numa determinada casa comercial. Como ia distraído, “feito parolo a olhar p’ró boneco”, não me apercebi do que se passava. Mas depressa percebi a razão daquela espera de pacientes para entrar na loja. E foi então que me veio à cabeça um pensamento revelador de que estava perante um contrassenso. É que, se perguntasse a todos as pessoas da fila se concordavam com a concentração de tanta riqueza em tão pouca população, de certeza que estariam radicalmente contra. Mas, todos eles estavam ali, naquela fila, para arriscar uns “euritos” com a esperança de que o “Jackpot” de mais de 160 milhões de euros desse prémio especial do “Euromilhões” pudesse vir a engordar a sua conta bancária e fazer deles mais um dos “nababos” que agora criticam, mas que, lá bem no fundo, anseiam ser. E alguém acredita que se essa “pipa de massa” saísse a qualquer um deles, iria ficar somente com o aceitável para ser remediado e distribuía o resto do bolo irmãmente entre os familiares e amigos, instituições sociais e humanitárias? Balelas. Basta vê-los quando sai um prémio taludo. O dinheiro faz com que briguem homens, mulheres, noivos e namorados. Escondem a identidade para que se não saiba a quem saiu, pagam para guardar segredo e até vão diretamente a Lisboa movimentar o “cacau” para conta privativa. Assim, fogem aos pedidos de esmola, empréstimos ou doações, pois tudo é pouco para a ganância que há em cada um de nós.
Bem vistas as coisas, todos queremos ser um desses acumuladores de riqueza, que quase sempre só criticamos. Por … inveja. Tudo o resto, é conversa …