Só o miúdo diz a verdade: o rei vai nu…

Sendo uma noite em que punha um olho no computador e o outro na televisão, não pude deixar de ver o visual excêntrico de Conan Osiris, o nome artístico de Tiago Miranda, mais marcante pela originalidade do artefacto dourado que trazia na cara e que lhe conferia um ar de extraterrestre, no apuramento da canção que representará Portugal no Festival da Eurovisão. E ainda, aquela canção “estranha”, para não lhe chamar algum nome “estranho”, que veio a arrebatar, quase por unanimidade, os votos do júri e do público. Perante essa vitória esmagadora dos “telemóveis” e o entusiasmo gerado com a canção, que já acreditam ser das candidatas a vencer em Israel, confesso-me estupidificado, insensível e ultrapassado no que à música diz respeito e aos intérpretes. Ainda sou dos que pensam que a primeira coisa que uma música deve ter é “melodia”. E, como a não vi, provavelmente, confirma-se que estou mesmo surdo. Mas eu devo ser a exceção, pois todo o mundo achou que a canção “é o máximo”. Um comentador da ocasião diz que “é música do mundo, fruto da globalização acasalada com despudor em falar do que lhe vai na alma”. E mais: “é Bollyood, canto cigano, pimba, metal em simulador de instrumentos musicais para PC, é fado, quizomba e funaná”. É obra, conseguir ver tudo isto quando o autor diz “vou partir o telemóvel”. Radicalmente inovador. Acho muito curioso que a Simone Oliveira nem se quis pronunciar sobre a música. Só conseguiu dizer, muito diplomaticamente, isto: “Gostava de dizer que gostei, mas não posso falar de algo que não entendo”. Para ela, como para mim, esta canção “está muito à frente”. É preciso estar noutro “nível sensorial” para a entender. E, como é “diferente”, dizem ser “futurista”. Se é disto que o futuro nos reserva, eu quero ficar no presente …

Ouvi também alguns intelectuais da nossa praça “com credenciais”, a dizerem que “sentem coisas” que mais ninguém consegue sentir ao ouvir a música. Fico na dúvida quanto ao “sentir coisas”. A música, ou se gosta ou não gosta, ou fica no ouvido ou não fica. Um comentador mais tradicional, não se coibiu de dizer que, “se a música não for do gosto dos velhos, dizem que é boa; se é diferente (seja isso o que for) do resto do panorama da música pop, é boa; e se causa polémica, é perfeita”. Estamos a resvalar na escala do superficial e considera-se que tudo é “artisticamente justificável”, por mais absurdo que seja.

 Não sei se o Tiago vem de Israel com uma surpresa estampada no rosto, tal como a surpresa que teve ao ganhar na final lisboeta. Disse que era a coisa mais improvável que ele esperava que acontecesse. Tal como eu. Provavelmente, só os inteligentes a compreendem. Mas, na verdade, toda a gente (ou, pelo menos, muita gente) “diz” que a adorou. Ou se traz de lá uma mão cheia de nada com uma música que, a meu ver, depressa será varrida para o caixote do esquecimento.

É um sinal dos tempos, onde o que importa, é ser diferente. Gosto de ler um bom livro, com uma história, um enredo, um objetivo. Bem escrito. Já li uns quantos, sendo que há alguns de que gostei mais que outros. É natural, é o meu gosto pessoal a funcionar. Mas agora, tenho dado comigo a deixar livros a meio, por não contarem uma história ou não dizerem nada. Assim como um monte pedras nem sempre é uma casa, um amontoado de palavras também não é garantia de ser um bom livro. E isso também se passa no cinema, pois já se fazem filmes sem enredo, sendo o filme negro de João César Monteiro o exemplo máximo que conheço do “não filme”. Curiosamente, até foi financiado pelo Ministério da Cultura … será isso cinema?

Na pintura aprecio um quadro figurativo, que tenha como referencial a realidade. Não sendo um especialista na matéria, permite-me dizer se está bem ou mal pintado ao compará-lo com a realidade que pretende mostrar. Mas hoje, a maioria dos quadros são um jogo de cores, quando não pretos e brancos, onde cada um “vê” o que quer ver. Às vezes, parecem trabalhos de crianças em jardim escola. Não sei dizer se são bons ou não. Nem quero. São novas experiências, a rejeição do tradicional a favor do experimental, só porque sim.

Hoje as sociedades ditas civilizadas chegaram a um ponto em que já é difícil descobrir algo de novo, capaz de despertar interesse. Por isso, usa-se o absurdo para chocar, o ridículo para entreter, o anormal para atrair atenções. Basta ver os novos programas de televisão para percebermos até onde se caiu só para conquistar audiências. Verdade seja dita, há sempre quem alinhe, quem se submeta a ser exposto qual macaco em jaula, sem privacidade, dignidade e muito mais, em nome do mediatismo instantâneo e das audiências. É o vale tudo.

A história é antiga, mas adapta-se bem à realidade de hoje. Havia um rei muito vaidoso, que gostava de andar sempre bem arranjado e com vestimentas únicas e tidas como maravilhosas. Sabendo disso, dois aldrabões foram ter com ele e disseram-lhe: “Majestade, sabemos que gostais de andar vestido como ninguém e bem o mereceis! Por acaso, descobrimos um tecido muito belo, tão belo, que os tolos não são capazes de o ver. Com um fato desse tecido, Vossa Majestade saberá distinguir os inteligentes dos tolos, dos parvos e dos estúpidos que não servem para a vossa corte”. “Oh, tragam lá esse tecido e façam-me um fato, para eu saber quem me serve”, responde-lhes o rei. Os dois aldrabões tiraram-lhe de imediato as medidas e semanas depois apresentaram-se ao rei: “Aqui está o fato de Vossa Majestade”. O rei não via nada, mas como não queria passar por estúpido, respondeu: “Como é belo!!!”. Então, os aldrabões fizeram de conta que vestiam o rei e elogiaram a sua beleza: “Oh que elegante. Sereis invejados por todos”. A notícia correu pela cidade: o rei tinha um fato que só os inteligentes eram capazes de ver. 

Um dia o rei resolveu sair para se mostrar ao povo com o novo fato e toda a gente admirava a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido. Até que, uma criança que estava pendurada na árvore, gritou: “O rei vai nu! O rei vai nu!”. 

Foi o espanto e a gargalhada geral …

Ao ouvir a canção de Conan Osiris e escutar cada palavra, fico com a sensação de que só pessoas muito inteligentes a conseguem “sentir” e compreender. Porque eu, estou como aquela criança pendurada na árvore. E também só me apetece gritar: “o rei vai nu”!!!

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