Ena! O carro serve para tanta coisa!!!

Dizem os entendidos que o automóvel é o resultado de um processo evolutivo e não de uma invenção. Começou por ser um carro a vapor que foi evoluindo até aparecer a “lei da bandeira vermelha”, que fez parar esse desenvolvimento ao impor que “qualquer carro levasse à frente um homem a pé, acenando com uma bandeira vermelha e a tocar corneta”. Será que os ingleses eram assim tão inteligentes? Os carros a vapor deram lugar aos com motores que queimavam uma mistura de ar e gás de iluminação, só mais tarde substituída por álcool combustível, gasolina ou gás. E tudo isso, para transportar pessoas e bens, mais depressa, com mais comodidade, se bem que já Fernando Pessoa dizia que “nos movemos muito rapidamente de um ponto onde nada se faz, para outro onde não há nada para fazer…” Mas cedo se percebeu que os automóveis teriam muito mais funções para além de levar pessoas de um lado para o outro, como se pôde comprovar pouco tempo depois da chegada da primeira viatura a Portugal em 1895. Logo na viagem inicial de Lisboa para Santiago do Cacem, o automóvel fez uma vítima: um burro. Nada se sabe nesta história qual dos “burros” foi o culpado, se aquele que morreu ou se “o outro” que conduzia aquele veículo estranho… Reza a história que só quatro anos mais tarde foi “abatido” lá para os Estados Unidos o primeiro “pedestre”, inaugurando uma campanha de “caça ao peão” que veio sempre aumentando até aos dias de hoje. Já no Brasil, foi um conceituado poeta o primeiro condutor a acertar numa árvore, que ele nunca soube explicar, nem em prosa nem em versos, como é que ela foi parar ao meio da estrada …

A partir destas “habilidades”, os carros de quatro rodas passaram a substituir as guerras na “arte de matar gente”, mesmo em tempo de paz. Só nas estradas chinesas em 2010 “limparam o sebo” a 275.000 cidadãos, fora os feridos ligeiros e graves que foram de alguns milhões. Ainda nesse ano, nos dez países onde o automóvel foi mais mortal, a chacina andou muito perto das 800.000 pessoas. Só em dez países, além dos milhões de feridos … Por cá, no ano passado a matança passou de quinhentos mortos. Olhando pelo lado positivo, ainda sobrou a maioria do total de dez milhões de portugueses que somos. Mas, fica o aviso para nos cuidarmos. Senão, faremos parte das estatísticas nos próximos anos. No entanto, tenho de reconhecer que a cama (apesar de silenciosa) é mais “mortífera” do que o automóvel (apesar de barulhento). E é nela onde passamos mais tempo e onde morre mais gente …

Mas o automóvel serve também para coisas mais agradáveis. Que o digam os americanos, pois foi no banco de trás de um carro qualquer que a maioria deles fez a iniciação à vida sexual … Não há estatísticas conhecidas entre nós, mas todos sabemos serem mais usados do que os hotéis para tal “função”. São mais baratos, apesar do mau jeito que a alavanca de velocidades dá quando a pressa não deixa saltar para o banco de trás… E, nas “acrobacias” às escuras, tem de se evitar que a alavanca entre onde não é chamada. Até de dia “me esbarro” com os carritos escondidos à entrada dum terreno que tenho nas franjas da vila, o que não é mal pensado. Há melhor visibilidade para se desviar da tal alavanca e acertar no alvo. Para se perceber quanto o carrito é importante para a prática desta “atividade desportiva”, basta ver a quantidade de preservativos que cobrem os locais escondidos onde se acoitam os carros, feitos “despojos de guerra”. E é um desperdício, pois podiam ser aproveitados e ajudar à recuperação económica do país. Colocavam-se “preservatões” nesses locais para recolha das tão célebres “camisinhas” usadas. Eram enviadas às fábricas e, depois de esterilizadas, seriam recicladas como pastilha elástica para venda ao estrangeiro, num contributo importante para a redução do deficit pela via do aumento das exportações pedido pelo primeiro ministro António Costa …

Os automóveis funcionam ainda como sala para reuniões de família onde se conversa, discute, berra, grita, amua, come (quando o carro não é novo), canta, abraça, beija e se ama. Para fora do carro, acena-se aos amigos, insultam-se os que atrapalham o trânsito (“anda lá, morcão” ou “compraste a carta, imbecil”), buzina-se para reclamar, assobia-se quando a miúda é jeitosa ou atira-se-lhe um piropo agora feito assédio sexual. E, quando sala de refeições, atira-se o lixo e os restos janela fora, para esse contentor enorme que é a “berma da estrada”. Em certas ocasiões, especialmente nas estradas de muitas curvas, funciona bem como “sala de vómito” para enjoados, contra a vontade dum pai furioso ao volante. E é melhor que um soporífero para adormecer e dormir bem … ao tombar para o colo do vizinho.

Para satisfazer os seus sonhos e desejos o homem criou objetos e instrumentos como o automóvel, cujo valor e função vão muito para além da finalidade e uso. Como o carro, tornaram-se um símbolo de sucesso, nível social e felicidade. E foi por isso que a partir de certa altura as marcas passaram a criar modelos diferentes em tamanho, qualidade e preço, para servir e fomentar a ânsia de estratificação social, a mania de que se é melhor do que o outro. Nós assumimos o carro como o nosso espaço privativo, símbolo de liberdade e poder, onde somos reis e senhores. E, atrás do volante colhemos informação permanente sobre o seu comportamento e desempenho, bem como da reação dos outros à nossa passagem, nos olhares, nos cochichos. Porque o automóvel, muito para além de transportar pessoas, é um ícone da sociedade atual e tem várias representações atribuídas pelo nosso comportamento e estilo de vida. Ao tornar-se “diferenciador social”, as fábricas aproveitaram mudando regularmente os modelos e levando os clientes a trocar e consumir para estar na moda. E, como extensão do próprio corpo que é e da nossa cultura onde importa mais “parecer” do que “ser”, quanto mais caro é o automóvel maior é o “bom gosto”, melhor o “estatuto social” e mais o ego transborda de “felicidade” …

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