Além de Festa, “ponto de encontro”…

Acabou a festa. Agora, é o desmontar das barracas, o carregar dos contentores, o retirar de cabos elétricos e arcos de iluminação, o desfazer do palco em peças, o mudá-lo para o próximo local. E vão-se os carroceis, os carrinhos de choque, o “canguru” e outras diversões mais ou menos radicais dum parque improvisado com curta duração. Há gruas, camiões grandes e pequenos, furgões, carrinhas, caravanas e gente a carregar as tralhas feitas entretenimento e negócio nas Festas Grandes de Lousada. Só ficou a barraca das farturas para nos empanturrar de frituras de farinha e água, polvilhadas com açúcar e canela, feitos pedaços de tentação que nutricionistas desaconselham. Durante os dias de festa a Vila acordou atapetada de lixo espalhado pelo chão em tudo quanto é sítio, menos nos locais onde devia ser colocado. É curioso como ninguém conseguiu acertar com os copos de plástico nos “ecopontos” nem com o lixo nos contentores. Devia haver algum problema, pois muito desse lixo foi parar ao chão pela mão de gente civilizada, mas que estava afetada pela “síndrome da manada” – fazer o que a manada faz. O trabalho ficou para o pessoal da câmara e da empresa de recolha. E foi muito para lá do razoável. Além do lixo as Festas também “pariram” dejetos humanos em cada canto mais ou menos escondido, odor intenso a urina em cada porta como se a rua fosse uma latrina coletiva (as portas de madeira que sofreram tal “tratamento” estarão protegidas dos ataques do bicho da madeira durante o próximo século porque, se aproximar, morre com o pivete), preservativos, moradores com sono e mal humorados por noites em branco e jovens adolescentes a deambular, anestesiados a álcool e pensando que a noitada ainda não terminara e com cara de aparvalhados, enquanto os paizinhos dormiam na “paz do Senhor … dos Aflitos”.

Elogia-se ou critica-se a organização pelos artistas contratados para dar espetáculo e animar as noites de acordo com o gosto de cada um, se o fogo de artifício foi bonito de se ver e fazem-se comparações com as Festas de Paredes e, especialmente, as de Freamunde, porque se mantem essa rivalidade absurda, de um bairrismo da Idade da Pedra.

As Festas Grandes são cada vez “mais grandes”. Porque tem que ser.  Não se pode ficar atrás da concorrência nem das outras comissões de festas. Quando era criança, a Festa Grande era “Grande”, mas “curta”. Vi-a crescer no número de dias que ocupa a vila, anima forasteiros e desanima moradores. No estender da iluminação a mais avenidas, ruas, praças e vielas da vila. Na crescente quantidade e, às vezes, qualidade, de artistas “cabeça de cartaz”, cuja escolha nem sempre é consensual. As Festas já se estendem por vários dias seguidos, sem falar dos “preliminares” que acontecem ao longo do mês de Julho. Se a intensão é atrair cada vez mais forasteiros, não me parece que o paradigma escolhido com a introdução das “barracas de cerveja” seja o caminho certo. Pelo contrário, a venda sem controle de bebidas alcoólicas associada à música em ambiente de “discoteca de rua” tipo “rave” é um erro que já outros cometeram há muitos anos. E nós não quisemos aprender a devida lição e teimamos em repeti-lo e insistir nele, em nome de uma receita adicional tida como importante para o orçamento da organização. Haverá mais recursos para prolongar os dias festivos, recrutar mais cantores do top nacional ou consumir em “foguetório”, coisa em que a minha cadela, se tivesse voto na matéria, estaria contra. Detesta foguetes. Mas o acréscimo de forasteiros nas Festas não pode nem deve ser conseguido à custa do sacrifício dos adolescentes, queimados em lume brando no consumo de álcool sem limites, sem idades, sem razões sérias de interesse público. Se Aquele que é o Patrono das Festas viesse a tomar posição sobre o que estão a fazer em Seu Nome, tenho a certeza que voltaria a correr com os “vendilhões do Templo”, a chicote …

Sempre fui um entusiasta das Festas Grandes. Enquanto criança e até adolescente, pelos doces que os meus pais compravam, pelo “jantar” depois da procissão junto aos “tanques”, pela diversão nos carroceis e carrinhos de choque, pelo “picadeiro”, pela “cascata de luz” que era o monte do Senhor dos Aflitos nas tigelinhas, pelas vacas de fogo que eu via protegido no carro do meu pai, na Avenida Senhor dos Aflitos. Com a passagem à idade adulta as Festas Grandes, para além da festa e do entretenimento, passaram a funcionar como verdadeiro “ponto de encontro” onde ia reencontrar familiares, amigos e condiscípulos que a vida conduzira para outras paragens, mais ou menos distantes, mas sempre perto de nós. E era ali que a cada ano revia uns quantos, relembrava histórias, recebia informações de outros que estavam ausentes e se aplacava a saudade. Seguramente, a cada ano as Festas traziam-me novidades enquanto “ponto de encontro”. E era como voltar às nossas origens, ao encontro do passado, selado num abraço. Há dez anos que me marcam falta nesse “ponto de encontro”, mas os amigos sabem porquê. Apesar da lista de “participantes” diminuir a cada ano que passa, sei que alguns são resilientes e marcam o ponto, porque é dos últimos locais onde ainda nos encontramos, além dos casamentos e funerais.

Fiquei feliz quando perguntei à Teresa se tinha gostado das Festas e ela me disse: “Foram excelentes. Divertimo-nos imenso. Encontramos vários amigos que já não víamos há muito tempo e que vivem fora. Veja lá, que nem sequer reconheci um deles porque está barrigudo e de barbas. Teve de ser ele a vir cumprimentar-nos. Foi um excelente “ponto de encontro”, instalados numa esplanada a rever amigos”. E fiquei a pensar que ela já chegou à fase seguinte, de olhar as Festas também como “ponto de encontro” que são.

E o João, jovem adolescente que os pais “soltaram” à meia-noite, foi com um colega até às barracas de bebidas onde, para “aquecer os motores”, começou com dois “shots” e depois “foi sempre a abrir”. É preciso “molhar os pés” para ganhar asas e desinibir-se, agarrar-se ao copo para estar integrado e parecer um homem, “abanar o capacete” ao som da música. Também para ele as Festas serviram de “ponto de encontro” com a miúda loura de copo na mão que não conhecia. E ainda hoje não sabe quem é, como se chama, nem de onde veio. Sabe que se “colou” a ela grande parte da noite e que “despertou” sozinho já o sol se levantara, deitado junto a um portão de garagem quando este começou a abrir. Foi também um “encontro”, mas não sabe “de que falaram”, que parte do corpo usou para “comunicar” ou até mesmo se chegou a “entrar em contacto”. Os vapores do álcool “apagaram” o registo. Valerá a pena insistir na “fórmula” – e no erro – para termos mais “forasteiros” destes? Em nome de quê?   

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