Sem explicação. Mas emocionam…

É na natureza que encontramos as obras de arte mais perfeitas, a beleza no seu esplendor, sendo nela que os seres humanos vão beber conhecimentos e inspiração para realizarem as suas obras de arte que, quase sempre, não passam de imitações grotescas da natureza. Curiosamente, também são os animais que mais nos surpreendem, provando-nos frequentemente que estamos longe de saber tudo sobre eles, a começar pelos animais de estimação. Se em parte já se explica a sua perceção em detetar doenças como cancro, diabetes e hipertensão, a identificação do período de ovulação de uma mulher e até as emoções, o seu sexto sentido, que lhes permite muitas vezes antecipar uma situação que ainda não aconteceu, não tem explicação credível. O que é que lhes permite prever terramotos, tempestades, convulsões próximas em seres humanos e até a morte de humanos?

Ainda não há respostas para tais capacidades que vão para além do comum e que, a par de muitas outras, os tornam companheiros para uma vida, com factos que surpreendem e emocionam.

Sempre que posso e o tempo deixa, vou dar uma volta com a minha cadelita a “rebocar-me pela trela”. Para descansar da pressão que faz a puxar, logo que entro nas ruas calmas da Costa e depois no monte, solto-a e deixo-a correr à vontade. Faz exercício e abate a barriga da boa vida que nada tem de “vida de cão”. E ela corre atrás dos gatos, ladra a dois ou três cães habituais ignorando os outros e até quando vê alguma ave, dá-lhe uma corrida para a “espantar”, presumo eu. Depois de uma dessas deambulações, quando cheguei a casa larguei-a no jardim e só à hora do almoço me lembrei dela, pois habituou-se a ficar junto da mesa à espera de algum “aperitivo”. Como nesse dia não apareceu à hora habitual, fui procurá-la e dei com ela deitada e a cheirar a tralha que tenho sob a churrasqueira, como se houvesse ali caça. Só me ocorreu que pudesse ser algum rato. Por isso, coloquei estrategicamente três caixas para impedir a fuga, armei-me com a vassoura e fui tirando as botijas de gás e outras coisas mais ou menos inúteis que ali tenho guardadas. Quando saiu o último traste, vi qual era a causa da fixação da “Becas”: um filhote de melro aninhado no canto da churrasqueira, provavelmente caído do ninho. Peguei-lhe com cuidado e deixou que o colocasse numa caixa de sapatos sem tentar fugir, abrindo somente o bico de fome e sede. A “Becas”, que no dia a dia corre atrás da passarada, não mais saiu de junto da caixa onde permanecia aquela ave indefesa, umas vezes cheirando-a, mas quase sempre permanecendo deitada, de olhar fixo no pequeno melro e com as patas da frente cruzadas uma sobre a outra na expectativa. Levei a caixa para a sala, dei-lhe de comer e beber e nós almoçamos, mas a cadela manteve-se firme como se lhe tivesse sido incumbido o “serviço de guarda” daquele filhote órfão, ignorando-nos e até se esquecendo do seu “interesse” na refeição. E fez disso a sua vida o dia todo. Quando à noite chegou a Alice, com quem costuma brincar, contrariamente ao habitual fartou-se de ladrar, dando de vez em quando pequenas corridas em direção à caixa onde permanecia a avezinha, como que a querer dizer-lhe para ir ver o que estava lá. Só visto. Mas o que mais me emocionou foi aquela quase devoção na função de guarda ao indefeso filhote de melro, como se tivesse compreendido o seu drama e a sua fragilidade.

É frequente assistirmos a comportamentos de animais, em especial cães, que nos deixam estupefactos, quando não emocionados. A sua perceção do estado emocional do dono e o seu comportamento com ele em função desse estado, é reveladora de capacidades que estão para além da nossa sensibilidade. Tal como em função do estado de saúde, quando não da morte. Foi o que aconteceu na casa de um amigo onde há vários cães. Um deles, sempre que alguma pessoa que não faça parte da rotina diária ali entra, ladra insistentemente. Nesse dia, de forma fulminante e inesperada, o dono caiu sem vida, sendo levado para um dos quartos. No choque da tragédia a notícia correu rapidamente, acorrendo ali algumas pessoas em solidariedade com a família. E aquele cão, que em circunstâncias normais se fartaria de ladrar, passou a acompanhar os visitantes até ao quarto onde estava o dono sem soltar um latido sequer, como que percebendo que algo de grave lhe acontecera, quem sabe mesmo, que ele falecera.

Durante algum tempo da minha vida tive residência profissional em Lamego. Um dos vizinhos da casa onde eu estava instalado, para se “desfazer” do cão que tinha, aproveitou uma ida a Vila Real para o levar e abandonar naquela cidade. Para sua surpresa, uma semana depois quando chegou a casa, o cão estava deitado à porta. Conheço outros casos semelhantes, mas o que considero mais extraordinário ocorreu em Paris. O dono de um cão, por razões de trabalho, teve de se mudar dos arredores daquela cidade para um apartamento numa cidade espanhola onde não tinha boas condições para ficar com ele. Apesar de contrariado, entregou-a a um vizinho e foi para Espanha. Alguns meses depois, fazendo mais de mil quilómetros sem se saber como, o cão apareceu-lhe à porta do apartamento para sua surpresa. Como é que ele descobriu a nova morada que não conhecia e onde nunca tinha estado? Ninguém sabe. E o dono compreendeu que esta demonstração de fidelidade era algo de extraordinário e o obrigava a fazer tudo para não mais o abandonar.

Em Moscovo, um grupo de cães abandonados que vive na periferia da cidade, todos os dias de manhã apanha o metro em direção ao centro da cidade, como quem vai para o trabalho. Como é que descobriram que o cento da capital russa é o local onde há mais probabilidades de arranjar comida e que a forma mais rápida de lá chegar é apanhando o metro? Os passageiros já se habituaram a estes companheiros de viagem, sendo vulgar ver-se alguns deles deitados nos bancos ao lado de utentes, quando não com a cabeça no colo de uma criança. Por norma, os cães procuram as carruagens com menos pessoas, onde é mais fácil encontrar bancos livres para se deitarem. E, ao fim do dia, voltam a apanhar o metro, desta vez para fazer a viagem em sentido contrário de regresso ao local da periferia de onde partiram pela manhã. É espantoso como estes animais sem dono conseguem comportar-se como humanos a caminho do trabalho, usando os transportes públicos naturalmente e sem erros. Será que são mesmo cães? Se muitos seres humanos têm dificuldade em viajar nos meios de transporte de uma grande cidade, como é possível que esses animais tidos por “irracionais” o conseguem? Não pude deixar de ficar fascinado com as capacidades deste grupo de cães.

Mas receio que, neste preciso momento, já façam parte da história de crueldade do ser humano: As autoridades russas antes de começar o Mundial de Futebol, deram ordem para se fazer a “limpeza” das ruas das cidades anfitriãs do Mundial, de todos os animais abandonados, de forma clara: “Eliminados”. E foram exterminados milhares e milhares de animais nas diversas cidades, com imagens chocantes do “massacre” que correram o mundo. Provavelmente, com essa matança sem dó nem piedade, os “passageiros caninos do metro” de Moscovo não serão mais atração da cidade. Em nome da “higiene ambiental” para turista ver … Apetece perguntar: E o que fizeram aos sem abrigo e indigentes da cidade, que “ficam tão mal” nas fotografias turísticas? Congelaram-nos na Sibéria ou “limparam-lhes o cebo”?

Os cães, esses cães que viajavam no metro, seriam incapazes de ser tão desumanos. E eu disse “desumanos” …

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