Acabou. Não há mais festa, mais esperança, mais sonho. A euforia deu lugar à desilusão, a alegria à tristeza, o elogio à maledicência. Há quem queira encontrar culpados pelo fim do sonho. A culpa não pode morrer solteira. É tempo de arrear bandeiras, arrumar os cachecóis e esperar pelo próximo campeonato, seja do Mundo ou da Europa. A seleção portuguesa de futebol veio para casa depois de cumprir os chamados “serviços mínimos”, que era passar a fase de grupos. Nos oitavos de final, o Uruguai fez a festa e os portugueses fizeram … as malas porque, no jogo das cadeiras, quando a música parou, ficamos apeados. É uma lei da vida, uns perdem outros ganham. Fica-nos um amargo na boca, agora que alguns dos principais candidatos a ganhar o campeonato já receberam “guia de marcha”. O jogo vai continuar com as mesmas regras, cada vez com menos cadeiras, até só restar uma que será disputada pelos dois que mais resistirem, com ou sem mérito, que importa.
Como não podia deixar de ser, sobram alguns comentários de café, muito mais emotivos e menos esclarecidos, onde não faltam os “Se” e os “Mas”. “Se o Bernardo Silva não tivesse falhado aquele golo” … ou “Se o Ronaldo marcasse o penalti ao Irão, conseguíamos aviar os russos” … Mas já não há volta a dar, nem vale a pena chover no molhado. Mesmo o treinador Fernando Santos, que nos levou ao topo da Europa na final de Paris há dois anos, passou de herói a vilão nas bocas de alguns “fregueses”. “Se tivesse metido o A em vez do B” ou “se tivesse jogado com dois pontas de lança desde o início” …
E nas redes sociais, onde há espaço para a criatividade e a originalidade, chovem críticas para todos os gostos. Uma delas diz: “Este rapaz chama-se Gonçalo Guedes. É natural de Benavente, tem vinte e um anos e representou Portugal no Mundial da Rússia, não tendo feito absolutamente nada. Se fosse um jogador de futebol, todos partilhavam. Mas, assim, ninguém quer saber” … Em conclusão, não faltam comentadores de sofá nas redes sociais, onde quase tudo, senão tudo, é permitido. E nisto da bola, como não se tem de provar que se é capaz de fazer melhor, pode-se dizer tudo porque não paga imposto.
Fico com saudades desta euforia lusitana que nos contagiou durante duas ou três semanas. Valeu por ser capaz de nos tirar o pessimismo em que habitualmente vivemos, mesmo ficando provado que somos especialistas a empatar. Ganhamos um, perdemos outro, o que, só por si, dá um empate. E empatamos dois. Mas se recuarmos no tempo e nos resultados, muito mais igualdades tivemos, tornando-nos um país de empatas. No futebol, como na vida, somos bons a empatar. Valeu porque nos alimentou o Ego e provou que podemos ser tão bons quanto os outros e que é preciso acreditar. E valeu porque em todo o português que vive em Portugal ou em qualquer recanto do mundo, houve entusiasmo, alegria, esperança e orgulho. Porque a nossa seleção tem-nos dado motivos para estarmos orgulhosos de ser portugueses.
Com o regresso a casa da seleção, talvez já não tenhamos multidões entusiásticas a encher as principais praças do país, onde os autarcas mandaram instalar ecrãs gigantes para “ajuntar o povo”. E também o governo, os clubes de futebol que têm estado sob suspeita e todos os que eram notícia sem ser por bons motivos, estão tristes com este regresso prematuro da equipa das quinas. Enquanto toda a imprensa falava da seleção, informando-nos ao pormenor do que pensavam e faziam os nossos jogadores, esquecia-se deles por completo e já nem ouvíamos mais nada a não ser as notícias da bola, passando para segundo plano o aumento da dívida, as greves dos professores e da saúde, as buscas da PJ e do Ministério Público. É que, as notícias de impacto, são sempre as primeiras, as que abrem os telejornais.
Diz o ditado que “um mal nunca vem só”. E foi o que aconteceu. Com a derrota da seleção diante do Uruguai, acabou-se a festa e as notícias do Mundial centradas na equipa portuguesa. Mas, para desgosto dos que gostam de folhetins emocionantes, também já terminou (penso eu) a telenovela do Sporting, deixando-nos órfãos das surpresas diárias de cada episódio. Perante estas duas perdas, o que é que nós, cidadãos comuns, vamos “consumir” nos próximos dias? Sei que nos sobra ainda o “resto” do Mundial, mas já não tem piada. É como estar a assistir aos últimos capítulos de uma telenovela espetacular depois de morrer o herói, o protagonista principal de quem tanto gostamos. Perde toda a piada. Porque ainda gostamos muito de finais felizes.
Apesar da conquista do Campeonato do Mundo de Futebol ser um sonho para qualquer português, mesmo que não seja adepto da bola, temos de pensar que não passa de um jogo, um simples jogo, onde há emoção, irracionalidade, entusiasmo, tensão e uma gama imensa de sentimentos contraditórios. De tal forma, que a maioria até nem se importa que a sua equipa ganhe com lances ilegais. Mas que continua a ser um sonho, continua.
Deste Campeonato do Mundo, fica-me na memória a elevada nota artística no golo de Quaresma com aquele pontapé de “trivela”. Fica o golo de livre marcado por Ronaldo, com execução impossível de superar e repetir. Fica também uma defesa excecional do Rui Patrício contra a Espanha. E fica a alegria e entusiasmo de milhões de pessoas em Portugal e no mundo, apesar do sonho ter o fim antes do tempo para a maioria deles. E nós, portugueses, estamos nessa maioria. Mas, é só um jogo … e a vida continua.