Mais uma, no mundo de fingimento…

Quando tinha decidido fazer uma confissão pública de que era mais uma vítima, perdi a vontade ao saber que, tanto a Catarina Furtado como o escritor Lobo Antunes se tinham antecipado, revelando que haviam sido assediados sexualmente, a primeira por autor que não quis revelar e o segundo por um professor de moral. Que raio de moral … Ora, com as declarações de figuras públicas tão mediáticas, as minhas palavras passariam despercebidas e seriam atiradas para o rol do esquecimento. Assim, apesar de querer muito juntar-me ao movimento e ver o meu nome publicitado na imprensa – se é que alguém se daria a esse trabalho – acabei por não divulgar que o meu urologista me havia enfiado o dedo num certo “sítio”, alegadamente com o intuito de observar a próstata (disse ele), já para não falar na médica que me meteu um tubo pelo mesmo buraco, dizendo que era para fazer uma colonoscopia. Argumentos … Enfim, agora que toda a gente confessa essas coisas, talvez tivesse sido uma oportunidade perdida. Paciência. Na próxima, tenho de ser mais lesto. Mas isso leva-me ao concurso de beleza Miss América, que nos últimos dias tem sido motivo de notícia e gozo. A organização anunciou que “as concorrentes vão deixar de ter de desfilar em biquínis reduzidos …”. A presidente do concurso até declarou “não vos vamos julgar pela aparência exterior” (coisa difícil). E, continuou: “o que nos interessa, será o que dizem quando falam do impacto social de suas iniciativas”. Agora já não é preciso andar de fato de banho e saltos altos, pois o júri vai estar de “olho” noutros “talentos” (que não aqueles para onde todos olhamos). Estas revelações mostram que o movimento relativo ao assédio sexual já se infiltrou no concurso de beleza, levando à tomada de decisões algo polémicas. Melhor, de pura hipocrisia.

Sendo um concurso de beleza feminina, não deixa de ser interessante e até curioso que já não conte para nada a curva das ancas, o busto ou a simetria da cara. Ao que parece, só passa a valer “o que sai da boca das concorrentes”, aquelas baboseiras que costumam “debitar” um pouco antes da decisão final, de que “vão trabalhar pela paz mundial e combater a fome no planeta”, “salvar as baleias e os golfinhos” ou “proteger as formigas de África”. As linhas do corpo, especialmente as curvas, tantas vezes conseguidas à custa de trabalho duro no ginásio e de sacrifícios em dietas macrobióticas rigorosas, serão tapadas por “burkas” para igualizar as candidatas em termos corporais, evitando assim a tentação de se valorizar “patrimónios sensuais” em prejuízo dos outros agora exclusivos. A beleza estética de um rosto luminoso e bem cuidado, ainda que à custa de cosmética cara, será esquecida e, provavelmente, tapada com um saco, para que os juízes não possam ser influenciados por esse “perigoso” aspeto exterior, que desperta os instintos da natureza no “animal” que há em cada um de nós.

Sabe-se que muitas concorrentes, desiludidas porque os seus reais “atributos” já não vão ser avaliados e, por isso, deixarão de ser trunfo com que estavam a contar, reagiram negativamente a tal nova moda, chegando algumas a afirmar que se trata de inveja das “mulheres de bigode”. Dizem ainda que, “num concurso de beleza as mulheres não serem julgadas pelo seu visual, é como num concurso de força os homens não serem avaliados pelos músculos e seus feitos”.

Não me admirava nada que esta “onda” da Miss América vire moda e tenhamos estas e outras aberrações que tais a viver à custa de falsos princípios. Todos sabemos que na nossa cultura quando se fala num concurso de beleza de mulheres só há uma interpretação porque, o resto, é fingimento. Com isto, não há dúvida que atingimos um nível de hipocrisia e fingimento como nunca se viu. Ainda por cima, esta gente finge mal, mas continua a fingir sempre. Às vezes até parece que acreditam naquilo em que fingem acreditar ou então, são mesmo as “mulheres de bigode” a quem já nada salva.

A natureza segue o seu curso normal, mas há quem teime em querer alterá-lo. Será que os homens vão passar a fingir que na rua ou em qualquer lugar a primeira avaliação das mulheres não é feita pelo seu visual? Será que isso nunca é tido em conta nas relações entre esses dois mundos opostos? E as mulheres, vão-se matar umas às outras para fingir que não têm cuidados acrescidos e constantes com o seu corpo, que as leva a fazer sacrifícios e privações inimagináveis, numa competição entre si que não dá tréguas? Vai-se fingir que dieta é boa? Que aquela mistela de folhas verdes, legumes crus diversos e alguns frutos estranhos passados pela batedeira e transformados numa paparoca nojenta, é a refeição mais saborosa? E fingir que viver no ginásio horas e horas a “malhar” para derreter as gramas de gordura excedentes, a suar “como cavalos”, é a melhor coisa do mundo e não um desígnio em nome de um corpo saudável, mas, sobretudo, belo, atraente e sensual?

Se prosseguíssemos o caminho dos mentores desta nova conceção do concurso Miss América, os homens e mulheres deste mundo teriam de mudar a mentalidade, mudança em que não acredito porque o primeiro impacto visual incide na apresentação estética do corpo, algo que é tão natural como a nossa sede, instinto inato de qualquer animal.

Vamos lá ser realistas: uma Miss América ou outra Miss qualquer, tem que ter “atributos” de beleza exterior que marquem a diferença e façam um homem virar a cabeça. Porque é isso que elas querem e é disso que eles gostam. Tudo o mais, não passa de “balelas” das tais “mulheres de bigode”, sem “argumentos” para apresentar a concurso e com inveja quanto baste para o desvirtuar, tal e qual a raposa da fábula de La Fontaine:

– Contam que certa raposa, andando muito esfaimada,

Viu roxos cachos maduros, pendentes de alta latada.

De bom grado os trincaria, mas sem lhes poder chegar,

disse: “Estão verdes, não prestam, só os cães os podem tragar”.

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