Mês de Maio, mês de “peregrinações”…

Enquanto esperava sentado no carro que chegasse a hora da reunião, dei comigo a observar para lá das montras de uma loja de vestidos de noiva e comunhões numa tarde soalheira. Foi quando vi entrar três mulheres e uma criança que me pareceram ser mãe, filhas e neta, com um objetivo: arranjar o vestido para a comunhão da mais nova. Pela idade, seria a comunhão solene. Através dos vidros pude então ver o desfilar de alguns “vestidos de noiva” em ponto pequeno, provocando sorrisos ou acenos discordantes com a cabeça durante mais de uma hora, até eu ter de me retirar de cena. É cada vez mais assim nestes meses de comunhões (primeira e solene), com toda a excitação que isso provoca, principalmente entre as progenitoras das crianças que entram na cerimónia. É um ato solene na vida da criança que está em causa? Nada disso. O que está em jogo é a “competição” entre as mulheres da terra. O resto, é o motivo …

Nalgumas paróquias da região os padres conseguiram impor uma veste comum para todas as crianças, evitando dessa maneira que a “competição” pelo melhor vestido e melhor fato – e mais caro – se estendesse a elas. Foi a forma encontrada para travar desvarios, evitar gastos supérfluos e retirar as pequenas estrelas da cerimónia ao “circo de vaidades” – o “acessório” – focando-as no essencial – a cerimónia. Mas em muitas outras, apesar das tentativas do pároco local, não foi possível chegar a consenso com os pais das crianças (melhor dizendo, com as mães…) que exigiram liberdade de escolha na vestimenta. A vaidade colocada no pedestal, acima do bom senso… A “peregrinação” com a mãe levando a reboque a criança e mais uma mulher da família (os homens, se forem na “procissão”, só são uteis como motoristas. De resto, não lhes é permitido emitir opinião ou, se o fazem, é por mera formalidade pois não conta para nada…), começa cedo e consome algumas tardes. Em cada dia visitam duas ou três casas da especialidade e já é preciso andar depressa porque, entrar numa loja, dizer ao que vão e virar o stock de alto a baixo à procura “daquele modelo especial e único”, não é coisa fácil. Num dia, correm as lojas de Penafiel, Lousada e Longra e noutro, uma casa de Lordelo, outra em Paredes e a estilista da Lixa. Para o Porto, uma tarde nunca é suficiente. E a criança veste e despe modelo atrás de modelo, num ataque continuado à paciência. É preciso gostar do vestido ou fato e poucos são os que condicionam o preço. Por um vestido dito modelo único (provavelmente repetido inúmeras vezes!), paga-se sempre de seiscentos euros para cima, conforme o número de lantejoulas e mais ou menos enfeites. Mas não se pode poupar numa competição destas senão, “fica-se mal na fotografia”. Ao fim de alguns dias, a veste para a criança está escolhida, ficando pendente dos ajustes finais. Mas a tal “peregrinação” continua até se encontrar vestido para a mãe e a avó, que em regra só serve para este tipo de cerimónias. E os vestidos para as outras mulheres da família? Isto não é fácil. São mais umas quantas tardes no “põe e tira” até descobrir o vestido certo, aquele que “cai a matar”.

Na aldeia o padre reuniu com os pais para preparar os pormenores da comunhão e dar algumas indicações. Entre outras recomendações, com algum cuidado por saber o “terreno” que pisava, apelou ao bom senso e contenção nas vestes, tanto das crianças como dos familiares. Enquanto falava com as mães, algumas cochichavam entre si dando a entender que não era para levar a sério pois a “competição” estava acesa e a maioria já tinha concluído a “peregrinação”, que é como quem diz, já havia comprado as “toilettes”. Era corrida que não tinha retorno e o “recado” viera a destempo. Nem elas estavam para aí viradas …

E há mais uma escolha. Quando a mulher diz ao marido que tem de comprar um fato, a resposta é a do costume: “Mas eu tenho o armário cheio de roupa” … “Pois tens”, diz-lhe ela, “mas já foi usada noutras cerimónias”. E ele não tem outro remédio senão deixar que ela lhe compre “qualquer coisa”, porque é ela quem escolhe. Daí que, entre arranjar roupa para a criança, pai, mãe e avós, é tarefa gigantesca que implica dias e dias de “peregrinação” pelas casas da especialidade, já para não falar no calçado, acessórios, almoço na Quinta da moda e tudo o mais. Nessa procura, por vezes frenética, encontram-se outras pessoas com problemas comuns, gente “solidária no sofrimento”.

Com a neta (que vai comungar) já “despachada”, depois de mais de uma semanada de “peregrinação” pelas lojas da região, mãe e filha voltaram à “capelinha” por onde já haviam passado para comprar novo vestido, porque o que a mãe havia adquirido “não era o tal”. Enquanto reviam as opções, entrou um casal de meia idade. A mulher começou logo a percorrer a loja revirando o stock, “à caça” do modelo de vestido ideal. Ele, cansado de servir de ama seca, perguntou: “Oh mulher, será que é desta vez que encontras alguma coisa”? E ela, que já repetia a passagem por aquela loja, resmungou com ar de “poucos amigos”: “Vamos ver, vamos ver” … Mãe e filha sorriram em sinal de solidariedade e ele aproveitou a deixa: “A senhora está-se a rir? Nem imagina o que já corri com ela. Olhe que até a Fafe fomos. Estivemos em Guimarães, em Felgueiras, em Lousada, Longra, Porto e sei lá bem que mais”. A esposa interrompeu-o para dizer: “É que eu sou a mãe do noivo” … Ele não a deixou continuar e cortou: “E eu sou o pai e não demorei nada disto a arranjar fato”. A senhora, com simpatia, tentou acalmá-lo: “O senhor tem de compreender que estas coisas não são simples”. Agastado, ele desabafou: “Isto não há homem que aguente. Ando para aqui feito Boby. “Oh Boby para aqui. Oh Boby para ali”. E não encontra nada!!! Como é possível”?

A vaidade é natural e desejável enquanto reforço da autoestima e gera competição salutar, desde que não vire obsessão. Quem pensa que a preocupação das mulheres com o seu visual tem como objetivo encantar o olhar dos homens, está enganado. Porque ao homem basta que a mulher use peças que realcem os “predicados naturais” e nem sequer repara se sapato combina com cinto, se o vestido já foi usado noutro evento. O que verdadeiramente atormenta mulher é a opinião das outras. Porque elas sabem que o mundo feminino é um circo de feras, de olhar atento para condenar vestidos imperfeitos e errados, sapatos mal escolhidos, maquilhagens desastrosas e outros deslizes da concorrência. E as comunhões, tal como os casamentos, batizados e outros atos religiosos ou não, são “palco” onde o olhar inquisidor e crítico das outras está em alerta total e perante o qual todas querem passar incólumes. Isso faz com que a procura normal de um simples vestido vire obsessão, fazendo dela uma autêntica “peregrinação” sem ser a local sagrado ou de devoção, mas esperando encontrar o “tal”, capaz de fazer o “milagre” e merecer a aprovação, ao enfrentar esse “tribunal implacável” que é a opinião feminina local …

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