Carro novo ou velho? A pé, é pior…

O mecânico não conseguia descobrir a origem daquele ruído anormal que se ouvia na parte inferior do automóvel. Para tentar identificá-la, decidiu levar o carro à estrada nacional, em direção a Sequeiros. E lá foi pela estrada, acelerando e travando ou fazendo-o passar em pisos mais ou menos irregulares, até que parou junto à berma. Então, com o motor a trabalhar e a porta aberta, deitou-se debaixo da traseira do automóvel, porque lhe pareceu que o tal barulho incomodativo vinha dali. E, quando se encontrava deitado na estrada a tentar identificar a chave do problema, viu o carro arrancar de repente e a sair-lhe de cima, deixando-o “com cara de parvo” e os olhos postos no céu, sem saber o que se estava a passar. “Só pode ser brincadeira de algum amigo”, pensou com os seus botões. E ficou à espera que o autor da partida voltasse para o gozar. Mas ninguém apareceu nem mandou recado. O carro “voara” mesmo nas suas barbas e ele ficou apeado, tendo de regressar a pé à oficina para contar o insólito… E não deixava de pensar no sucedido e como é que o acaso o havia feito parar precisamente junto do ladrão, deixando-lhe a porta aberta e o motor a trabalhar, facilitando a vida do “artista” que não vira e só podia estar ali por coincidência. Que raio de coincidência … O carro até podia ter um barulho, mas era melhor do que ter de andar a pé.

Velho ou novo, o automóvel é “ferramenta” indispensável de trabalho e lazer a que nos habituamos ou, quando não, estamos dependentes. E são mais que muitas as peripécias bizarras que acontecem a quem usa (e abusa) deste tipo de veículo. Eu próprio tenho algumas dessas histórias com estas “sucatas ambulantes” que sobrevalorizamos para além do que o bom senso recomendaria. A esse propósito, lembro-me de uma frase de autor brasileiro desconhecido, que diz tudo: “Eu me achava lindo. Agora que tenho um automóvel, tenho a certeza disso”. Eram onze e meia da manhã de um lindo dia de sol. Vindo do hospital de Lousada, quis ir ao escritório que tenho no centro da vila. Quando vi um lugar de estacionamento livre, apesar de ser do lado esquerdo da rua, aparquei. Com calma, saí para o passeio com as chaves na mão e, quando ia fechar a porta, ouvi atrás de mim uma voz autoritária: “As chaves”. Parei o movimento e olhei de lado. Tinha uma “shotgun” (caçadeira de canos serrados) encostada à cabeça, mas apontada ao céu, empunhada por um encapuzado. Pensando ser brincadeira ou garotice, esqueci o “pistolão” e olhei de novo para a minha carrinha. Vi então um carro parado no meio da rua ao lado do meu e, com a mão na porta do outro lado da carrinha, um segundo assaltante de cara tapada. “Pum”, ouvi um tiro junto ao ouvido, que ficou a zoar. O “meu vizinho” queria apressar-me e voltou a repetir: “As chaves” … Virei-me com as chaves na mão. Ele agarrou-as e ainda com a porta aberta, atirou-se para dentro da carrinha, enquanto do outro lado entrava o assaltante que estava à espera. O terceiro ladrão, condutor do outro carro, arrancou e logo atrás dele a minha carrinha. Fiquei ali “plantado” no passeio, como que a sair de um sonho e a pensar: “Roubaram-me a carrinha”. Não cheguei a ter medo, nem sequer tive tempo de apanhar um susto. Apareceu alguém que vira a cena duma varanda muito preocupado, mas agradeci e disse-lhe que estava bem, só não tinha a viatura. Depois, tranquilamente fui para o escritório. Só contei a história ao meu filho e à Teresa ao fim de alguns minutos. O Luís levou-me ao posto da GNR para participar a ocorrência e segui para casa. Era hora de almoço. Ao terminar, telefonou-me um amigo: “O meu empregado acaba de me contar que lhe roubaram a carrinha. Ora, estou a ir para o Porto. Entrei agora na autoestrada e, logo na primeira subida à saída de Paredes, está uma carrinha na berma. A matrícula da sua não começa por SI”, perguntou ele? Quinze minutos depois parava junto dela. Estava intacta, mas não andava. No esforço da fuga, depois de roubarem outro carro em Paredes, deram-lhe cabo da junta de colaça e abandonaram-na. A avaria veio na hora certa. O ditado “há males que vêm por bem” não podia ter melhor aplicação … Ou então, teria de ser mais um a andar a pé …

Mas não é só por nos roubarem o carro que ficamos apeados. Há mais formas. A noiva do meu amigo Guilherme vivia num apartamento em Gaia, na rua que vai direita à estação das Devesas. A noite já caíra e o Guilherme estava sentado dentro do carro à espera dela, encostado ao passeio e com a estação das Devesas nas suas costas. E, como é habitual nas senhoras, já passara quase uma hora sem que ela desse sinal de vida. Para ocupar o tempo e tentar conter a impaciência, o meu amigo travava e destravava o carro, acendia e apagava os faróis e mexia na alavanca de velocidades. Já farto de tanto esperar, saiu do carro e foi tocar à campainha da porta de entrada do prédio. Atendeu a mãe dela: “Já não demora”. O Guilherme virou-se para o automóvel e ficou de boca aberta: “Desapareceu”. Sem um bater de portas, sem o barulho do motor a trabalhar e sem acelerações, o carro esfumara-se. Incrédulo, olhou rua acima e abanou a cabeça. Por ali, não. Tinha de ser para o outro lado. Então, correu rua abaixo até encontrar um dos poucos transeuntes àquela hora e perguntou-lhe se vira o seu Toyota. Nada. Continuou a correr feito tolo em direção à estação. Ao dobrar a curva da estrada, viu três homens a segurá-lo e a perguntarem: “De quem é este carro? De quem é”? Descobriu depois que, ao mexer no travão e na alavanca de velocidades, acabou por deixar o carro destravado e desengatado. Quando saiu e foi tocar à campainha do prédio, como a rua tem certa inclinação em direção à estação, o carro começou a andar lentamente em marcha atrás e, como que conduzido por mão invisível, foi junto ao passeio e fez mesmo a curva ligeira antes de chegar à estação. Os três homens estavam ali parados a conversar e aperceberam-se do movimento do carro em marcha atrás, até darem conta de que não tinha condutor. Foi assim que decidiram evitar que fosse embater na estação, travando o avanço até o fazer parar. E logo a seguir chegou o Guilherme, que assim se livrou de ter de andar a pé …

Real ou ficcionado, narrador anónimo conta a sua história: “Pela primeira vez na vida, na semana passada, fui a uma reunião da tão criticada Igreja Universal e participei das práticas e orações dos presentes. De repente, o Pastor aproximou-se do lugar onde eu estava. Olhou-me fixamente e apontou-me o dedo. Piedosamente, ajoelhei-me e ele colocou as mãos na minha cabeça e clamou em voz alta: – Você vai caminhar! Eu, respondi-lhe baixinho: – Mas, eu não tenho nenhum problema de locomoção. Ele ignorou a minha resposta e, quase gritando, voltou a exclamar: – Irmão, você vai caminhar! Toda a Assembleia, com as mãos ao alto, começou a bradar: – Você vai caminhar! Mais uma vez, tentei explicar que não tinha problema com meus membros inferiores, mas foi em vão… Cada vez mais forte e com mais energia, ele repetiu: -Você vai caminhar! Enquanto a Assembleia, em transe, gritava ainda mais forte: – Irmão, você vai caminhar! Optei por me calar e não dizer mais nada… Quando o ato acabou, deixei a Assembleia e, acreditem ou não, o maldito Pastor tinha razão: TINHAM-ME ROUBADO O CARRO!!!”

Ora cá está mais um que teve de “ir à pata” para casa. Por isso, com carro velho ou novo, sempre é melhor do que andar a pé …

Leave a Reply