A função do sono é, sem dúvida, repor as energias do corpo. É como se lá entrasse uma equipa de limpeza e manutenção para despejar o caixote do lixo das toxinas, reparar tecidos, fazer descansar os órgãos e filtrar os acontecimentos do dia. Alfred Vogel dizia que “o sono é o remédio do qual não podemos abdicar” e é por isso que andamos um terço da vida a dormir. Eu tenho de “aterrar” seis a oito horas por noite, caso contrário, ando por aí com “um melão na cabeça”, a abrir a boca como se fosse anormal. Já o nosso presidente Marcelo só dorme metade, tal como Napoleão e Margaret Tatcher. Para quem dorme tão pouco, a tarefa de recuperação fica difícil. E, das duas uma: ou a sua “equipa de manutenção” é mais numerosa ou trabalha de empreitada. Mas, dormir nem sempre é sinal de descanso, de recuperação da energia perdida. Quantas vezes não dormimos um número de horas tido como mais que suficiente e acordamos ainda mais cansados? Foi o que me aconteceu esta noite. De manhã estava tão cansado e com o corpo tão dorido, que mais parecia ter dormido a noite dentro da máquina de lavar roupa, aos trambolhões.
Por norma, depois de deitar a Luísa ainda fico pela sala até ela “pegar o sono”. Aproveito para ler, escrever ou ver se há algum filme de ação na televisão porque, como ela não aprecia, só tenho essa ocasião para ver. Se houver, deito-me tarde. E há uma boa razão para a deixar adormecer antes de me deitar: quero poupá-la ao sacrifício e tortura do meu “ressonar”, com que já sofreu quanto baste.
Sei que não sou caso único nem sequer o maior “roncador”, pois quase um quarto da população “toca trombone” à noite, se bem que a maioria não tem essa perceção (nem quer ter). Entre todos eles, há os que afirmam a pés juntos que não ressonam, ainda que não saibam se sim ou não. Depois, existe o grupo dos que admitem ressonar “ligeiramente” nos dias em que estão muito cansados ou quando “enfardaram” um jantar mais pesado. São as desculpas esfarrapadas do costume. Segue-se um grande grupo que ressona muito, mas não considera que isso seja um problema (para eles, não é). E, finalmente, os que têm consciência plena de que são “excelentes roncadores”, a tal ponto que se chegam a acordar a si próprios. Já passei por essa fase, mas agora estou mais contido, com “registo” suave. A Luísa já dorme bem … se adormecer antes de mim.
O ressonar (ronco) é um fenômeno natural, mas pouco agradável, que não é exclusivo dos humanos (a minha cadela Diana brindava-nos frequentemente com algumas “sinfonias caninas” …). Classifico os “roncos” em função da intensidade, começando pelos “sopradores”. Não são mais que respirações profundas tipo “vendaval” ou “bufo”, como quem está a soprar ao lume. Depois vêm os “diplomatas”. São roncos sem nível sonoro elevado e de registo variável. Incomodam, mas parece que não. Seguem-se os “motoqueiros”, pois o ruído que sai da boca dos “roncadores” mais parece o trabalhar de uma moto Harley Davidson em momento de aceleração. O barulho produzido passa a porta e chega ao quarto vizinho. Por fim, os “grunhidores”. Devem ter alguma costela de suíno pois o som produzido através da boca é uma boa imitação do GRRRRRR, GRRRRRR do porco, com os lábios a tremer tipo BRRRRRRRR. Às vezes misturam estes sons com bufos fortes, num GRRRRRR, GRRRRRR — FUUU, FUUU. O ronco atravessa a porta, chega à sala, faz ricochete e inunda a cozinha e tudo fica a vibrar. E então, se estiverem a dormir “de papo para o ar”, o aparelho sonoro vibra no máximo, fazendo o som ecoar pela casa toda, qual terramoto…
Ressonar pode perturbar tanto o sono de quem ronca quanto o da pessoa que dorme ao lado. De tal forma afeta o parceiro(a), que é a terceira causa de divórcio. Ora, só quem passa pela experiência pode avaliar da tortura que pode ser querer dormir ao lado de alguém com esse problema. A situação mais traumatizante que vivi colocou-me um roncador no outro canto do quarto onde dormia. Mal ele pôs a cabeça na almofada, adormeceu de imediato, sem me dar tempo a “passar para o lado de lá” e começou a “grunhir” com tal vigor, que já não consegui adormecer. Fiquei para ali de cabeça enfiada debaixo dos lençóis, coberta com a almofada, na tentativa de atenuar aquele som tenebroso no silêncio da noite. Já a hora ia adiantada e eu sem pregar olho, quando me lembrei duma situação que a Luísa viveu na viagem de comboio de Lisboa para o Porto. Um dos passageiros adormeceu e começou a ressonar, incomodando as outras pessoas. Uma jovem que viajava na mesma carruagem, levou o caso para a brincadeira e disse: “eu calo-o já”. Meteu os dedos à boca, sacou um assobio forte e o roncador calou-se logo. Mas, pouco depois, voltou a ressonar. E a moça assobiou de novo e continuou a assobiar ao longo da viagem, enquanto os outros passageiros se divertiam com a situação. Foi assim que naquele enorme quarto, a meio da noite, dei comigo a assobiar. E ele calou-se … mas voltou ao mesmo de seguida. Dei mais duas ou três assobiadelas e, não sei se foi por ele deixar de roncar ou se foi do cansaço, adormeci. Pensando bem, há uma certa analogia entre os humanos e os perus: ao ouvir um assobio, se nós estivermos a ressonar, calamo-nos. Os perus, sempre que ouvem o assobio, fazem em coro, “Glu, Glu, Glu … Glu, Glu, Glu”.
Outra forma de calar o parceiro(a) que dorme connosco é usando a técnica da cotovelada. Sempre que ele(a) ressone, aplique-lhe uma cotovelada. O roncador para e, normalmente, procura outra posição. Pode não resolver à primeira, mas ao fim de algumas cotoveladas, acaba por encontrar posição que não o obriga a “cantar”. Ou então está a evitar receber mais cotoveladas. Senhora amiga diz que “o cala a pontapé”. Aproveitem. Ao que parece, resulta…
Em conversa entre amigos, questionava-se qual é a maior prova de amor que alguém pode dar ao parceiro(a). Um dizia que é fazer uma declaração pública, de joelho no chão, oferecendo o anel de noivado. Outra, achava que seria ser surpreendida com uma viagem ao destino dos seus sonhos. Um terceiro entendia que o máximo, era um fim de semana romântico em casa, sem mais ninguém, com ele a levar-lhe o pequeno almoço à cama. Por fim, o homem mais velho, confessou o seu pecado: “A maior prova de amor é-me dada pela minha mulher todas as noites”. Os outros olharam para ele e ficaram à espera, para ver o que iria sair dali. E ele continuou: “O mais natural seria que ela, logo na primeira noite passada comigo e ainda antes de amanhecer, fizesse as malas e “se pusesse na alheta”, para não mais regressar. Porque deve ser um sacrifício terrível tentar dormir junto de mim. É que eu … ressono como um porco”.