Quem tem coragem de se esquecer?

A dona do café estava muito surpreendida. Quase na hora de começar o jogo entre o Futebol Clube do Porto e o Liverpool para a Liga dos Campeões, o café continuava praticamente vazio. Ao contrário do que era habitual neste tipo de jogos, os clientes não apareceram. Desconhecendo a causa de tal debandada, comentou isso com uma colaboradora e amiga. E ela deu-lhe uma boa razão: “Hoje é o Dia dos Namorados. Tu achavas que os clientes tinham coragem de vir ver o futebol e deixar a namorada ou a mulher em casa, sem irem jantar fora? Desengana-te”. E, tirando um ou outro cliente mais idoso, certo é que a grande maioria de clientes habituais, não apareceu. O café ficou “às moscas”. Os que não gostam da equipa dos “dragões”, é natural argumentarem que os adeptos portistas já adivinham o “desastre” em casa e temiam apanhar uma “abada” como veio a acontecer, mas a realidade é que a razão foi mesmo a invocada pela amiga: “não podiam faltar ao compromisso, que implicava jantar fora com a namorada ou mulher. O resto, era conversa”.

Se recuarmos alguns anos atrás, o Dia de S. Valentim mais conhecido por Dia dos Namorados, era ignorado pela maioria da população e, tirando casos isolados de casais de namorados, passava despercebido ao comum do cidadão. Mas isso era há uns anos atrás. Agora entrou na moda sair e comemorar. Por isso, quem é que tem coragem de esquecer uma data destas? Ninguém. Melhor, nenhum homem.

Nós temos tendência para não dar importância a datas, esquecendo o aniversário da mulher, do casamento e da sogra, do dia em que conhecemos a cara metade, do dia da mulher e tantas outras que agora são tidas como datas importantes e têm de ser festejadas, doa a quem doer. E, entre essas datas, está o Dia dos Namorados. Quem é o homem que arrisca esquecer tal dia? Nenhum. Nem sequer os que são casados (e que na grande maioria já nada têm de namorados) se permitem correr o risco. Tal como a malta mais ou menos nova, têm de vestir a sua melhor “fatiota” para estar à altura da “toilete da madame” e ir jantar fora. No mínimo. Mas não pode ser a um sítio qualquer. Que é isso? “Ir comer àquele “restaurantezeco” da esquina? Não faltava mais nada”, diz a mulher ou a namorada.

E o homem, como macho convencido que quem manda lá em casa ou na sua relação é ele, tem sempre a última palavra: “Sim, querida. Vamos onde tu quiseres”. É que, nas “fofocas” com as vizinhas, quando uma mulher sabe que a outra vai ao restaurante X, ela decide logo que tem de ir jantar a uma quinta. Está-se a ver porquê…

Mas, há que ter em conta que é preciso reservar lugar “naquele” restaurante ou “naquela” quinta com muito tempo de antecedência, caso contrário, corre-se o risco de “bater com o nariz na porta” e ter de ir comer uma febra grelhada à Tia Maria ou um hambúrguer com maionese no MacDonalds e, mesmo nesses, esperando na “bicha”. E isso não ajuda nada ao “bom nome” do homem junto da mulher ou namorada. E estou a lembrar-me dos pais de uma pessoa amiga. Como o pai está a trabalhar no estrangeiro, quando veio gozar uns dias a Portugal, em cima da hora decidiram ir jantar fora. Mas era o Dia dos Namorados. Correram os restaurantes que conheciam e acabaram por jantar muito bem… em casa. Estavam todos esgotados. Por isso, é melhor fazer a reserva já para o próximo ano. Se até lá terminar com a relação, não se preocupe, pois pode servir-lhe para a relação seguinte ou mesmo ganhar alguns euros ao revender a sua reserva ao “desgraçado” que se tenha esquecido e esteja “à rasca” …

Mas se o homem pensa que levar a sua querida a jantar fora já é suficiente para o “manter em alta” na sua consideração, quem sabe com direito a “prémio” depois da janta, desengane-se. E o resto? Sim, o raminho de flores (e não pode ser um ramo qualquer)? Se não “andar da perna” e deixar a compra para a última hora, é certo e sabido que já não vai encontrar as rosas vermelhas de que ela tanto gosta e que são o símbolo do amor e da paixão. E depois? Oferece-lhe um ramo de cravos amarelos ou de jarros brancos? Mais valia pegar numa corda e enforcar-se, pendurado pela cintura (pelo pescoço não, porque lhe falta o ar …). E ficamos por aqui? “Alto e para o baile”. Há mais qualquer coisa. E a prenda? Sim, a prenda? Pode ser uma peça pessoal em ouro ou prata. Cai sempre bem e marca pontos junto da sua “mais que tudo”. Se a “massa” não sobrar muito depois de pagar o jantar, tem de saber escolher algo que permita um brilharete sem ultrapassar o orçamento. Como alternativa aos objetos pessoais, deve optar por uma dormida fora em hotel com spa. Pode acabar por ser um pouco mais caro, mas um dia não são dias e tem duas vantagens: por um lado, ela gosta (e vai a pensar nas massagens no spa) e por outro, o homem também gosta (e vai a pensar nas “massagens” noutro local, que não o spa…).

Na pressa dos dias, inventaram-se os dias com nomes para não haver pressas. E as empresas comerciais, através do marketing agressivo e da publicidade intensa, encarregaram-se de gravar a fogo na mente de todos nós, a imperiosidade de os comemorar condignamente. Ou não estejam elas interessadas no negócio que isso gera. É uma forma de escapar à pressão das rotinas diárias, que torna os dias iguais. E nisso, as mulheres estão aí para nos lembrar, quando algum de nós tem o atrevimento, a ousadia ou a coragem de se esquecer. É que, se o esquecermos, durante os próximos cem anos (se tanto durarmos) e nos momentos certos, vão cobrar-nos esse lapso de memória infeliz e atirar-nos à cara: “porque tu há cinquenta e dois anos, esqueceste-te de me levar a jantar fora no Dia” … É que elas nunca esquecem…

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