Ando muito atarefado e já quase não tenho tempo para escrever a crónica da semana. E isso traz-me uma preocupação: a possibilidade de ser despedido pelo diretor do jornal e ficar sem emprego. E sem ordenado… A razão principal está nas árvores do meu jardim e no malfadado decreto de limpeza das florestas. Não tenho uma floresta à volta de casa, mas tenho árvores que se tocavam umas às outras e cuja copa estava perto de casas, a começar pela minha. Como sou burro e não sei interpretar a lei, ao que parece tal como os seus autores, pelo sim pelo não achei que era melhor deitar abaixo a maior parte das árvores que plantei já lá vão quarenta anos, com muito amor e carinho. Algumas têm troncos que não consigo abraçar. É a forma de me ver livre de autoridades à porta de casa e de receber um “papelinho” de que ninguém gosta, para ir pagar um certo valor em euros, que me faz mais jeito a mim do que ao estado (embora este tenha uma dívida bem maior do que a minha). Quem está feliz com esta decisão é a minha família. Já estavam fartos de me repreender, pois não querem que ande pendurado nelas, feito macaco, a esgalhá-las e limpá-las, às vezes a mais de quinze metros de altura. Chegam a dizer-me que tenho idade para ter juízo. Feliz também está minha a mãe porque, com o abate das árvores, de porte considerável, vou arranjar-lhe uma boa rima de cavacos (porque eu não gasto).
Ao abatê-las, fico dividido. Triste por ter de matar aquilo a que dei vida. Plantei-as há tanto tempo e deram-me muito, em sombra, verde, sinfonia de pássaros, beleza, frescura de verão e prazer. Daí que não seja nada fácil uma decisão destas. Mas, na sua morte, encontro a compensação de usar a força dos braços para cortar, serrar e rachar os troncos em cavacos. E, por estranho que pareça, gosto de rachar lenha. É uma mania como outra qualquer. Tenho jeito para pegar no machado, o que não é de admirar, porque o “carrego” todos os dias… no nome.
Como ainda ficaram quatro ou cinco em pé, vou ter de decidir se mando tudo abaixo e deixo o terreno mais careca do que eu ou se arrisco, deixando alguma delas já sem “família”, plantadas na encosta sem ter quem as proteja dos ventos fortes que vêm do lado do mar em dias de tempestade. E são cada vez mais. Também tenho de decidir o que fazer com os arbustos, trepadeiras e tufos de ervas rasteiras, pois dizem que o terreno tem de estar limpo, não sei se igual ao interior da moradia ou como nalgumas casas de banho públicas em dia de feira…
Bom. Não fiquem preocupados porque ainda não perdi o juízo. Gosto do meu jardim e são outras razões, que não as de um decreto lei feito à pressa para “tapar olhos”, que me leva a medidas tão drásticas. Mas é certo que, isto de limpar os terrenos florestais bem limpos até ao dia quinze de Março, tem muito que se lhe diga. E eu não acredito e ninguém acredita, que o país vai fazê-lo da forma que o governo quer e obriga (será que sabem o que querem dos cidadãos?). Para limpar uma faixa de dez metros de largura ao longo das estradas deste país já é tarefa impossível. Seriam precisos meios que não temos, dinheiro que não há e gente que está lá fora (e não está cá). E tempo. Por outro lado, é uma estupidez pegada querer que a limpeza seja efetuada até quinze de Março. É que, lá para meados de Agosto, os terrenos terão outra vez mato e todo o tipo de infestantes tão desenvolvidas, que vai ser necessária nova limpeza, com novos custos. E quem vai passar a vida a fazer limpeza e gastar dinheiro nos terrenos que produzirão nada? Serão só um custo que não gera rendimento. É melhor dá-los a quem queira gabar-se de ser proprietário, se houver quem. Caso contrário, será conveniente entregá-los ao estado… e o estado que os mande limpar, se é que o vai fazer. Que se saiba, não o faz naquilo que já tem. Basta ver bermas e taludes de estradas que são propriedade sua, já para não falar nas matas nacionais…
A nossa região é caracterizada por aquilo que se chama “povoamento disperso”. Isto é, há casas “plantadas” por todo o lado. Ao contrário de outras regiões onde as construções estão concentradas em pequenas ou grandes povoações, nós espalhamos as habitações ao longo das estradas à medida que elas se foram abrindo, fosse no interesse das populações ou dos proprietários… Por isso, é fácil encontrar essa mistura explosiva de casas e matas (não costumamos chamar-lhe floresta, até porque raramente as matas são de grande dimensão), o que, à luz da lei, vai obrigar os proprietários a limpar tudo num perímetro entre cinquenta e os cem metros a partir da parede exterior das casas (o que acho ser muito pouco. Seria preferível o raio de um quilómetro e, mesmo assim, num incêndio como o de Outubro passado, não era suficiente).
Ora, como as matas não são grandes, é certo e sabido que algumas pessoas vão pensar que têm uma bouça, de onde, eventualmente, podem retirar algum rendimento. Mas, na realidade, o que têm é um problema, pois pode estar toda dentro do tal perímetro e lá se vai o rendimento, mas fica o custo.
Isto não vai resultar? Vai… durante os dois primeiros anos. Enquanto não há nada para arder. E depois? Logo se verá. Tal como não vai dar certo ter meia dúzia de sapadores por aí, a trabalhar oito horas por dia pelo que se diz, como num escritório. Ao que sei, os incêndios não param de “lavrar” para ir dormir… E se não resolver? Os governantes têm joelhos que servem de mesa e é fácil lançar novas medidas e com elas outros custos para os mesmos (que somos todos, especialmente os proprietários). E já ninguém se lembrará destas medidas avulso, a não ser aqueles que as pagaram e que vão ficar sem os “cavaquitos” para o inverno. Em bom abono da verdade, não é um mal para todos. Que o digam chineses e espanhóis, quando tivermos de consumir mais um bocado de eletricidade para não “raparmos” frio, vendida pelas suas empresas. Eles agradecem, cobram… e nós pagamos.