Só com sacrifício e muito trabalho é possível realizar os sonhos…

Não sou dos que tem horror a chefes. Nunca tive qualquer complexo em relação a quem mandava em mim, porque sempre pensei que é muito importante haver quem mande. E saiba mandar. E uma boa parte da minha vida fui subordinado, tanto em organismos públicos (onde não parei muito tempo, felizmente), como em empresas. E recordo com saudade alguns dos meus chefes de serviço, com quem aprendi e de quem fui amigo. Mas há um por quem nutri uma admiração especial, pela sua história de vida, pela seu trabalho e luta para perseguir e atingir um sonho. Em tempos difíceis e ainda garoto, partiu para Angola, onde começou como marçano, servindo ao balcão de um estabelecimento comercial. Como não queria que fosse esse o seu futuro, foi estudando à noite, num regime de disciplina rigorosa até completar o liceu, o que viria a conseguir sem perder um único ano. Mas ainda não alcançara o seu objetivo, o seu sonho. Queria ser agrónomo. Matriculou-se na faculdade, continuou a trabalhar e estudar com um programa rigoroso onde definia ao minuto os tempos de trabalho, de estudo e lazer, sem ceder à tentação do desleixe ou do convite imprevisto. Cumpria o horário com rigor espartano, mas concluiu agronomia sem uma reprovação e com excelente média. Quando no final do curso um amigo lhe disse “tu tens cá uma sorte!!!”, ele só lhe conseguiu responder: “se tu soubesses quanto custa ter sorte”??? Sempre que me lembro dele, vem-me à memória a sua história de vida, da perseguição de um sonho que conseguiu somente à custa de trabalho, muito trabalho mesmo, a quem só a má fé ou ignorância poderia estupidamente chamar de “sorte”. Seria caso para dizer: “tive sorte uma ova…”

Mas, se a história do meu antigo chefe pode e deve inspirar qualquer um, há quem invoque argumentos facilitadores desse sucesso, como o caso de ter começado muito jovem e com emprego estável, que lhe permitiu um rendimento seguro. E não ter quaisquer compromissos nem responsabilidades, fatores que fizeram toda a diferença. Até certo ponto, são circunstâncias que deram o seu contributo para o sucesso. Mas não apagam de forma alguma o empenho e dedicação, que saem intocáveis e podem servir de modelo a muita gente.

São muitos os exemplos desse esforço para ir mais além em busca de um sonho, de uma vida melhor, de mais instrução. Em cada um há uma história com mais ou menos sacrifício, mais ou menos empenho, mas sempre com muito trabalho. Conheço uns quantos mais, que me merecem o maior respeito e admiração. Até porque nesse caminho de sacrifício, onde foram recebendo vozes de estímulo e alento, também encontraram inveja, raiva e maldade, onde só deveria haver apoio incondicional.

A senhora andava entusiasmada e feliz, pois conseguira passar a todas as cadeiras do primeiro período, o que era um acontecimento. E tinha muitas e boas razões para se sentir orgulhosa, embora não o demonstrasse, escondida atrás da sua simplicidade e humildade: fora dos poucos alunos que “limpara” o período, entre as dezenas que frequentavam aquele primeiro ano da faculdade, a grande maioria muito mais jovens do que ela; voltara a pegar nos livros quase duas décadas depois de deixar a escola secundária, tempo que dedicara a cuidar da família; para poder estudar e continuar a sustentar a casa, tem três empregos onde trabalha à hora a cuidar de idosos e doentes e até a fazer limpezas, sendo a sua única fonte de rendimento; e seria uma omissão grave não dizer que tem a seu cargo uma criança de que é mãe e de quem cuida com responsabilidade, zelo, carinho e amor, fruto de um casamento que acabou em divórcio há muito tempo. E isso fez com que tivesse de “agarrar a vida pelos cornos” para “poder dar conta do recado” e “levar a água a bom porto”. Por essas razões e muito mais, tinha bons motivos para se poder orgulhar. Foi com esse estado de espírito que encontrou uma amiga de longa data, que conhecia bem a sua vida de trabalho e sacrifício desde o colapso do casamento.

Falaram disto e daquilo e, na sua simplicidade, disse-lhe que ganhara coragem e voltara a estudar, matriculando-se no curso com que sempre sonhou. E que tinha passado em todas as cadeiras do primeiro período. Enquanto contava o que lhe estava a acontecer, a “amiga” foi perdendo o tom alegre com que alimentara a conversa, esmoreceu e depressa se foi embora. Não voltaria mais a procurá-la. Inicialmente surpreendida, viria a reconhecer nela o sentimento de perda, por já não a ver na “mó de baixo” e não ser mais a “coitadinha”. Para além da inveja, que terá feito com que a “amiga” se fosse… E o mais triste, é que esta mistura de sentimentos negativos, de raiva e inveja, tanto ela como a mãe já os têm encontrado noutras pessoas, até mesmo na família, como se o seu sucesso educativo as diminua, como se fosse crime “levantar a cabeça” e querer olhar mais além.  Porque, bom, bom, era vê-la a trabalhar de segunda a segunda, todas as semanas do ano, sem descanso semanal nem mensal como o vinha fazendo desde que se divorciara, feita “gata borralheira” enfiada no canto, aquele canto onde não se provoca invejas nem se faz sombra a ninguém. Como se já não lhe bastasse a vida de trabalho e estudo, para ter ainda de “aguentar” estes “atrasos de vida” …

Ao conhecer este caso, não posso deixar de lembrar o sentimento que descobri entre agricultores de uma região do país há bastantes anos, que me deixou incrédulo: “Não estavam preocupados, nem sequer interessados em ter bons campos de milho. O que os deixava verdadeiramente felizes e lhes bastava, era que os campos de milho dos vizinhos fossem piores do que os seus” …

Após a revolução de Abril e em pleno período de convulsões, um dos militares que assumiu mais protagonismo mediático foi convidado para realizar uma conferência na Suécia. No final, um dos elementos da organização, perguntou-lhe qual era para ele o principal objetivo da revolução portuguesa. A resposta foi imediata: “Acabar com os ricos”. Ao que o sueco contrapôs: “Pois a nossa intenção por cá é de acabar com os pobres” …

Esta nossa tendência para o “fado da desgraçadinha”, de ver sempre o “copo meio vazio” e puxar para baixo quando se devia empurrar para cima, foi motivo de anedota nesse período revolucionário. “Um operário americano, quando via passar o patrão no Cadillac, dizia: “Um dia vou ter um carro maior do que o teu”. Já na Inglaterra, o operário ao ver o patrão num Rolls Royce, comentava: “Vais ver que um dia, se não tiver um carro igual ao teu, não vou andar longe”. E em Portugal, o operário ao ver o patrão no Mercedes, previa o seu futuro comum: “Um dia, vais ter de andar a pé como eu”.

Porque será que há quem fique desconfortável e com medo que “o outro” persiga ou realize o seu sonho e atinja o Céu???

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