Galinheiros, galinhas e outros…

Já não há galinheiros como os de antigamente, onde tudo era natural. Era natural serem barracos improvisados, mal cheirosos, com rede velha e “caca” por todo o lado. Era natural terem galinhas grandes e gordas, a porem ovos quando lhes apetecia e onde lhes apetecia (à vizinha da minha mãe um dia entrou-lhe casa dentro uma galinha que já não via há vários dias, seguida por uma dúzia de pintainhos. Tinha feito um “ninheiro” no monte, atrás da casa, onde foi pondo os ovos que chocou, até nascerem os pintainhos). Era natural comerem do que havia, desde couves, restos de comida, grão de milho partido (o grão inteiro era bem preciso para fazer a broa de milho caseira) e, em especial, minhocas, sementes e outros bichitos. Ora, era natural terem liberdade total. E era natural haver um galo de crista grande na capoeira (era o chefe; o felizardo, invejado pelo típico macho latino que sonha ter um lugar desses, de galo mor, onde possa ser o dono e único senhor da “galinhada e das frangas” … se bem que, em regra, “tem mais olhos que barriga”; servia de despertador da casa, embora cantasse a horas erradas; só tinha como missão “tratar” das galinhas para que os ovos saíssem “galados”, condição essencial para darem pintainhos no caso de serem postos a chocar). Era natural ainda que, ao fim do dia, se metessem os “bicos” na capoeira, bem fechados, para não serem comidos pela raposa ou pelo texugo, que andavam por perto.

Podia-se contar com “o ovo no cu da galinha”? Podia, pois a mulher da casa, para controlar a produção e saber quantos ovos ia ter nesse dia, enfiava o dedo no “tal buraco” e sabia de antemão se tinha ovo ou não. Com isso, evitava que pusessem o ovo em local desconhecido ou que alguém os recolhesse indevidamente. Também eu fiz algumas vezes essa “prospeção anal” com o meu pequeno dedo … Mas ficava uma dúvida na minha cabeça de criança inocente: se os ovos saíam cá para fora pelo mesmo buraco por onde também saíam as cagadelas das galinhas, como é que se formavam os ovos lá dentro? A partir da m. de galinha e de uma forma que eu não entendia? Como é que a m. se transformava em gema e clara? Ou havia algum canal lateral que entroncava no “tubo de esgoto” das galinhas, com sistema de “válvula de passagem” só para deixar sair o ovo? Era estranho. Se fosse num hospital nos dias de hoje, teria de haver um corredor de “sujos” e um outro corredor de “limpos”. Ora, cagadelas de galinha e ovos, teriam de ter “corredores” diferentes e separados. Mas, ali, não tinham.

Naquele tempo as galinhas tinham liberdade. Não sofriam qualquer tipo de pressão psicológica, nem física (para além da exercida pelo galo). Claro que, o seu final, era sempre como protagonista principal do assado no forno e da canja de galinha caseira. Mas essa liberdade acabou e hoje já (quase) não há galinheiros à moda antiga, onde as galinhas gozem de liberdade plena. Pelo contrário. São encafuadas em gaiolas apertadas, aos milhares, onde só comem ração, bebem água com medicação e … poem ovos. Liberdade? Nenhuma. Estão ali para produzir, produzir, produzir, a ritmo alucinante. Só comparável às operárias em linha de fábrica de confeções, confinadas a pequeno espaço. Estas têm a vantagem de lá estarem só oito horas, cinco dias da semana, enquanto as outras estão vinte e quatro sobre vinte e quatro. Bom, as galinhas têm a vantagem de poder olhar para o lado, cacarejar com as outras das gaiolas vizinhas sem que lhes chamem a atenção ou lhes “caia” um palavrão em cima. E não precisam de dar com o cotovelo no contador para marcar mais um ovo produzido. A gaiola está feita de tal forma que, ao cair o ovo, rebola acionando um marcador automático e entra no tapete rolante, que o leva quase até à boca do consumidor. Assim, automaticamente, os donos sabem quem produz e quem já não produz o suficiente para ficar no ativo. Mais ou menos como nas operárias… Só que, as galinhas consideradas improdutivas e inúteis, são produto descartável, vendidas “ao preço da uva mijona” a um qualquer galinheiro que, de porta em porta e nas feiras, as despacha rapidamente “ao preço da chuva”, como petisco em casa de pobre. Já as operárias com poucas “cotoveladas” no contador e daí, com baixa produção, também não deixam de ser “produto descartável”, não abatidas em matadouro, mas ao ativo, passando a integrar as legiões de reformados considerados inúteis ao sistema produtivo vigente, onde só vale quem produz…

Vem-me à memória os galinheiros de casa dos meus pais e da minha avó paterna, onde se “botavam” galinhas a chocar, criando ninhadas atrás de ninhadas. Aí se abrigavam à noite galinhas e galos, frangos e frangas, das intempéries, dos larápios, da raposa e outros animais. Mas não havia separação por sexos, como nos liceus e colégios de outrora e nos aviários de hoje. E tanto a mãe como a avó, conheciam bem cada galinha e davam conta se faltasse alguma. Agora, já não se “botam” galinhas a chocar. Dá trabalho, já não se usa. Compram-se os pintos num aviário, onde são “fabricados” aos milhares, como quem fabrica pás ou parafusos. E, “para adiantar serviço”, mandam-se vir com duas ou três semanas de idade, o que é meio caminho andado para quem tem pressa de ver os frangos criados. Já os ovos, é mais fácil apanhá-los na “ponta” do tal tapete rolante onde as “poedeiras” os largam, que fica precisamente nas estantes dos supermercados…

Se os pintos já nascem em aviários através de processos industriais, os seres humanos vão ter um futuro semelhante, mas muito mais avançado. Passarão a ser gerados só em “humanários”, os “aviários de humanos”, com milhares de “úteros artificiais” onde será possível manipular os genes e escolher as características de cada criança, a gosto.

São só vantagens. As mulheres não terão de “andar a empurrar o mundo para a frente” nem sofrer as dores de parto. E o sexo passa a ser só diversão. As regras serão: produzir somente por encomenda de casais “normais”, de lésbicas, gays ou do ministério da guerra; os “clientes” podem até querer com os seus genes pessoais, fornecendo óvulos e esperma, seus ou de ”um filho da mãe” qualquer; têm direito a escolher o sexo do “filho”; podem ainda selecionar a cor do cabelo e olhos; e até a raça; encomendar as qualidades físicas, se jogador de futebol (e o tipo, Ronaldo ou Messi), atleta de velocidade ou fundo, halterofilista ou remador; optar por cientista, político, banqueiro, militar, ladrão ou pirata (é possível ter várias coisas em simultâneo, como alguns dos “modelos” que já existem no mercado); marcá-lo com um sinal ou verruga, para o identificar à distância ou quando andar perdido; e se o querem parecido com o “papá”…

Mas há um pormenor importante, que vem ao encontro do desejo de muitos pais: a partir do momento que o “filho” for dado como “pronto e parido”, podem decidir quando o querem levar para casa, se vai a tempo inteiro (o que é uma chatice, dá um trabalhão e não se ajusta à liberdade do casal) ou a tempo parcial. A liberdade será tal, que podem mesmo optar por um horário das três às cinco da tarde, ao domingo. SÓ e nada mais. É tempo mais que suficiente para dar a “voltinha dos tristes”, mostrar que têm um filho e que vai ser o futuro “Ronaldo”. Será um sucesso e um orgulho para os “progenitores” …

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