O verdadeiro perfume de Natal…

Cheira a Natal. Desde Novembro que se sentem os ares natalícios nas alterações da publicidade, nos sons, nas imagens, nas campanhas. Na televisão, em cada dez anúncios seis são muito “bem cheirosos”, pois promovem a venda de perfumes. Mulheres sofisticadas, vestidos arrojados, decotes longos, muito longos mesmo, para que se associe ao perfume a imagem de beleza e sensualidade de corpos jovens e bonitos. O mundo estoira sempre que ela bate com o tacão no chão, como se o perfume fosse um estoiro!!! É tempo de dar prendas e nada melhor que um perfume de marca. Mulheres desmaiam quando ele perfuma o corpo, não sei se pelo perfume se pela parte do corpo onde ele se perfuma. E as marcas competem entre si para ganharem a corrida às vendas através da melhor imagem, da que atrai e leva o espectador a tornar-se comprador. É neste jogo da publicidade que se ganha influência sobre o inconsciente do ser humano e se manipula. E a mulher são mais sensíveis. E eles sabem e aproveitam.

Cheira a Natal. Multiplica-se a publicidade aos chocolates, para um Natal mais doce, mais requintado, mais elegante, como se isso de elegância tivesse alguma coisa a ver com a qualidade do chocolate. “Ambrósio, apetecia-me algo”, é a deixa num deles. E cada um de nós tem de conhecer o requinte de um desejo.

Cheira a Natal. Por todo o lado ouvimos música com sinos e sinetas a repicarem e a perseguir-nos rua acima. E vemos árvores de Natal em plástico produzidas na China, cobertas de luzinhas tão sofisticadas, a piscarem, como se estivessem a piscar-nos o olho. E as iluminações natalícias nas ruas de maior concentração e poder do comércio, num apelo ao “venha comprar aqui as suas prendinhas de Natal”.

Cheira a Natal. Sobram bonecos do “Pai Natal”, como se represente o nosso Natal, como se fosse uma tradição nossa. Não passa de tradição importada da “estranja”, porque tudo o que é importado é que é bom e fixe. Feitos de plástica, madeira ou trapos, de barbas brancas e fatiota vermelha, enchem montras e vendem-se aos montes vindos, como sempre, da China. E até os há por aí, ao vivo e a cores, à entrada das lojas, a dar beijinhos às criancinhas e a tirarem “selfies”, como registo para a história do “espírito natalício” …

Cheira a Natal. E já se fala no peru, como se o peru fosse tradição. Que eu saiba, só se for para apanhar as migalhas debaixo da mesa. Por cá, não é, nem nunca foi. É mais uma, vinda do outro lado do mar. O peru começou a ser consumido nos Estados Unidos no Dia de Ação de Graças. E ali virou tradição. Mas importamos a ideia e tem-se vindo a infiltrar na Ceia de Natal, havendo já quem o ponha a substituir o bacalhau, como se este seja coisa do passado, ultrapassado, fora de moda. E negamos a nossa tradição.

Será que temos mesmo de nos “estrangeirar” para nos sentirmos tão bons como os outros? A riqueza de um povo está na sua cultura, nas suas tradições, na sua língua. E nós tendemos a recusá-las, como se tivéssemos vergonha de falar português, de sermos o que somos. Estamos a negar-nos enquanto povo com história, com passado, que deixou a sua pegada cultural por esse mundo fora e não foram muitos os que o fizeram como nós. E porquê recusarmos ser quem somos? Porquê negar o bacalhau e as rabanadas como nossa tradição natalícia? Porquê, querermos aculturar-nos?

Cheira a Natal. Porque se fala de solidariedade muito mais do que no resto do ano, como se a solidariedade fosse sazonal. E lembram-se os “sem abrigo”, os desprotegidos, os refugiados, os mais idosos, os que não vão ter Natal. Organizam-se almoços solidários, campanhas e angariações, festas e espetáculos, a puxar pelo espírito de Natal ou nele inspirados. É bom, melhor que nada, mas é tão pouco tempo, tão curto o Natal…

Cheira a Natal. Pelos centros comerciais passeia-se a euforia, a pressa de comprar as últimas prendas, muitas vezes perdidos por não saber o que oferecer, de que é que ela gosta ou não poder atender o pedido do filho. Nas últimas semanas antes dessa noite mágica, os centros comerciais são locais de alta concentração humana, não aconselhados a impacientes ou claustrofóbicos. As lojas são um sufoco para quem tem falta de ar, tanto nos pulmões como na carteira.

Cheira a Natal. Prepara-se uma refeição de dez pessoas que daria para um regimento. Como se fosse destinada a engordar porcos para a matança. Não se usa o bom senso, a contenção, a moderação. Natal não tem de ser sinónimo de orgia alimentar, de “enfarta brutos” nem de sobras que ninguém vai conseguir acabar antes do Carnaval. Já sabemos que o caixote do lixo vai esconder muito desses excessos. É o medo de que a comida não chegue, o querer ter um pouco de tudo.

Cheira a Natal. Apesar de tudo, é bom ser Natal. Ao menos lembramo-nos uma vez no ano dos que precisam, se bem que eles precisam o ano todo.

Cheira a Natal. Nessa noite de amor, junta-se a família à volta da mesa e em comunhão, quase sempre a única reunião do ano. Só por isso, o Natal já é um milagre. E apesar das derivas de uns e outros, das birras em partilhas e zangas de comadres, o Natal é o ponto de encontro, a resposta ao toque a reunir, o regresso a casa patrocinado por Ele.

Cheira a Natal. Mas esquecemos o essencial: o Protagonista do presépio e a sua mensagem. Perdidos no espetáculo comercial que montamos à volta do Natal, já nem sabemos verdadeiramente o que ele significa, o que é importante e o que representa. O Menino Jesus foi esquecido, ignorado, escondido entre as palhinhas da manjedoura. Até o presépio passou a ser palco de todo o tipo de figuras e figurões, numa miscelânea de épocas e desencontros de história, que remetem para segundo plano a essência do presépio e a figura do Menino. Já nem sabemos o porquê do Natal, perdidos no acessório. Não vamos encontrar nas caixas das prendas o espírito natalício, mas somente no nosso coração. Ao menos paremos para descobrir como a nossa vida é abençoada com a família e os amigos que temos.

Cheira a Natal. Saibamos ser capazes de secundarizar o folclore das prendas e dos gastos, para nos focarmos na Festa do Nascimento de Cristo e no seu significado. Porque é o momento de nos renovarmos, de recuperarmos o espírito da mensagem natalícia.

E então, sim. Sentiremos o verdadeiro perfume do Natal…

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