Ser dono da sua habitação, é o sonho da maioria dos portugueses. Eu incluído. E se puder ser uma moradia … É uma “tontice”, como tantas outras que nos passam pela cabeça ou, pior, que nunca de lá saem. Mas sonhar ser dono da sua própria habitação é assim tão estúpido? Não. Se for só sonhar, não é. Estúpido mesmo, é ser proprietário, “suposto dono”. Sim porque, a partir do momento que tal acontece, pensamos que somos “donos”. E eu disse “pensamos”.
Depois de casar, fui viver para um apartamento arrendado. O “dono” mandou-o pintar antes de me entregar as chaves. A meu cargo, ficou a mobília para a cozinha, um quarto e parte da sala, tal como os eletrodomésticos que o “Guerrilha” me vendeu. Não havia dinheiro para mais. Os fornecedores montaram tudo. Trabalho meu, pouco. E pedi a ligação de eletricidade e água. Com o apartamento em si, não tive de me preocupar. Nem antes, nem depois. Se havia um problema, comunicava ao senhorio e este mandava compor. Não era comigo. Ele que se “desunhasse”. Mas, nesta vida nunca estamos satisfeitos com o que temos e, como qualquer bom estúpido, pensei construir a minha própria casa.
Sonhava com uma moradia, onde não tivesse de ouvir o vizinho de cima a puxar o autoclismo ou mesmo a “gemer” enquanto fazia força na sanita ou a vizinha do lado a “gemer”, mas por outras boas razões. Quando arranjei dinheiro para o terreno, comprei, paguei e fiquei tão “liso” como um pneu usado. E, como pensava que sabia alguma coisa de desenho de construção civil, fiz o projeto de uma casa, linda de morrer naquela fotografia da revista francesa de onde o copiei. Mas, quando um empreiteiro me deu o orçamento provisório, a “casa de sonho” ficou só no sonho. Nessa noite fiz um projeto mais “acessível” para uma bolsa vazia. Se agora é uma dor de cabeça mandar construir moradia, naquela época nem se fala. Como qualquer português que se preze, optei pelo orçamento mais baixo. O empreiteiro era da minha aldeia e, para me influenciar, “vendeu” as suas supostas qualidades de construtor ao meu pai, nesse tempo já cego e muito doente. Entreguei-lhe a obra porque não tive orçamento mais baixo e meti-me num rico sarilho e numa carga de trabalhos.
Seria penoso para quem lê esta crónica ter de seguir a “Via Sacra” que percorri durante a construção da moradia e que só terminou quando me consegui livrar de tal “feitor de casas”, antes sequer de a concluir. Ora, para abreviar, vamos dar a casa por concluída e passar adiante, para ver se tenho descanso. Engano, puro engano. Em primeiro lugar, tive de me esfalfar a trabalhar para pagar o que me emprestaram. Foi a “massa” toda. TODA. E quando me livrei desse encargo, meti-me a construir anexos, muros, e mais anexos, e jardim, e mais anexos… Trabalhei muito para arranjar dinheiro, mas também “dando o corpo ao manifesto” na construção dos muros e anexos, com a ajuda do senhor Teixeira, onde fiz de pedreiro, soldador, trolha, serralheiro, pintor e não sei quantos ofícios mais. E foram muitos os trabalhos, gastos, sacrifícios, consumições e problemas, que davam para um filme que “nunca mais tinha fim”. Igual às telenovelas onde estão sempre a inventar mais enredos, problemas, traições, zangas de namorados, faltas ao casamento e tudo o que der para prolongar a sanha, numa “história interminável”.
Se quisermos ser realistas, somos pouco “donos” da nossa casa, mas muito escravos dela. Quantos de nós não tivemos de fazer enormes sacrifícios para a construir, abdicando de tantas coisas? Certo é que, depois de pronta, quando o nosso “Ego” está satisfeito, vem o estado “dizer-nos” que temos de “pagar renda”, pela casa que pensávamos ser nossa. Afinal, é nossa ou do estado? Se temos de pagar “renda” a alguém (e o estado chama à “renda” IMMI), quem é o “dono”? Para além dessa “renda”, ainda temos de investir constantemente sempre que o tubo rebenta, entope a fossa, entra água no telhado, a parede está rachada. E alguns investem mais para dar satisfação ao sonho antigo de ter uma piscina … Custa um dinheirão, mas ficam de bem consigo (atenção: fui burro, mas não cheguei a tanto). E o estado agradece, aumentando a “renda” … Mas não era suposto sermos só “donos”? Se a casa for do senhorio, ele que pague. O problema é dele. Mas, se nós formos tidos por “donos”, quem é que “está à pega”? Nós. Pagamos e não bufamos.
Também pensamos que, ao construir uma casa grande, vamos gozar a vida melhor, com os filhos… Eu disse filhos? Enquanto estão no berço, talvez. Estão por perto. Mas, mal crescem (e crescem muito depressa, talvez devido às vitaminas, à poluição, às hormonas e às alterações climáticas…), descobrimos que estamos sós, os velhos, a viver numa parte da casa porque o resto, já sobra. Mas continuamos a pagar “renda” da casa toda … “Ah, mas assim vamos deixar um património para os filhos, uma casa para viverem”, dirão alguns. Como? Para eles morarem? Só se não tiverem mais para onde ir. Caso contrário, não vão querer um casarão e vai ser um problema nas partilhas entre eles. O habitual. Se os pais que já partiram tivessem permissão para vir do “Além” corrigir um único erro dos muitos que fizeram em vida, é certo e sabido que, na grande maioria, desfaziam-se dos bens, a começar pela casa de família. Evitariam desavenças familiares e partilhas pela via judicial.
Cá por mim, há muito que perdi as ilusões e deixei de me considerar “dono” da minha casa. De maneira nenhuma. Não fui, não sou, nunca serei. Porque acho mesmo que “ela”, a casa, é que é dona de mim. De tal forma que, um dia destes, sem me pedir opinião, “despacha-me para o Além” e troca-me por outro “dono”. E eu não tenho direito a ter opinião, a reclamar e dizer que não quero ir, que eu ainda mando. Porque não é verdade. Eu vou e ela fica por cá, já com outro “pateta” a pensar, tal como eu o fiz, que é o “dono”. Como se fôssemos “donos” de alguma coisa…
Como andamos enganados. E iludidos!!!
Um americano foi à Índia ouvir os conselhos de um “Guru”. Ao entrar na sua casa, encontrou-o sentado numa esteira. Não havia mobília. Estranhando, perguntou ao “guru”: “Onde estão os seus móveis”? Mas ele respondeu-lhe com outra pergunta: “E onde estão os seus”? O americano, sem hesitar, disse: “Mas eu estou aqui de passagem”. E o indiano (e homem sábio), rematou a conversa: “Também eu”.