Não o calamos? Haja quem o faça…

O que se consegue fazer com este pequeno aparelho que os homens trazem sempre no bolso e as mulheres na carteira, é impressionante. Ao ver as inúmeras capacidades dum telemóvel, agora na versão “smartphone”, dou comigo a pensar que sou do “tempo da Idade da Pedra”. Só pode. Os muito poucos telefones que existiam na minha infância cá na terra, eram uma novidade. Para se telefonar, dava-se à manivela para chamar a telefonista que estava no edifício dos CTT na Vila e pedia-se a ligação para o número pretendido. Ela estabelecia a conexão de um telefone com o outro, enfiando a cavilha da extensão da uma linha no ponto de ligação do número pedido. Tudo manual. Por isso, estar agora sentado no meio da serra e poder fazer uma ligação direta para o meu filho na Colômbia, com imagem, é algo de surreal. Para quem veio de uma sociedade agrícola e com rudimentos de tecnologia, ainda parece inconcebível.

Também sou dos que andam com ele sempre enfiado no bolso das calças, com exceção dos fins de semana em que fica a “dormir” na sala. Estou (quase) sempre “on”. É bom? Não, não é. Apesar da utilidade, já tenho idade para ter juízo e usar o “animal” só mesmo quando é preciso. No entanto, ainda penso que os filhos podem precisar de mim ou tenha de resolver alguma coisa com urgência. Uma mania como outra qualquer. Se fosse à cinquenta anos, em que as comunicações à distância eram quase só por carta, resolviam-se os assuntos à mesma.

Hoje, o telemóvel faz parte da própria identidade da pessoa, havendo quem sofra e se sinta desconfortável sempre que não o tem à mão. “É como se estivesse nu”, dizia um jovem adolescente. Daí o problema que as escolas têm com o seu uso no espaço escolar. E não deve ser nada fácil conciliar posições tão divergentes sobre o proibir ou ser permitido em tal espaço. Mas existem muitas situações onde, das duas uma: Ou não há respeito pelo lugar onde se está e pelas pessoas ou é-se muito distraído ou… burro. Porque não há outra explicação.

Estava numa missa fúnebre com a igreja repleta de gente, onde imperava um silêncio pesado, só interrompido pelas palavras do celebrante e pela resposta dos fieis. Quando o padre fez o sinal da cruz para dar início à celebração, no silêncio da igreja ouviu-se uma música roqueira saída de um telemóvel, algures no meio dos fieis. A música tocou quatro ou cinco vezes e a maioria dos presentes ficou sem saber se foi interrompida pelo dono do telemóvel ou se quem chamou se cansou de esperar. O padre fingiu não ouvir e continuou, enquanto ao meu lado um homem tirava o telemóvel do bolso e o colocava no silêncio. O toque do outro lembrou-lhe que não “calara” o seu e deveria ter servido de aviso para todos os presentes. Situação normal, que pode acontecer a qualquer um, embora não devesse acontecer… Um pouco antes do padre fazer a homilia, no fundo da igreja ouviu-se outro a tocar, desta vez com um toque clássico de telemóvel. Senti mais uma mexida entre algumas pessoas, talvez para desligar ou verificar se estava desligada a sua “caixa de ruído”. Durante o resto da missa, “só” tocaram mais três telemóveis. Quanto ao primeiro, até admito que houvesse um esquecimento ou distração, que não deveria ter existido. Vamos dar-lhe o benefício da dúvida. Mas os outros… Com franqueza, não podia acontecer. Ou são surdos – e nesse caso ficaram a saber que têm de ir ao otorrino fazer um exame de audiometria para confirmar se há necessidade de prótese auditiva – ou são irresponsáveis – e pensaram ser aceitável e normal deixar que o telemóvel tocasse num lugar daqueles e naquela cerimónia – ou já conseguiram ser promovidos a imbecis. Será que não ficaram sequer um pouco incomodados quando tocou o primeiro telemóvel? Não se deram conta do “incidente”? Ou acharão mesmo que os telemóveis são para ser usados, seja em que espaço for? Não era nada comigo e senti-me constrangido…

Mas já assisti a outra situação semelhante, mas mais embaraçosa. Quando o celebrante distribuía a comunhão e no momento em que um homem abria a boca para receber a hóstia, do seu bolso saiu o malfadado toque musical, em jeito de contestação. E ele ficou tão “encavacado”, que já não sabia se havia de receber a comunhão ou “cortar o pio” ao telemóvel que, teimosamente, continuava a “berrar” dentro do seu bolso. Confrangedor… é o mínimo que se pode dizer. Tenho de reconhecer que a dignidade tem estado do lado dos celebrantes. Em regra, não reagem ou, quando muito, suspendem por instantes a celebração, como que a dar tempo (e oportunidade) para o “infrator” tomar consciência e desligá-lo. Só numa ocasião houve reação verbal do padre. Com muita subtileza, disse que “este não é o melhor momento nem o melhor local para se atender o telemóvel. Por isso, recomenda-se que esteja no silêncio ou desligado”.

Mas o mesmo acontece em sessões solenes e cerimónias diversas, onde os aparelhos electrónicos não são convidados nem devem ter voz… mas têm. E quando não é conveniente. Não adianta, somos como somos. Na realidade não somos um bom exemplo no respeito pelos outros e pelo local onde estamos em certos momentos. Talvez porque o telemóvel esteja primeiro. É sagrado.

Só encontro uma saída para resolver estes incidentes. Por muito que nos custe, devemos ser tidos por irresponsáveis compulsivos e, por isso, ser tratados como tal. Assim, só colocando um equipamento técnico que bloqueie todas as comunicações dentro do espaço que se pretende livre de “intrusões” indesejadas será possível acabar de vez com elas. Senão, vem sempre a desculpa do “esqueci-me”, “pensava que estava no silêncio”, “estava à espera de uma mensagem”.

Diz o povo que, “para grandes males, grandes remédios”. E isto precisa de um remédio. E grande…

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