Quem decide o que compramos? Nós?

Sábado de tarde. Tive de ir a três supermercados cá da terra para comprar aquilo que desejava. E não enchi nenhum carrinho de compras. Eram só quatro artigos. Numa das superfícies comerciais encontrei o senhor João, que já não via há alguns anos, desde que se reformou. Entre cumprimentos, perguntar pela família e o que faz, fiquei a saber que vai lá três dias por semana, uma delas ao sábado. Para quê? Para ver os produtos em promoção e comprar o que lhe interessa. Mas só mesmo aquilo de que precisa. A reforma é pequena e tem de aproveitar os descontos para ir fazendo as compritas, conseguindo assim um abatimento na conta mensal. Mas não se deixa iludir nem entusiasmar. No entanto, observa isso noutras pessoas que conhece. “Não podem ver um desconto acima dos trinta e cinco por cento. Tentam-se logo, mesmo que seja uma coisa que não usam. Eu cá não embarco na publicidade. Tenho uma lista mensal e só vou comprando o que me falta. Nada mais”.

Os “shoppings” são tidos como as catedrais do consumo mas os supermercados não lhes ficam atrás. Para além dos produtos de consumo básico e essenciais, pouco a pouco foram alargando a oferta a outros artigos, muitos deles supérfluos mas que, posicionados em pontos estratégicos da loja e com preço promocional em grande destaque, acabam por ir parar à maioria dos carrinhos de compras. Não precisam daquilo mas “o preço é tão baixo, que vale a pena comprar. É uma oportunidade…”

O primeiro passo começa com os folhetos despejados nas caixas de correio em nossas casas, com regularidade semanal. Abri-los e dar-lhes uma vista de olhos, já é meio caminho andado para ceder à tentação. Se os lermos com cuidado, descobrimos a razão: Logo na capa do folheto, em letras grandes, anuncia “5 Super oportunidades. Desconto imediato de 50%”. E os artigos são interessantes… Já não falo nas outras frases de impacto: “Super Fim de Semana”, “Se encontrar mais barato, devolvemos a diferença”, “Só domingo, 50% em toda a loja” ou então “Preços à prova de qualquer comparação”. Alguns folhetos têm sequências bem conseguidas. Assim, na folha dos congelados dizem: “Aqui, os preços também estão congelados”. Na peixaria, “São preços baixos, sem espinhas”. No talho, “Os preços estão bem cortados”. Na perfumaria, “Cheira a preços baixos”. E na padaria, “Preços baixos são o pão nosso de cada dia”. Por outro lado, as fotografias e a apresentação dos produtos são atrativas. É assim que está lançada a semente da “necessidade”, ainda que falsa.

A segunda fase é na loja. Não se entra por qualquer lado. Tem de ser por “ali”. Se a intenção é comprar só um quilo de arroz, temos de atravessar a loja toda para o fazer. O arroz, como todos os bens de primeira necessidade, está ao fundo. Para lá chegar, passamos por um mar de “pechinchas”. Que nos querem impingir. (Quase) tudo o que não nos faz falta. “Olha que… E é tão barato. Vou aproveitar”. E vai para o carrinho das compras. Quando chega ao fundo da loja, já não há espaço para o pacote de arroz… Quem resiste ao “Mega preço”, ao “Super desconto” ou ao “Preço imperdível”? “Vejam lá que nem chega aos trinta euros” (o preço é de 29,99 €)!!!

A tudo isto, juntam-se os cartões, os descontos em cartão, os pontos acumulados, os selos, as mensagens para o telemóvel que arranjam mais “corredores” para a loja que a Maratona de Lisboa ou o anúncio de “ganhe um carro novo ao volante de um carrinho de compras”. É tentação a mais para um homem/mulher só…Como pode resistir? E para não falar na associação de descontos, e grandes, no sector de artigos de confecção ali mesmo ao lado, onde há muito que ver e comprar… E no sector dos eletrodomésticos… E nas bicicletas de montanha… E nas malas de viagem… E nos combustíveis…

Vivemos “acampados” na sociedade de consumo, onde o problema não está na capacidade de produção mas sim na dificuldade de venda. Capacidade produtiva não falta, daí haver excesso de produtos que é preciso escoar de qualquer jeito. “Compre três paga dois”. “Um custa 20 e dois 30”. “Compre uma caixa de seis garrafas, duas são de graça”. Tudo isto, para “impingir” mercadoria. E nós vamos carregando para casa e acumulando… lixo. Porque é aquilo que somos: Acumuladores de lixo.

Alguém dizia: “Na sociedade de consumo, o marketing e a publicidade são uma espécie de máquinas que abrem buracos em nós, as “falsas necessidades” que nos fazem tomar o desejo pela falta”. E acabamos por sentir a “falta” desses bens supérfluos como se fossem essenciais. E compramos, para tapar o “buraco”, a “necessidade desnecessária”. Quase sempre os produtos são “embelezados” pela publicidade, como sendo portadores do bem estar e da felicidade: “Compre e terá estatuto social”. “Compre e terá a mulher dos seus sonhos”. E nós até pensamos (se é que pensamos) ser verdade, que temos de comprar para nos sentir bem, porque é uma excelente oportunidade. E é… para quem vende.

Mais do que nunca, tal como o senhor João, cada um tem de criar as suas próprias defesas a esse assalto que a publicidade e o marketing fazem às nossas mentes, ao nosso inconsciente. Caso contrário, não passaremos de marionetes em “mãos” que nos manipulam, embora estando convencidos que somos livres de escolher o que queremos. Mas não somos…

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