O escritório, que a Teresa e o Luís “dirigem e onde eu, às vezes, até trabalho”, é um misto de empresa imobiliária com atividade na compra e venda de propriedades e de sede provisória da Associação Lousadanimal, para além de “família de acolhimento” da “Clarisse”, uma cadelita abandonada e maltratada por um energúmeno que a cegou intencionalmente. Ora, tendo no escritório a Teresa, elemento da direção da Associação, extremamente dedicada à causa e uma defensora acérrima dos direitos dos animais e da sua proteção, tinha a certeza que não iria passar muito tempo após a morte da minha cadela Diana sem que ela “sugerisse” ser a altura de adoptar um novo animal. Não podia esperar outra coisa, até porque a Associação que representa tenta promover a adopção de vários animais ainda sem dono e que estão entregues a “famílias de acolhimento”. E, diga-se de passagem, apesar do pouco tempo de existência e da falta de recursos, tem sido extraordinário e digno dos maiores elogios, o trabalho da instituição, bem visível nas cerca de duas centenas de adopções já concretizadas. É obra!!!
Pois bem. A Teresa deixou correr o tempo para que eu fizesse o luto da Diana e um dia disse-me: “Temos uma cadelita numa família de acolhimento, que recomendo lá para casa. Encontrava-se num estado miserável mas já está recuperada. É meiga, sossegada e muito afetiva. Acho que a devia levar por uns dias, à experiência”. Foi desta forma que começou o “filme” da vinda de um novo membro para o seio da nossa família que, transitoriamente, se chamou “Bela”, durante uns dias ainda deu pelo nome de “Pintas” e “Pintinhas” e acabaria por se vir a chamar “Becas”. Independentemente do nome, já estamos todos apaixonados por ela… Quem não ficaria? É de uma doçura fora do comum, afetuosa e com um olhar muito profundo. Só lhe falta falar… Mas não precisa, porque diz muito com o seu olhar… Começou a acompanhar-me nas caminhadas matinais ou, pensando melhor, arranjei alguém a quem posso fazer companhia… Porque é ela que, no entusiasmo do passeio, me puxa com força, como quem arrasta um peso morto. E só é “metade de um cão”… Eu explico: Pesa menos de metade da Diana, daí a “metade…”. De raça “Epagneul Breton”, com pelo curto, branco e muitas pintas castanhas no corpo todo (daí o nome Pintas).
Só mais tarde me contaram a história da “Becas”, ela também um animal abandonado. E é uma história que merece ser partilhada…
Terá sido um caçador que, provavelmente por achar que não era bom cão de caça, se quis ver livre dela. Para o efeito, amarrou-a com uma corda a um pinheiro no meio da mata e ali deixou abandonada. Ora, um animal abandonado, amarrado a uma árvore no meio do nada, sem comida nem água, só pode esperar uma coisa: Morrer. E com muito sofrimento… Mas ela não se entregou e lutou pela vida, até conseguir roer a corda que a amarrava e que lhe deixou marcas visíveis da luta que travou para se soltar do pinheiro. Quando foi recolhida, ainda trazia a “gravata” de corda, bem justa no pescoço… O curioso é que, depois de se soltar, não abandonou o local onde foi deixada pelo dono. Como um bom cão de caça, permaneceu firme à espera que “ele” a viesse buscar. Porque ela não sabia nem sabe que os homens fazem coisas que os cães não fazem: Traem quem neles confia, abandonam quem se lhes entrega e matam quem já não lhes serve. Enquanto durante o dia se mantinha no lugar onde fora atada, à noite ia de contentor em contentor junto às casas, à procura de comida, para regressar ao mesmo local e continuar a espera. E assim se manteve ao longo de dois anos até que, um acaso da sorte (e aqui pode-se verdadeiramente dizer que “há cães que têm sorte”…) a recuperou para a vida: Em Maio, a Farmácia Fonseca organizou uma caminhada em Lousada. Num ponto do percurso, já em Meinedo, alguns dos participantes desviaram-se do trilho e, ao atravessar um monte, encontraram duas cadelas num estado lastimável. Mãe e filha. Muito desnutridas e completamente parasitadas, “eram uma dor de alma”. A informação passou de imediato e nesse mesmo dia já lhe fizeram chegar comida e água para, de seguida, serem resgatadas por dois voluntários da Lousadanimal.
Recolhidas numa caixa, foram de imediato levadas a um Centro Veterinário, alimentadas e tratadas. Já depois de efetuada a sua recuperação, viriam a ficar numa família de acolhimento até há pouco tempo.
Ao longo dos dois anos que permaneceu naquele monte, teve quatro ninhadas que foram recolhidas por alguns dos moradores próximos, excepto uma das cadelitas da última gestação, a que a acompanhava quando foi encontrada, para quem a Associação já conseguiu família…
Hoje ainda lhe noto alguns medos, os fantasmas de uma vida à espera do dono que, afinal, a rejeitara. Mas depressa nos conquistou e está a adaptar-se e a tomar conta do seu espaço. E de nós…
É legítimo que qualquer pessoa, por um ou outro dos imponderáveis da vida, possa não ter condições para continuar a ter o seu cão. Sem problemas. Pode acontecer a qualquer um. Mas já é criminoso fazer o que o dono desta cadelita lhe fez. O que é que ele merecia se fosse identificado? Que se apresentasse queixa ao Ministério Público? Presumo que a lei e a pouca tradição judicial nestes casos iriam, na melhor das hipóteses, aplicar-lhe uma pequena multa. Por isso mesmo, o que a sociedade devia fazer era amarrá-lo ao mesmo pinheiro onde deixou a cadela, também sem comida, nem água, mas com açaime, para não roer a corda nem morder a quem passasse. E de mãos atadas atrás das costas, para não se poder coçar quando os parasitas o cobrissem e mordessem, como cobriram a cadelita.
Infelizmente, não é caso único. Todos os dias somos confrontados com este tipo de crimes, porque de crimes se tratam, sem que os seus mentores sofram as consequências, até porque a sociedade ainda pouco ou nada os penaliza. Mais ainda, fazem questão de passar esta “cultura” aos filhos, como sendo “educação a preservar”. Porque há impunidade. Por isso, rezemos para que acabe depressa…
É que os animais não podem continuar a ser vítimas de todo o tipo de crimes e esperar por uma justiça adiada…