O Início: “Queres casar comigo”?

Quando o presidente da república Marcelo Rebelo de Sousa ao condecorar os jogadores da seleção de futebol que venceram o europeu de França afirmou que, por uma questão de igualdade, iria atribuir a mesma condecoração a todos os portugueses que fossem campeões europeus, arranjou um rico “trinta e um”. Ao assumir esse compromisso, vai ter de condecorar também todos os divorciados porque, afinal, somos campeões europeus de… divórcios. Em média, segundo as últimas estatísticas, por cada 100 casamentos há 70 divórcios. É obra… Somos um exemplo de modernidade. Bom ou mau? Que importa? Voltaire dizia que “todo o divórcio começa mais ou menos ao mesmo tempo que o casamento. O casamento talvez comece algumas semanas mais cedo”. Mais recentemente, alguém antecipou o início do divórcio para o “Queres casar comigo?”. E uma das razões que se invoca para tal, baseia-se na teoria de que “a época mais feliz de um homem é depois do seu primeiro divórcio”. Se é assim, tenho de experimentar.. Certo é que Groucho Max, numa descoberta impar, depois de longos estudos, concluiu que “o casamento é a principal causa do divórcio”. Será?

Cresci numa sociedade em que “o casamento era para a vida” e raros eram os casos em que tal não acontecia. Claro que a sociedade nada tinha a ver com a de agora: Muito machista, marcada por valores morais e religiosos muito fortes e qualquer anomalia no casamento era uma desonra para a família. Só depois da revolução de Abril é que se alteraram as leis, os conceitos morais e os procedimentos, passando-se do oito para o oitenta. Mas não se pense que estou para aqui a defender o casamento para toda a vida. Quem sou eu para tal… Vejo até no divórcio muitos aspetos positivos, o primeiro dos quais como dizia Leon E., por “ser uma chance que se dá ao indivíduo para errar outra vez”. Na vida, é como se solteiros e casados estejam separados por uma simples porta. O curioso, é que todos querem passar para o outro lado da porta, independentemente do lado em que se encontrem. O homem não aguenta a mulher durante muito tempo e separa-se, mas também não consegue viver sem ela. E casa.se… E o ciclo repete-se. E o mesmo acontece com elas: Mulher tem que ter homem para sua segurança e exibir perante as outras, e se casa. Mas homem é problema porque é machista, não ajuda em casa, só fala na boa comida da mãe, na simpatia da amiga do casal – e lá está um grande problema. Daí que “o divórcio se torna tão natural que, em muitos casos, dorme todas as noites entre os conjugues”. Os cépticos dizem até que o casamento corresponde à “crucificação” e que o alívio desse sacrifício, a “ressurreição”, só é possível com o divórcio. E que, depois de uma mulher casar, só pode dar duas alegrias ao homem: Um filho e… o divórcio. E hoje a velocidade com que se casa e descasa é tal que, ao perguntar ao filho de um amigo que não via há muito tempo se já era casado, respondeu-me: “Sou divorciado… pela segunda vez”. Antes, uma mulher “experimentada” era ostracizada pela generalidade dos homens. Agora, é muito requerida por ser mais dona de si, mais segura e resolvida, além de ser livre, independente e não se perder com paixonetas. Dizem até que o divórcio a remoça e lhe dá brilho. Daí o “Divorciada? Qual quê, solteira aliviada…” Para alguns, o divórcio é uma prova de fracasso enquanto para outros, é “uma saída de emergência” e um oportunidade para errar de novo.

Mas, com toda a sinceridade, não compreendo como se pode chegar a este número: 70% de divórcios. Não há razões para tanto, de jeito nenhum. Noutros tempos, sim, até podíamos ter motivos, porque antes de casar, homem e mulher, não podiam levar o “produto” à experiência para casa, do tipo “à consignação”. Ou “compravam” ou não “compravam”, não havia meio termo. Era como nos móveis, nos eletrodomésticos ou outro utensílio qualquer. Não havia “período experimental”. Nesse tempo ou se acertava… ou se aguentava. E até mesmo se alguém “provava” antes de “comprar”, tinha de ficar com a “mercadoria”, a bem ou a mal. E agora? É tudo fácil. Já ninguém é obrigado a “comprar” nada. Quando um e outro gostam (ou acham que gostam), não têm necessariamente de se “comprar”. Para quê? A sociedade (e as próprias famílias) até aconselham e recomendam o tal “período experimental” de duração ilimitada, para “testar o produto”, “poder aprender a montar e desmontar a máquina”, “usá-la nas condições mais adversas” para saber se corresponde às exigências e necessidades do utilizador. E, para além do “período experimental” poder ser transitório ou por toda a vida, sem limites temporais nem restrições no seu uso, pode mesmo devolver-se o “produto” à procedência sem direito a indemnização pela utilização temporária, pelo desgaste ou desvalorização. Por isso, não compreendo porque razão se opta pela “compra definitiva” sem se ter a certeza que é aquilo que se quer mesmo. Por que não prolongar o uso “provisório”? Evitavam-se chatices maiores, batalhas jurídicas, guerras familiares e custos, muitos custos. Se acham que o casamento sai caro, esperem para ver a conta do divórcio… Ou então, a malta entende que o casamento é uma oportunidade para dar uma “festa de arromba” (que talvez sirva de festa de casamento e divórcio…) mas paga por uns “camelos” que não são eles. Além disso, têm direito a receber como bónus todo o tipo de prendas e ainda quinze dias num hotel de cinco estrelas nas Caraíbas, com sexo à descrição… E depois? Logo se verá…

Robert Anderson dizia que “em todo o casamento que durou mais de uma semana, existem motivos para o divórcio. A chave, consiste em encontrar sempre motivos para o casamento”. E o sucesso de um casamento não está no amor eterno, na paixão assolapada, na subserviência de quem quer que seja, mas muito mais no diálogo, no companheirismo, na amizade, no respeito e no investir na relação a dois. E ainda mais agora em que existe a possibilidade do tal “período experimental” para conhecer o outro “ a olho nu”, sem máscara nem pintura, sem disfarce e sem ter de representar uma personagem falsa no teatro da vida…

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