Remédios caseiros, mezinhas e rezas…

Quando outrora apanhava uma constipação e recorria ao doutor Abílio, começava por ouvir a recomendação do costume: “Sabes que, uma constipação se for tratada, dura trinta dias e, se não for, dura trinta e um. Por isso, recomendo-te caldos de galinha e cama”. Por vezes, ainda me dizia: “Porque, cautelas e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém”. Nos anos cinquenta poucos medicamentos existiam e eram as papas de linhaça na barriga ou no peito, os sanapismos de mostarda quando doíam a garganta ou as costas, os chás de malva, hortelã, cidreira, marcela, limão e outras mezinhas, o recurso para tentar curar os males de então.

À nascença, havia logo uma “razia”, fazendo com que um grande número de bebés não sobrevivesse. Daí existirem os “cemitérios dos anjinhos”, com muitas campas. Os “clientes” eram demais. Só ficavam os mais fortes, que iam adquirindo resistências naturais na luta contra os elementos, como o frio, o calor e a chuva, sem roupa nem calçado para os enfrentar, ou … morrendo com uma qualquer doença, hoje facilmente tratada. Mas os médicos eram poucos, os hospitais rudimentares e sem meios técnicos nem humanos e as boticas, hoje farmácias, sem as soluções de agora. Na falta de soluções medicamentosas, os remédios caseiros e as mezinhas eram o recurso. Para os poucos médicos e enfermeiros, o “barbeiro” era a alternativa. Como aliviar as dores de cabeça? Com rodelas de batata na testa. Para as constipações e tosse seca? Respirar o vapor de folhas de eucalipto fervidas, pois o vapor desbloqueia as vias respiratórias (eu “metia o nariz” em cima da panela e punha uma toalha sobre a cabeça para concentrar o vapor). Como tirar o dente que estava a abanar? Atava-se com um fio e prendia-se à porta. Com a cabeça do paciente bem segura, o “dentista” fechava a porta com força, o que fazia esticar o fio e levar junto o dente… Um corte no braço, na mão ou no dedo? Chupava-se a ferida e lambia-se até parar de sangrar (hoje sabe-se que a saliva tem propriedades bactericidas). Na falta de médicos, ia-se às “talhadeiras”. “Talhavam o “tresorelho” (papeira) pondo um jugo de bois, acabado de usar, no pescoço do doente e, com uma faca, faziam o sinal da cruz nove vezes dizendo uma lenga, lenga. “Talhavam” o bicho, como “talhavam” a peçonha (ambas doenças de pele), a ciática, as impigens, as ínguas (nódulos nas axilas ou nas coxas), o farfalho (doença nos cantos da boca), a zipela ou erisipela (com “caruchas” de oliveira, azeite e uma reza), as dadas (mau olhado), as aftas e até o “sol” (dores de cabeça por se apanhar muito sol). A quem tinha a “espinhela caída” (fraqueza), levantava-se a “espinhela” com alguns pequenos exercícios e um caldo de couves com três gorduras diferentes e um atado de ervas apropriado. “Cosia-se” os pés e os pulsos a quem os tivesse “abertos”. E as mulheres quando davam à luz, para recuperar as forças, deveriam comer uma galinha por dia durante trinta dias e, no final, o galo da capoeira. É que a medicina popular era, e ainda é, feita de rezas, práticas e outros rituais.

Nesse tempo já se queimava o nervo ciático para eliminar as dores, faziam-se cataplasmas de cebola (pensos húmidos) cozendo cebola e estendendo-a num pano que se aplicava no local da dor e davam-se clisteres para lavar o intestino. Ainda para as constipações, os “escalda pés” costumavam dar bons resultados. Para isso, punha-se água bem quente num alguidar, um cavaco sobre o alguidar para assentar os pés do doente e ia-se deitando água pelas pernas abaixo…

Para as lombrigas, usava-se chá de hortelã. No entanto, um professor deu-me uma receita bem melhor para matar a bicha solitária. Dizia ele: “Arranjas sete pães, sete ovos cozidos e um martelo. Durante uma semana, todos os dias, à mesma hora, comes um pão e um ovo cozido. Ao sétimo dia, comes só o pão, pegas no martelo e aguarda. A bicha solitária vem à boca, põe a cabeça de fora e pergunta: E o ovo? Aproveitas o momento e dás-lhe com o martelo na cabeça”…

Como não havia ortopedistas por aí, o “endireita” era o homem que resolvia tudo o que dissesse respeito a ossos, músculos e tendões. Vindo ainda desse tempo, o senhor Pinto, da Adega (porque inicialmente trabalhava na Adega Cooperativa de Lousada) foi aquele que maior projeção atingiu na região. É um amigo de longa data, que me resolveu muitos problemas e que, felizmente, ainda continua a ajudar pessoas.

Descubro algumas contradições entre o que se fazia e o que se faz. Consciente que hoje se sabe mais, muito mais, é natural que se encontrem novas soluções, às vezes contrárias às de outrora. Para aliviar a febre, hoje manda-se tirar a roupa. Noutros tempos, o conselho era para se abafar a pessoa com roupa, porque tinha de transpirar para a febre passar. Usava-se uma máxima no combate de algumas doenças, que ainda hoje é válida: “Abafa-te, abifa-te e avinha-te”.

Ao olhar para trás, dou muitas graças a Deus. Por um lado, ao permitir que escapasse entre as dificuldades desse tempo e chegasse até aqui. E, por outro, ao conceder os meios técnicos de hoje que, de forma geral, permitem o prolongamento da nossa “jornada” um pouco mais…

No entanto, assim como a indústria em geral passou a produzir produtos de duração limitada em relação àquilo que a tecnologia conhece, intencionalmente e com o objetivo de vender mais, também a indústria farmacêutica tem sido acusada de ter descoberto a cura para algumas doenças mas esconde as soluções, em nome do lucro e da rentabilidade, porque o seu negócio é vender medicamentos e não é acabar com as doenças… Pois é, negócio é negócio…

Quando outrora apanhava uma constipação e recorria ao doutor Abílio, começava por ouvir a recomendação do costume: “Sabes que, uma constipação se for tratada, dura trinta dias e, se não for, dura trinta e um. Por isso, recomendo-te caldos de galinha e cama”. Por vezes, ainda me dizia: “Porque, cautelas e caldos de galinha, nunca fizeram mal a ninguém”. Nos anos cinquenta poucos medicamentos existiam e eram as papas de linhaça na barriga ou no peito, os sanapismos de mostarda quando doíam a garganta ou as costas, os chás de malva, hortelã, cidreira, marcela, limão e outras mezinhas, o recurso para tentar curar os males de então.

À nascença, havia logo uma “razia”, fazendo com que um grande número de bebés não sobrevivesse. Daí existirem os “cemitérios dos anjinhos”, com muitas campas. Os “clientes” eram demais. Só ficavam os mais fortes, que iam adquirindo resistências naturais na luta contra os elementos, como o frio, o calor e a chuva, sem roupa nem calçado para os enfrentar, ou … morrendo com uma qualquer doença, hoje facilmente tratada. Mas os médicos eram poucos, os hospitais rudimentares e sem meios técnicos nem humanos e as boticas, hoje farmácias, sem as soluções de agora. Na falta de soluções medicamentosas, os remédios caseiros e as mezinhas eram o recurso. Para os poucos médicos e enfermeiros, o “barbeiro” era a alternativa. Como aliviar as dores de cabeça? Com rodelas de batata na testa. Para as constipações e tosse seca? Respirar o vapor de folhas de eucalipto fervidas, pois o vapor desbloqueia as vias respiratórias (eu “metia o nariz” em cima da panela e punha uma toalha sobre a cabeça para concentrar o vapor). Como tirar o dente que estava a abanar? Atava-se com um fio e prendia-se à porta. Com a cabeça do paciente bem segura, o “dentista” fechava a porta com força, o que fazia esticar o fio e levar junto o dente… Um corte no braço, na mão ou no dedo? Chupava-se a ferida e lambia-se até parar de sangrar (hoje sabe-se que a saliva tem propriedades bactericidas). Na falta de médicos, ia-se às “talhadeiras”. “Talhavam o “tresorelho” (papeira) pondo um jugo de bois, acabado de usar, no pescoço do doente e, com uma faca, faziam o sinal da cruz nove vezes dizendo uma lenga, lenga. “Talhavam” o bicho, como “talhavam” a peçonha (ambas doenças de pele), a ciática, as impigens, as ínguas (nódulos nas axilas ou nas coxas), o farfalho (doença nos cantos da boca), a zipela ou erisipela (com “caruchas” de oliveira, azeite e uma reza), as dadas (mau olhado), as aftas e até o “sol” (dores de cabeça por se apanhar muito sol). A quem tinha a “espinhela caída” (fraqueza), levantava-se a “espinhela” com alguns pequenos exercícios e um caldo de couves com três gorduras diferentes e um atado de ervas apropriado. “Cosia-se” os pés e os pulsos a quem os tivesse “abertos”. E as mulheres quando davam à luz, para recuperar as forças, deveriam comer uma galinha por dia durante trinta dias e, no final, o galo da capoeira. É que a medicina popular era, e ainda é, feita de rezas, práticas e outros rituais.

Nesse tempo já se queimava o nervo ciático para eliminar as dores, faziam-se cataplasmas de cebola (pensos húmidos) cozendo cebola e estendendo-a num pano que se aplicava no local da dor e davam-se clisteres para lavar o intestino. Ainda para as constipações, os “escalda pés” costumavam dar bons resultados. Para isso, punha-se água bem quente num alguidar, um cavaco sobre o alguidar para assentar os pés do doente e ia-se deitando água pelas pernas abaixo…

Para as lombrigas, usava-se chá de hortelã. No entanto, um professor deu-me uma receita bem melhor para matar a bicha solitária. Dizia ele: “Arranjas sete pães, sete ovos cozidos e um martelo. Durante uma semana, todos os dias, à mesma hora, comes um pão e um ovo cozido. Ao sétimo dia, comes só o pão, pegas no martelo e aguarda. A bicha solitária vem à boca, põe a cabeça de fora e pergunta: E o ovo? Aproveitas o momento e dás-lhe com o martelo na cabeça”…

Como não havia ortopedistas por aí, o “endireita” era o homem que resolvia tudo o que dissesse respeito a ossos, músculos e tendões. Vindo ainda desse tempo, o senhor Pinto, da Adega (porque inicialmente trabalhava na Adega Cooperativa de Lousada) foi aquele que maior projeção atingiu na região. É um amigo de longa data, que me resolveu muitos problemas e que, felizmente, ainda continua a ajudar pessoas.

Descubro algumas contradições entre o que se fazia e o que se faz. Consciente que hoje se sabe mais, muito mais, é natural que se encontrem novas soluções, às vezes contrárias às de outrora. Para aliviar a febre, hoje manda-se tirar a roupa. Noutros tempos, o conselho era para se abafar a pessoa com roupa, porque tinha de transpirar para a febre passar. Usava-se uma máxima no combate de algumas doenças, que ainda hoje é válida: “Abafa-te, abifa-te e avinha-te”.

Ao olhar para trás, dou muitas graças a Deus. Por um lado, ao permitir que escapasse entre as dificuldades desse tempo e chegasse até aqui. E, por outro, ao conceder os meios técnicos de hoje que, de forma geral, permitem o prolongamento da nossa “jornada” um pouco mais…

No entanto, assim como a indústria em geral passou a produzir produtos de duração limitada em relação àquilo que a tecnologia conhece, intencionalmente e com o objetivo de vender mais, também a indústria farmacêutica tem sido acusada de ter descoberto a cura para algumas doenças mas esconde as soluções, em nome do lucro e da rentabilidade, porque o seu negócio é vender medicamentos e não é acabar com as doenças… Pois é, negócio é negócio…

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