Fui ao supermercado comprar fruta e, como qualquer pessoa, a minha escolha foi feita com os olhos. Quem resistia à tentação daquelas maçãs vermelhinhas, lustrosas e de pele lisinha? Claro, trouxe algumas de duas variedades, grandes, lindas, perfeitas. Mal cheguei a casa, escolhi uma grande e bonita, lavei-a, dei-lhe uma dentada… e apanhei uma desilusão: Não sabia a nada, era insípida e farinhenta. E eu tinha consciência de não dever criar expectativas altas, muito menos que me saísse uma maçã suculenta e saborosa. É nestes momentos que me vêm à memória as recordações da fruta que comia quando criança. Não havia pomares na aldeia. As fruteiras que existiam estavam normalmente nas “bordas” dos campos ou nos quintais, talvez porque a fruta não era tida como um bem “de primeira necessidade”. Na maioria das casas quase só se comia caldo e broa. E sobremesa? O que era isso? Sobremesa não fazia parte do cardápio… A fruta, verde ou madura, quando se conseguia arranjar, era comida na hora para aplacar as reclamações do estômago vazio. Na aldeia a rapaziada conhecia todas as fruteiras, os ciclos de produção e… os donos. E confesso que, fazendo parte dessa rapaziada que se considerava “com direito” a “provar” a fruta antes deles, lembro com saudade o sabor da maçã verdeal (uma variedade que desapareceu). Existia na Quinta da Aldeia uma macieira dessas, que fazia questão de visitar mais que uma vez, antes de as colherem. As “maçãs de Santiago” eram boas, perfumadas e as primeiras a amadurecer. Quanto a cerejas, era um cliente habitual de uma grande cerejeira “Bical” que havia nas Cepas, a caminho de Recemonde. Estava pendurado numa galha quando o Avelino caiu lá do alto, batendo com “os costados” de ramo em ramo, até se estatelar no chão. Nunca mais comi cerejas tão boas…. E, claro, sabiam bem quando comidas em cima da árvore, às vezes com um olho nas cerejas e outro no dono… à distância. Nos ameixos (agora mudaram de sexo sem terem de fazer qualquer cirurgia e chamam-lhe ameixas), os melhores que conhecia eram os “de aparta caroço”, também conhecidos por “carangueijos” (rebatizados com o nome pomposo de “Rainha Cláudia”). Saborosos, tão saborosos que raramente a minha avó conseguia comer um… Gostava muito das peras de água e dos “cadornos”, também conhecidos por “peras de inverno”, grandes e bonitas mas difíceis de amadurecer. Depois de colhidas, enfiavam-se no meio da palha até ficarem boas. Só conhecia dois diospireiros e estavam junto à casa da Quinta do Souto, mas não era fácil chegar-lhes… Os melhores eram (e ainda são) os “coroa de rei”. Gosto muito e ainda me vou deliciando com esta variedade, abastecido por três amigos. Só na borda de um campo a caminho de Piage é que havia morangos. Bravios e pequenos, eram muito saborosos e perfumados, uma delícia. E podia desfiar mais algumas recordações da fruta que me dava prazer a comer, fruta com paladar. Enfim, fruta a sério.
Mas as produções naturais, praticamente sem a intervenção do ser humano ou com alguma ajuda aleatória, são irregulares e hoje insuficientes para a elevada procura dos mercados. Daí que se tenha passado à produção industrial, em grandes pomares, para satisfazer a muita procura e dar resposta às necessidades de mais população. Para isso, deixou-se o estrume e passou a utilizar-se fertilizantes. As pragas e doenças com que antes convivíamos (às vezes essa boa convivência só era interrompida quando ao dar uma dentada na maçã também acertávamos na lagarta) são agora combatidas com pesticidas, produtos com que hoje temos de conviver (mesmo que não o queiramos). Apesar do aspeto lindo, calibrado e perfeito das caixas de fruta que atualmente aparecem no mercado e cujo sabor quase raramente corresponde à apresentação, vivemos alheados de uma realidade: Grande parte dessa fruta contem resíduos de pesticidas. Se não tivermos isso em conta e não cuidarmos de ter algumas precauções, sofreremos as consequências. Usam-se demasiadas vezes os pesticidas de forma incorreta, sem respeito por nós, consumidores. No mundo real, o “manuseamento adequado” de pesticidas é simplesmente inviável. Nem com as formações, agora obrigatórias.. e pagas, como se deve calcular. Ninguém dá nada a ninguém, nem mesmo quando é do interesse geral, como é o caso.
Mas, voltando à fruta, felizes daqueles que conseguem ter fruta em casa… biológica, sem a utilização de fertilizantes nem pesticidas. Esses, sim, podem dizer que têm fruta caseira… Embora haja para aí muito boa gente que diz ter fruta caseira mas trata as fruteiras com todo o tipo de produtos químicos. Está bom de ver que fruta comem… É como os frangos caseiros… alimentados a ração industrial…
A questão que hoje se coloca, ao sabermos que a maior parte da fruta que compramos contem resíduos de pesticidas, é se devemos deixar de comer fruta por essa razão. Não comer uma maçã é uma má decisão mas, comer uma maçã sem a lavar ou descascar, é uma pior decisão, até porque comporta riscos. É certo que já não podemos escolher entre a fruta dos (super)mercados e aquela que eu comia em criança, pois só nos resta a primeira (embora comece a aparecer nalguns locais a fruta biológica). Um mal menor. Saibamos viver com isso… e ter os cuidados que a situação exige, para bem da nossa rica saúde…