Li algures que, nas zonas rurais dos Estados Unidos, há americanos que “adoptam”… estradas. Curioso e estranho. Como é possível alguém “adoptar” uma estrada? O que é isso? Afinal, “adoptar” uma estrada é assumir em regime de voluntariado, a vigilância, limpeza e controle de tudo o que diga respeita àquele troço de uns quantos quilómetros. Gratuitamente. Somente a troco da satisfação pessoal de ajudar a comunidade. É um tipo de voluntariado original, que desconhecia e não existe entre nós. Mas temos voluntariado, e muito. Graças a Deus. Que dão um grande contributo para que a sociedade seja melhor.
Lembrei-me disto quando há dias fui a um jantar de solidariedade a favor da Associação Lousada Animal, que decorreu nas instalações do Rancho Folclórico de Nogueira. E ainda bem que lá fui, não só pela razão de ser do jantar mas por ter tido a oportunidade de conhecer as instalações daquele Rancho. Francamente, não esperava encontrar uma obra daquelas. Por isso, tenho de prestar aqui a minha homenagem a todos aqueles que tiveram a ousadia de a sonhar e a diligência para a levar a cabo, desde os voluntários anónimos aos dirigentes, também eles voluntários, que carregam o fardo mais pesado. Na pessoa do senhor Artur, que há vinte anos ali dá muito do seu tempo, os meus parabéns. A todos. É uma obra de boas vontades numa terra pequena, sem grandes recursos. Perdão, com grandes recursos… humanos… Recursos especiais, que dão o seu tempo, de graça… como Deus o dá. Lá estavam eles na cozinha, no bar, a limpar, a servir à mesa, enfim, onde era necessário. São pessoas que, apesar de terem as suas vidas, entregam-se a uma causa sem qualquer remuneração, simplesmente a troco da satisfação pessoal de fazer algo para os outros e em prol dos outros. Vi orgulho na obra feita, soube de projetos para a completar e encontrei esperança e vontade para os concretizar. Mas também gratidão para com quem os ajudou. Sobre os críticos, os “profissionais do bota abaixo” que mais não são do que parasitas invejosos, ouvi um único comentário do senhor Artur: “Só ouço aqueles que estão cá para ajudar. Aos outros, ignoro-os”.
É uma questão recorrente para quem faz voluntariado, muito especialmente como dirigente, ter de ouvir críticas más, destrutivas, mal intencionadas, de gente que vive disso, nada faz e nada quer fazer pelos outros, incapaz de dar um pouco de si. E por isso mesmo, por serem incapazes, falam do que não sabem, criticam o que desconhecem, insinuam, inventam para denegrirem. E dizem mal de tudo e de todos, para encobrirem o seu egoísmo, a sua inveja, a sua falta de solidariedade e incapacidade. Não vale a pena tentar esclarecê-los porque é tempo perdido, já que não acreditam no que se lhes diz mas só no que querem, no que está de acordo com a sua maneira de ser e de estar na vida.
Durante mais de cinco décadas de vida tenho dedicado uma boa parte do meu tempo a causas, quase sempre como dirigente de clubes, instituições sociais e associações desportivas, recreativas, humanitárias e culturais. Na condição de voluntário, sem retribuição, a não ser o prazer de fazer e de ajudar. Desde há muitos anos que me permito dar mais de metade do meu tempo. Sem arrependimentos, a não ser pelo facto de ter sacrificado a família. Muito. Isso sim, pesa-me. Mas estou grato a Deus por me ter “feito” assim e ter dado condições para ser voluntário. Por isso sei do que o senhor Artur falava em relação a críticas e críticos. Se eu também desse ouvidos ao que diziam de mim, tinha desistido antes do primeiro espetáculo que organizei na minha aldeia, era ainda um rapazote. E ao longo destes mais de cinquenta anos sei que fui tema de conversas de café, tascos e todo o tipo de serões de má língua, onde alguns me “promoveram” a convencido, ladrão, desonesto, péssimo dirigente, arrogante, malcriado e sei lá que mais. Só tiveram um problema: Fui “surdo” a todo o “blá, blá”. Totalmente. Nunca consegui dar ouvidos a esse tipo de insinuações. E recomendo a todos os voluntários, especialmente aos dirigentes, que só tenham ouvidos para aqueles que trabalham consigo. Aos críticos, àqueles que falam movidos pela inveja, ignorem-nos, não os ouçam.
Um amigo telefonava-me frequentemente por razões profissionais. Quando me perguntava onde me encontrava para se encontrar comigo, por coincidência ou não, quase sempre me apanhava no mesmo local: “Estou na Misericórdia (de que sou dirigente). Um dia, cara a cara, não se inibiu de me perguntar: “Sempre que lhe telefono está na Santa Casa. Pelo tempo que lá passa, tem de ganhar uma data de massa (e atirou-me com um número obsceno)”. Ri-me e respondi-lhe: “Está muito enganado. Não ganho nada. Rigorosamente nada. Nem eu, nem os outros Mesários”. “Não acredito”, retorquiu. “Àquilo que lá faz, ao tempo que lá perde, tem que ter um bom ordenado”. Conhecendo-o como conheço, rematei a conversa: “Volto a repetir-lhe: NÃO GANHO NADA. Mas também lhe digo que não vou perder tempo a tentar convencê-lo disso porque você só acredita naquilo que faz e que é. E como só é capaz de vender o seu tempo, nunca vai acreditar que alguém o dê…” E a conversa ficou por ali.
É curioso que esta “presunção” de que os dirigentes da Misericórdia ganham salários chorudos apesar de serem voluntários (e o nome deveria dizer tudo), não passa só pela cabeça de algumas pessoas externas à Santa Casa. Também há colaboradores, gente que trabalha na Instituição e que está informada (ou não quer estar), a “presumir” que temos de ganhar muito para estar lá. E não vale a pena perder tempo. Cada um continua a acreditar no que quer acreditar, sendo essa a “sua verdade”. Por isso, continuo a dizer: “O tempo dá-o Deus de Graça. Nós é que queremos vendê-lo. Sempre”. Ou quase. O que não acontece com os voluntários. Essa “tal gente”…