A morte de “um gajo porreiro”…

Um dia destes vou “bater a bota” como qualquer “morto” que ainda se passeia por aí. Nada de novo, é só uma questão de tempo. Não vale a pena roer as unhas nem arrancar os cabelos (também já não são muitos) a pensar nisso. Quando menos o esperar, “fazem-me a folha”, isto é, o funeral. Espero estar lá para ver como será, se bem que o ideal seria estar vivo para ficar a saber o que dizem de mim. E poder olhar, olhos nos olhos, alguns dos que vão dizer que eu era boa pessoa mas que, em vida, só me brindaram com adjetivos ordinários. Cada um diz o que é. Prometo que, no “caixote” onde me enfiarem, não levarei papel nem lápis para tomar nota das pessoas que estão presentes. Quero lá saber quem está ou quem não está. Não haverá “relógio de ponto” para controlar presenças. Que importa? Vai quem quer e pode. Muito mais importante, é a disponibilidade que me deram enquanto estive “vivinho da Silva”. Depois de morto, é só um formalismo, uma atenção que, desde já, agradeço. Além do mais, nem gosto de cerimónias, muito menos desta. Só tem uma vantagem: Não tenho de “botar faladura”. Mas é chato. Nem sequer posso estar a receber os amigos, tomar um copo, contar umas anedotas, dizer asneiras. E rir. No entanto, aos que tiverem a pachorra de me acompanharem nesse “despacho da encomenda”, tenho um pedido a fazer: Não digam de mim que “morreu um gajo porreiro”. É que não gostaria de ser lembrado (se é que alguém se vai lembrar de mim ao fim de quinze dias..) como “um gajo porreiro”. O que é isso? “Um gajo porreiro” é uma espécie de amigo que não é amigo mas se comporta como se fosse. Porque não incomoda, não chateia. É uma espécie de “bobo da corte”, um tipo que ninguém considera, alguém que será sempre “lixado”. O “gajo porreiro” nunca toma atitudes, não exige, não controla e nunca se impõe, porque não tem personalidade. Até qualquer “moina” faz dele “gato sapato”.

Aquele patrão era “um gajo porreiro”. Jovem empresário, fez questão de ter uma relação com os empregados de “tu cá, tu lá”. E confiava cegamente que os colaboradores eram todos uns “gajos porreiros”. Não fez questão de controlar, nem mercadorias nem presenças, nem produção, nem recebimentos, nem outras coisas. Era um gajo mais que porreiro. Era “porreiríssimo da Costa”. Quem não gostava dele? Era incapaz de chamar a atenção a quem quer que fosse, muito menos ameaçar e, pior ainda, de fazer cumprir a ameaça. E gostavam dele por isso mesmo, por ser incapaz de fazer mal a uma mosca. O mesmo é dizer que não tinha personalidade para traçar um caminho e segui-lo, definir um objetivo e alcança-lo. Era um tipo bestial, embora “não fosse carne nem peixe”, assim a modos que um palhaço fora do circo, mas sem qualidade. E o resultado? A empresa durou pouco mais de um ano. O patrão, que era “um tipo porreiro” e achava que todos os que trabalhavam com ele “porreiros” eram, só chegou à conclusão de que o seu “porreirismo” não o levava a lado nenhum quando descobriu que uma das máquinas principais da empresa não funcionava porque os “porreiros” lhe tinham… “fanado” o motor.

Como o objetivo principal dos partidos é ganhar eleições, muitas vezes escolhem “gajos porreiros” para candidatos porque, afinal, é neles que a malta vota. “Vota Gameiro que é um gajo porreiro”, não é muito diferente do slogan do palhaço brasileiro: “vota Tiririca que pior não fica”. E é assim que muitos desses “gajos” são eleitos e se tornam numa “menos valia” na gestão autárquica, fazendo “ofício de corpo presente”, sorrindo, distribuindo beijinhos, abraços, abanando sempre com a cabeça e deixando até as suas responsabilidades de gestão à deriva, entregues a subalternos. Mas vingam. É que “um gajo porreiro”, regra geral, tem bom feitio, atura todo o tipo de m…, apesar de não ter talento para coisa nenhuma. Mas é “um gajo porreiro”. Se tivesse mau feitio mas muito talento, interessava a quem? Quem votava nele? O talento não ganha eleições, o bom gestor é um chato. O que agrada mesmo é “um gajo porreiro”. Vale votos, dá vitórias. E o resto? A boa gestão autárquica? Que raio de preocupação pois, bem ou mal, vai sempre funcionar… E, se não funcionar, quem pede responsabilidades?

Há quem ache que ser assim é o máximo, é a coisa mais fixe. São os maiores. Têm o poder, se bem que não sabem o que fazer com ele… E têm muitos amigos… para lhe pedirem favores. Quando se lhes diz muitas vezes que são porreiros, passam a viver na ilusão. Diz-se que nunca se devia dar o poder a “um gajo porreiro”. Ao princípio não se dá por ele, não existe. Mas, pouco a pouco, vai tomando conta do espaço, instala-se e “vive na boa”. Engole todos os sapos, bons e maus, como quem toma “óleo de fígado de bacalhau” (nem queiram saber como é desagradável. Só com o nariz tapado… e à força). Mas ele aguenta, em nome do “porreirismo” e do… poder.

Já não restam dúvidas que somos um país de “gajos porreiros”. Até os “fabricamos” de um momento para o outro. Por mais sacana, ladrão ou criminoso que um tipo seja, no dia em que morre passa a ser… “um gajo porreiro”. No velório e no funeral, somos bons samaritanos. Mesmo que o cardápio de pecados do defunto seja enorme, dizemos entre fungadelas e ranhos: “Este tipo era um gajo porreiro”. É normal. Na hora do adeus, não temos “lata” para “chamar os bois pelo nome”, de dizer em voz alta que o morto não valia um caracol. Que era um escroque, um imbecil. Nada disso. Até o senhor José, (nome fictício que pode corresponder à realidade…). Faliu duas vezes de forma fraudulenta para “arranjo de vida” e arrastou para a falência várias empresas, pequenos empreiteiros que ficaram sem nada e tiveram de emigrar. No dia do seu funeral passou a… “gajo porreiro”. Pensando bem, somos uns tipos espetaculares. Se calhar, também “uns gajos porreiros”. Fazemos com que o bandido vire herói, o ladrão homem honesto, o criminoso um tipo santo, o imbecil inteligente e o infiel homem de uma só mulher… Enfim, todos “uns gajos porreiros”. Ou fingimos bem… mal. Por isso, quando eu “for desta para melhor (?)”, façam-me um favor: Não me ponham esse rótulo. Faz-me cócegas… e posso espirrar. E não sabem como isso é perigoso, quando se tem cinco palmos de terra por cima…

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