Como as coisas eram simples…

Antigamente, as coisas eram simples. Regra geral, bem simples. Tinha-se um ou dois pares de calças, duas camisas. Não havia dramas com a escolha. Hoje há mulheres que, diante do enorme roupeiro atulhado de “trapos”, fazem uma choradeira danada enquanto se lamentam: “Não tenho nada para vestir”… Na comida, igualmente simples. Um tacho, uma panela, uma cafeteira e uma sertã, constituíam o trem de cozinha. A variedade de cozinhados era pouca mas,… como a comida da minha mãe era saborosa!!! Agora, a cozinha é um autêntico “estaleiro” de tachos, panelas, apetrechos e acessórios cada vez mais modernos. E até máquinas, maquinetas e mesmo robôs, e a refeição é… empacotada, do supermercado. Mas a comida da minha mãe era mesmo boa…. É certo que nesses tempos não havia o problema de gostar ou não gostar. Gostava-se de tudo. Só era preciso que houvesse algo para comer. Era sempre bom. E simples. Agora, quando a refeição vai para a mesa, há sempre quem “torça o nariz” e ouve-se frequentemente “não gosto” ou “não me apetece”. A mãe é o bode expiatório e tem de “fazer muita ginástica” para conseguir agradar a todos. E agrada… fazendo uma comida diferente para cada um… Não é fácil. No final, “vai mais comida para o lixo do que os ricos tinham antigamente para comer”… É complicado. Aos pratos simples de outrora responde-se hoje com a complexidade. Abandona-se a cozinha tradicional em favor dos requintes dos “chefes”. Como se a complexidade fosse sinónimo de qualidade, de melhor sabor.

Vivia-se e convivia-se com a família e vizinhos, como se estes fossem parte da família. Porque eram eles o primeiro recurso nas aflições, faziam parte da rede de segurança. E conversava-se ao fim do dia à porta de casa. Enquanto as mulheres davam à língua na presa a lavar a roupa, os homens juntavam-se ao domingo para jogar a malha, com os perdedores a pagar um litro de vinho para todos, em copo comunitário de litro. Em cada jogo. Tudo muito simples. Hoje não conhecemos o vizinho da porta da frente e vemos os familiares de longe a longe. Provavelmente bem ao longe, apesar de se viver na mesma rua. A vida é complicada. Como nós a complicamos…

As casas antigas do meu tempo de criança eram simples, térreas, com piso de terra batida. As “novas” de então, apesar de já terem dois pisos, continuavam simples: Em baixo a loja e em cima a habitação. O dono só tinha de escolher uma coisa: O tamanho da casa. Dez metros por oito? Doze metros por dez? Nada mais. O preço ia dos oito aos dez contos, pronta a habitar. O pedreiro encarregava-se de tudo e o cliente não tinha que se preocupar com mais nada. Não precisava de projeto, não tinha de escolher linhas modernas ou tradicionais, nem tinha de andar a correr para a Câmara atrás da licença de construção meses a fio, feito mendigo. Não tinha de escolher os materiais para as paredes, qual o tipo de telha ou a madeira para a carpintaria. Nada, simplesmente, nada. Ao apertar a mão do pedreiro estava selado o contrato e só tinha de lhe dar tempo para fazer o trabalho. Só. Tão simples quanto isso. E sabia com o que podia contar.

Com a mulher uns metros atrás, o Santos “Ervilha” passava todos os dias à frente da casa dos meus pais a caminho do trabalho quando andava a “levantar” a casa do meu tio. Pedreiro de profissão, num tempo em que a profissão era muito dura, tinha na mulher o seu braço direito e, dizia quem sabia, que ela “pegava-lhe” tão bem como ele. E também fazia a sua “perninha” pela manhã a comer um naco de broa com aguardente na loja do meu tio e à tarde, quando “deitavam abaixo” o copo de litro de vinho, a meias. As pedras vinham em carros de bois e eram descarregadas à mão pelo Santos “Ervilha”, a mulher e o carreteiro, com a ajuda de duas “pancas” de madeira. Nas manhãs de inverno esfregava as mãos com geada para as adaptar ao frio e, agarrado ao “pico”, trabalhava e preparava as pedras com auxílio do esquadro e do metro que trazia sempre consigo no bolso de trás. Aos tombos, o casal levava as pedras até perto da parede, tendo sempre o cuidado de colocar um rachão como “calço” para ser mais fácil pegar-lhe no tombo seguinte. E aos tombos as faziam subir em cima de duas “pancas” ou pequenas vigotas de madeira até ao seu lugar na parede. Quando esta atingia a altura de um homem, passavam a ser içadas com a ajuda do “sarilho”, uma “grua artesanal” feita com dois eucaliptos atados em cima e espiados para um e outro lado, um jogo de roldanas e um sarilho semelhante ao usado para tirar água dos poços. Pouco a pouco, as paredes da casa iam subindo e as pedras ajustadas na perfeição pela mão daquele homem com tendência para a “pinga” mas sempre bem disposto e respeitoso, e da Lisinha sua mulher. Tudo simples.

Hoje escolhemos projetista e modelo de casa e esperamos, pelo projeto e pela licença. Muito tempo. Escolhemos empreiteiros e caderno de encargos e esperamos pelos orçamentos. E ao longo da obra continuamos a fazer escolhas, muitas escolhas e a esperar. Do azulejo à tijoleira, da madeira à caixilharia, das portas aos portões, do alumínio ao aquecimento, do pavimento para a sala aos móveis de cozinha. E muitas mais. Mas tudo é complicado porque a variedade é grande e a dificuldade aumenta. Como escolher a tijoleira para a casa de banho entre cem amostras ou mais? Não é simples… A ajuda vem da moda. É que, tal como na roupa, nas casas impera a moda. O soalho de pinho deu lugar à alcatifa e esta aos tacos de madeira. E, sucessivamente, ao parqué, à corticite, às réguas de madeira, às tijoleiras, aos granitos e outras pedras, aos pavimentos flutuantes. O que é que se está a usar mais? Vai-se por aí. As paredes de caliça cederam ao areado e este ao papel e depois ao estanhado com pintura plástica de cores tradicionais ou com uma parede diferente, de cor viva para contrastar. E que cor escolher num catálogo com tanta variedade? Seria mais simples se tivesse só meia dúzia de cores. Assim, é complicado. Escolhe-se e depois… arrepende-se. Se pudesse voltar a trás… É bom ter tanta variedade, tanta escolha, mas… por alguma razão se diz: “Como as coisas simples são um descanso para o espírito complexo”…

Leave a Reply