Não adianta, as pessoas não aprendem nem querem aprender. Por mais que se lhes diga que um animal não é uma coisa, não conseguem interiorizar isso. Por isso, continuam a comprar animais por impulso, por capricho, porque é bonito. Num momento de entusiasmo, viram aquele cão que mais parecia um urso de peluche e, ao pedido dos filhos ou da vaidade dos pais, há que comprar o cachorro, pois vai ficar bem lá em casa… E é uma festa. As crianças batem palmas, dão-lhe colo, pegam-se umas com as outras na disputa do privilégio de mais tempo com o bicho. Os pais, ficam babados perante o entusiasmo dos filhos e, no seu íntimo, deram satisfação a um desejo recalcado que nunca conseguiram realizar na casa dos pais: Ter um cão. Esqueceram-se de um pormenor, aliás, dois: O primeiro, é de que vivem num apartamento de espaço reduzido. O segundo, é que aquela bola de pelos não é mais nem menos que um cão duma raça que cresce bastante: Um pastor alemão. Apesar de lindo, de orelhas espetadas. Mas isso não foi equacionado na compra, nem nos primeiros tempos, em que o que contava eram as brincadeiras com aquele “boneco de pelos”. Até mesmo quando o animal fazia as suas necessidades em locais menos apropriados, havia sempre uma desculpa para não valorizar o incómodo. Mas, há medida que os dias iam passando, que as necessidades diárias do cachorro tinham de ser satisfeitas, a graça e a piada da “bola de pelos” começaram a diminuir, até serem uma maçada, uma chatice. Ter de limpar todos os dias os dejetos que ele insistia em largar aqui ou ali, como granadas em campo de tiro, passou a ser um tormento. E então, surgiu uma “ideia luminosa”: Para que o animal não sujasse tanto, havia que lhe cortar na comida pois “quem pouco come, pouco c.”. Se assim o pensaram, melhor o fizeram. A ração encolheu para metade e, depois, menos ainda. E o cão reduziu o “cocó”, mas não de vez… Nessa “atitude tão inteligente”, esqueceram-se de olhar para o animal e de reparar no seu estado. Foi emagrecendo, emagrecendo, até ficar pele e osso, embora o pelo grande escondesse as “misérias”. Porém, o corte não foi suficiente para que o animal deixasse de sujar. Só fico admirado por “gente tão inteligente” não se ter lembrado de “enfiar” uma rolha num certo buraco do bicho… Assim, tapava de vez. E para o outro, aquele que fazia com que ele “regasse” todos os dias a porta da entrada? Podiam descobrir a solução no que se passou na urgência de um hospital público e aplicar a receita ao cachorro: Um homem entrou no serviço de urgência acompanhado da esposa, com um problema grave no órgão sexual, muito inchado e negro. Os técnicos de saúde preparam-se logo para o algaliar e fazer sair a urina mas alguém se apercebeu da existência de um fio pendurado na ponta do “instrumento”. Foi com surpresa que descobriram o seguinte: O homem tinha problemas de próstata que o obrigavam a ir muitas vezes à casa de banho durante a noite. A mulher, cansada de o ver levantar-se para fazer xixi e de ser incomodada, resolveu o problema amarrando-lhe o “saco” com um fio. E resultou… Mas esqueceram-se do “feito”, mesmo quando descobriram que “aquilo” estava preto e inchado… E, atenção, era gente com formação superior. Olha se não fossem…
Mas, voltando ao nosso cachorro, os donos acabaram por reconhecer finalmente que “era uma chatice” continuar com o animal no apartamento, não pelo animal mas pelos incómodos que causava. Tarde, muito tarde, pois provocaram-lhe muito sofrimento, desnecessariamente. Ver aquele cão de olhar triste, só pele e osso, esfomeado e sedento, meteu-me pena. Conta-nos uma história das misérias humanas. Fala-nos da irresponsabilidade e ignorância que grassa por aí e que só leis severas e convenientemente aplicadas podem ajudar a corrigir. Porque, não tenhamos ilusões: Não basta educar, é preciso criminalizar quem assim trata um animal. Mas as leis já existem? Já, só que não são aplicadas. Ao contrário de outros países onde atitudes como estas têm consequências – e lembro-me de um espanhol que foi condenado a prisão por atirar um cão pela janela, de uma brasileira que apanhou doze anos de cadeia por matar vários cães e gatos, de uma americana ir parar “à pildra” durante seis meses por pôr piercings no gato e até de um inglês ser condenado por deixar o seu cão engordar quinze quilos a mais que o peso recomendado – em Portugal, apesar de existirem leis, não se têm aplicado. Ao fim do primeiro ano, apesar das muitas queixas de maus tratos, foram aplicadas… cinco multas em dinheiro. E pequenas. Assim não vamos lá, os prevaricadores continuarão a agir como se nada tenham a temer, sentem-se impunes. E o sentimento de impunidade só dá força a quem pratica tais crimes, porque de crimes se trata. Neste caso, fazia-lhes o que fizeram ao cachorro: Cortava-lhes na ração para fazerem menos m., tal como o fizeram ao animal. Para sentirem na pele. E são tantos os que maltratam os animais e que depois os abandonam como lixo…
No meio disto tudo, duas notas de realce, dois pontos dignos de registo. O primeiro, foi o excelente comportamento do cachorro pois, apesar da fome e sede que passou, respeitou sempre os donos embora estes não o tivessem respeitado. Nunca os traiu, não os abandonou e nem deixou de manifestar alegria quando os via. O segundo, foi a transformação operada nos donos que nos permite dar como garantido que são realmente animais… irracionais, umas bestas. Sim, eles os donos. E o cachorro nem se apercebeu disso, na sua inocência, na sua fidelidade…