Importância e vaidade. Até na morte…

É comum dizer-se que nascemos nus e morremos nus. Afinal, nada levamos desta vida. E não fará a menor diferença se formos ricos ou pobres, famosos ou anónimos, conhecidos ou desconhecidos porque a morte é o grande nivelador. Num cemitério, todos os corpos são semelhantes, um estado transitório para se tornarem pó. Nada do que pensamos ter adquirido na vida passa através do portal da morte. Do lado de lá, estaremos totalmente nus, eventualmente embrulhados numa mortalha, num fato, num vestido, que importa? E estaremos sós, despidos de tudo o que pensávamos ser nosso…

Se é estúpida a exibição da vaidade e da importância em vida, muito maior o é na morte. Mas, basta entrar num cemitério, num qualquer dos nossos cemitérios, para vermos a vaidade exacerbada em jazigos de pedras trabalhadas em capela ou pirâmide, sejam de granito ou mármore. E até parece que estes tempos “fáceis” que estamos a viver são mais propícios a tais exibicionismos pois a “corrida” para ter o melhor jazigo está mais ativa que nunca. Alguém dizia “o meu jazigo tem que ser maior do que o dele, não vou ficar atrás”. E é isso que as indústrias de mármores e granitos querem porque essa “competição” na busca do “melhor que o meu vizinho” é um estímulo ao negócio, um acréscimo à faturação. Tais empresas beneficiam muito com a vaidade posta no jazigo e na sepultura. Na moda estão os granitos importados do Brasil, da África do Sul e até de Angola, mais nas cores cinza e preta. O mármore, já há muito caiu em desuso. E, claro, convém não esquecer os adornos como cruzes, lampiões, floreiras, livros, lápides e outros. Alguns muito caros, tão caros que se tornam um convite para a ladroagem…

No jazigo de um cemitério concelhio, a inscrição está em letras gordas para efeitos de “imortalidade”: “JAZIGO PERPÉTUO DE MARIA (permitam-me guardar o resto do nome) E MARIDO”. Só ela teve direito ao nome próprio. Só ela é importante. O “marido” é um acessório, um adereço sem nome, um anónimo, um “ramo de flores” para adornar-lhe o jazigo. É algo para que o mundo dos vindouros saiba que ela não ficou para tia, nem morreu virgem e seca como um carapau. Mas, o mais curioso, é que naquele jazigo só está enterrado ele, o anónimo “marido”. Porque ela, continua por aí “vivinha da Silva”, não sei se pronta a enterrar mais algum… E, nesse caso, ainda vai ter de alterar o epitáfio para MARIDOS…

Há toda uma indústria à volta do negócio da morte, utilizada por aqueles que, através destes sinais exteriores, querem exprimir os seus sentimentos pelos que já partiram, embora para muitos não seja mais do que uma “montra de vaidades”. E os nossos cemitérios e a nossa mentalidade, ajustam-se a isso. Por isso, preferia ser enterrado num cemitério como os americanos, autênticos parques relvados onde cada campa tem uma simples cruz e uma lápide, nivelando todos pela mesma bitola, pela mesma importância. Porque todos estão despidos de “teres e haveres”, tal como vieram ao mundo. E saberia que uma parte de mim continuaria a viver nas folhas, no alto de uma árvore ou rente ao chão onde sempre tive os pés, na relva.

Por cá, compete-se no arranjo da sepultura. Onde muitos honram os seus com flores colhidas no jardim de casa, quando não oferecidas pelos vizinhos, outros gastam autênticas fortunas em arranjos caríssimos para “mostrar” como é, quem é o maior. Quando não podem, para “não ficarem atrás”, roubam flores e adereços de outras campas. E tantas vezes nem sequer pensam no morto, que não passa de um motivo para se exibirem, num lugar de silêncios onde todos deveriam ser humildes…

Também tenho visto alguns jazigos mandados construir em vida pelos seus donos e futuros ocupantes onde, em letras garrafais, ao seu nome acrescentaram títulos profissionais, funções e cargos que desempenharam, numa falta de modéstia que atinge o ridículo. E o povo, que até tinha consideração por eles enquanto cidadãos, faz disso motivo de gozo e chacota. É que as honrarias que alguém atribui a si próprio e faz lavrar na pedra para a posteridade, só poem a nu a pobreza de espírito e a imbecilidade. Cabe à sociedade e não a cada um em relação a si próprio, de fazer jus “àqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”.  

Se antes a maioria das sepulturas eram em terra, hoje muitas são um buraco cimentado, porque há quem não suporte a ideia de ficar coberto de terra com medo de “abafar” e de vir a “ser comido pelos bichos”. Se já somos comidos em vida por todo o tipo de “bichos”, porque não depois de mortos? Verdade é que não se conhece um único morto que tenha vindo queixar-se do peso da terra, do ataque da bicharada ou do frio que passa nas noites de invernia. Num cemitério implantado em zona húmida, tais sepulturas enchem-se de água com frequência, “afogando” o caixão e, com ele, o seu ocupante. Será que ficar “afogado” é melhor do que “abafado” com terra? E que diferença faz? É que os mortos já não têm oportunidade de conquistarem ninguém, de “catrapiscarem” o olho a quem lhe está próximo. Os vivos, sejam viúvos ou viúvas, sim. Aliás, o cemitério é o lugar ideal para se encontrarem, para se conhecerem e, quiçá, se poderem “amparar” mutuamente nos momentos de saudade e maior tristeza… e nos outros.

Não é de agora esta moda que está a ganhar novo fôlego, de pessoas mandarem construir mausoléus soberbos para si próprios, querendo com essa exibição de poder económico comprar a “imortalidade, com monumentos fúnebres que a vaidade levanta à vaidade. Devem até acreditar que, com tais “adereços”, S. Pedro vai escancarar-lhes as portas do Céu quando os vir chegar. Só que se esquecem das palavras do Senhor e que fazem Lei lá no Céu: “Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”…

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