O “património” que importa valorizar…

Aí está a Superespecial do Rali de Portugal. Mais que uma corrida, é um espetáculo que coloca Lousada no mapa. E o regresso da especial fez-me recordar como tudo aconteceu. Dia grande no Eurocircuito de Lousada naquele domingo de Abril na década de noventa. A moldura humana que enchia o circuito dava-lhe um colorido impressionante, ao qual o sol não quis deixar de se associar. Na pista, as corridas sucediam-se, cadenciadas e muito disputadas, na prova de autocrosse pontuável para o campeonato da Europa, estando presentes os melhores pilotos da modalidade vindos dos quatro cantos do velho continente, com destaque para a “esquadra” checa, a “armada” francesa e os sempre bem preparados pilotos italianos, russos, alemães e holandeses, já para não falar no elevado número de portugueses, com destaque para os Irmãos Ribeiro apoiados por uma enorme multidão. A meio da tarde quando o evento caminhava para o seu final em mais um sucesso organizativo do CAL, encontrava-me na Torre do Circuito à conversa com Nuno Vilarinho, o observador da Federação Portuguesa de Automobilismo. Era a primeira vez que vinha a Lousada e manifestava-se francamente admirado com a espetacularidade da prova e o elevado número de espectadores presentes, um caso raro no desporto automóvel no país. Visivelmente entusiasmado com o ambiente que rodeava o evento, às tantas fez-me uma pergunta que me deixou surpreendido: “Isto é fantástico. Vocês seriam capazes de montar e organizar aqui uma superespecial do Rali de Portugal”? Eu nem queria acreditar no que ouvia porque, depois de consolidarmos a organização das provas do Europeu de Autocrosse e do Europeu de Ralicrosse, levar o Rali de Portugal ao Circuito de Lousada seria “a cereja em cima do bolo”. Assegurei-lhe logo que podia contar connosco e que lhe montaríamos um traçado semelhante ao do “Memorial Bettega”, uma prova organizada para homenagear o malogrado piloto italiano de ralis. Fui logo ter com o Jaime Moura e dar-lhe conta da conversa, tendo ficado tão perplexo quanto eu. Depois, foi uma longa conversa com o Nuno Vilarinho… Passados alguns dias fomos contactados por César Torres, o presidente do ACP, a solicitar que nos reuníssemos em Lisboa para discutir a possibilidade de integrar uma superespecial no Rali de Portugal do ano seguinte a realizar em Lousada, algo que nunca ocorrera numa prova do mundial de ralis. Coube-me a mim “fazer o trabalho de casa”, isto é, o estudo do traçado da especial, que levamos já quando nos fomos encontrar com o homem forte do desporto automóvel em Portugal e no mundo. Muito direto como lhe era peculiar, a reunião foi prática, conclusiva, tendo nós saído dela com o acordo feito, sujeito somente ao parecer final da FIA que nenhum problema viria a levantar (ou não fosse César Torres Vice-presidente…). Mal veio a confirmação de Lisboa, arrancamos com as obras que incluíam a construção de uma ponte (viriam a ser construídas mais duas pontes em novas versões do traçado em anos posteriores), trabalhos esses mais ao cuidado do Jaime já que a preparação da pista era a “sua praia”.

O primeiro ano em que o Rali veio ao Circuito foi de aprendizagem pois, apesar de todos os cuidados que tivemos na organização, não previmos uma coisa: O fluxo de entrada dos espectadores era muito rápido contrariamente ao que era habitual noutras provas, tal como o seria na saída com a pressa de chegarem a outras classificativas. Daí que, quando os dois primeiros carros (os mais bem classificados) se posicionaram na linha de partida, estavam entre mil a duas mil pessoas na fila das bilheteiras para comprar bilhete. Ao ouvirem o roncar dos motores, mais do que o locutor, correram em direção às entradas como um bando de reses em debandada, levando tudo à sua frente e fazendo com que os controladores fugissem para não serem atropelados. Em tudo o mais, foi um sucesso que se repetiria e que atingiria o apogeu quando a especial se realizou na abertura do Rali, provocando a maior enchente de sempre de todas as organizações do clube.

Com a morte de César Torres e apesar de termos um acordo para mais dois anos, vimos a classificativa ser-nos retirada num processo pouco transparente e nada abonatório para o responsável da decisão, retomando-a dois anos depois até ao Rali rumar a sul.

Em boa hora o CAL e a Câmara Municipal se empenharam em fazer regressar a Superespecial a Lousada no retorno do Rali ao norte do país, algo que prestigia o Clube e promove o concelho, muito para além do que podemos imaginar. E eu que o diga pois, tendo estado envolvido na fundação e no crescimento do CAL, nunca tive verdadeira consciência de até onde conseguimos projetar o Clube e Lousada. Só depois de me ter afastado e já à distância, tive oportunidade de encontrar “marcas” pelo país e pela Europa como consequência desse trabalho.

A aposta que o executivo municipal está a fazer para que Lousada possa voltar a ser uma referência no desporto automóvel e com isso alavancar a promoção turística e não só, algo que se desperdiçou no passado, é o caminho certo num tempo em que há que potenciar e tirar partido do património que temos para a promoção e desenvolvimento de Lousada. E o CAL e os eventos de desporto automóvel são um rico património, com bom potencial. Para isso, é importante assegurar a presença do Rali de Portugal pela sua projeção mundial e trabalhar no retorno de outra prova emblemática trazida para o nosso país pelo clube e que lhe foi sonegada por esquemas pouco edificantes. Mas, haja futuro e força nos responsáveis deste “renascer” e que Deus os ajude a recolocarem o CAL e Lousada no lugar onde já estiveram e que lhes é devido.

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