Ainda bem que já não me banho no rio…

Com a água a escorrer pelo corpo, recordei como evoluiu o meu banho ao longo da vida. Em criança, era num alguidar de barro vidrado e em condições precárias que me lavava, quando lavava. E já era um luxo, pois muitos nem isso podiam fazer. Quando queria tomar banho “completo”, ia ao rio Sousa, no Amial ou perto da ponte da Amieira… mas só no verão. Aí, sim, “molhava tudo”… E às vezes, até me esfregava com sabão. Por isso, foi uma conquista quando eu e o meu irmão, já adolescentes, montamos um chuveiro improvisado de água fria, claro, porque a água quente só chegou anos depois… E, em termos de evolução, fiquei-me pelo chuveiro, pois nunca fui cliente habitual dos banhos de imersão. Prefiro o “entra, molha, ensaboa, esfrega, enxagua, limpa e sai”. Só fiz uma alteração: Deixei de me ensaboar com “sabão macaco”, substituindo-o pelo sabonete vulgar. Nunca me habituei ao champô nem ao gel de banho, muito menos a sais ou essências aromáticas. Se calhar influenciado pela máxima de que “os homens devem ser fortes, feios e cheirarem a cavalo”…

Quando construí a moradia onde vivo, equipei a casa de banho principal com banheira onde tomava banho… de chuveiro, apesar do risco de quedas. Mais tarde investi na banheira de hidromassagem. Estava na moda, era “fixe” tomar banho com “bolhinhas”. E alinhei…

Nos primeiros dias todos experimentamos o “prazer” do banho de imersão mas, a partir da semana seguinte, todos os dias era ligada a hidromassagem para… limpar os tubos e evitar o mau cheiro de água parada porque… mais ninguém pôs o “rabo de molho”. Ao fim de alguns meses, para acabar com esse trabalho inútil, mandei a hidromassagem “às malvas”, arranquei a banheira e “plantei” lá uma normal, para continuar a tomar banho… de chuveiro.

Quando a minha mulher perdeu a mobilidade, retirei a banheira e coloquei o pavimento do chuveiro ao nível do restante, para a cadeira de rodas entrar com facilidade, aproveitando eu para tomar o banho de chuveiro… em segurança. E se hoje tivesse de construir uma casa nova, era assim que o faria.

Terei sido o único que colocou banheiras e… tomava banho de chuveiro, investiu em hidromassagem e continuou a tomar… banho de chuveiro, acabando por não a utilizar e vindo mesmo a substitui-la? De maneira nenhuma. Eu ainda me fiquei por aí, mas há imensas pessoas que foram muito mais longe. Há dias, uma delas “penitenciava-se”, porque “enfiou” na casa de banho uma daquelas banheiras enormes com toda a tecnologia de hidromassagens, tendo até umas escadas para aceder ao banho mas…. nunca a utilizou. Nem para experimentar…

E quantas cabines foram aplicadas, com colunas repletas dos mais diversos jatos de água, do rabo à cabeça, nunca utilizados porque só foi dado uso ao chuveiro de cima? É como comprar um telemóvel com inúmeras aplicações e funcionalidades e usá-lo só para fazer ou receber chamadas… Mas pode-se exibir, pode-se mostrar aos amigos(as) o aparelho mais sofisticado do mercado porque, o que importa é provocar inveja…

O francês típico acha que o banho de chuveiro é uma “americanice”, que não substitui o banho porque, banho sem banheira não é banho. Para ele, banho, banho, é na banheira e, como é uma coisa especial, não pode ser diário porque enchê-la, mergulhar e ficar ali “de papo para o ar”, exige tempo, dinheiro e dedicação, daí que não seja para todos os dias. Assim, diariamente faz a “toilette” passando o corpo com uma luva humedecida, aquilo a que nós chamamos “o banho do gato”.

E esta “banhada” vem à conversa porque há alguns dias fui “em romagem” aos tais lugares do rio Sousa onde antigamente tomava o meu “banho integral”. Comecei pelo Amial, local de encontro com outros miúdos, agora menos “selvagem”, mas que me trouxe à memória gratas recordações. Continua a ser um recanto da infância que guardo no coração. Dali fui ao outro lugar do rio que costumava frequentar com o meu pai, um pouco acima da ponte da Amieira. E, literalmente, “bati com a testa na parede”… Isso mesmo, ao longo do rio e a partir do leito deste, um comprido “paredão” com vários metros de altura, remata uma propriedade totalmente vedada com grandes muros, impedindo o acesso ao rio até à ponte… Apesar do acesso aos cursos de água ser um direito de todos, isto de deixar passar os pescadores ao longo do rio “tem de acabar”, pois “esses ranhosos fingem que vão à pesca mas só vão roubar fruta, c… no meio do milho e rebolar-se na erva agarrados às trutas”. E os banhistas de verão, que tomem banho em casa e se refresquem no frigorífico…

Alguém me disse que o tal “paredão” é a traseira de um grande estábulo. Será? Se for, é “uma ideia brilhante” pois, faceado ao rio, permite uma “parceria” perfeita entre peixes e gado. A ser uma “vacaria” (não daquelas que tem “gado” do Brasil ou do leste europeu), faz todo o sentido haver uma “ligação direta” com o rio, para os peixes “mamarem” nas vacas, se bem que estas, com a mania das grandezas, se estejam a c… para eles. Aliás, também quem construiu aquela “obra de arte” em plena “Zona Ecológica” e nos impediu o acesso ao rio (e não é caso único), também se esteve a c… para as entidades (in)competentes e para os nossos direitos de cidadãos. Nada a que já não estejamos habituados…

Ainda bem que só fui em “romagem” àquele sítio, onde tomei banho tantas vezes. Porque, se fosse lá com intenções de me meter dentro de água, corria o risco de entrar limpo e sair “borrado”. E, ao chegar a casa, a mulher perguntava: “Onde é que arranjaste esse perfume selvagem?”

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