Inchar o ego, com a “massa” do povo…

Conta-se que um presidente da Câmara queria consagrar-se através de uma obra monumental, uma obra que fosse vista de longe e passasse para a história do país como uma maravilha arquitectónica. Foram analisados inúmeros estudos e projetos, desde centros culturais a jardins suspensos, mas a opção foi por uma ponte, uma grande e moderna ponte. Custou mais de metade do orçamento do município e, aquela coisa gigantesca com muitos vãos e mais de trinta metros de altura, ao fim de dois anos estava concluída. Mas, a oposição fez-se ouvir e foi muito crítica porque… não passava nenhum rio sob a ponte. “Não se pode dizer que muita água correrá debaixo desta ponte”, escreveu o líder da oposição no jornal local, “pela simples razão de que foi construída sobre um lugar seco”.

Reconhecendo o erro e para calar a oposição, o presidente tratou de saná-lo, desviando um rio próximo por forma a fazê-lo passar debaixo da ponte, o que até agradou aos pescadores pois podiam pescar de cima dela. Quando o presidente pensava que a polémica estava resolvida, levantou-se outro problema: Só fora construída a ponte mas, nem de um nem do outro lado daquela obra de arte existia qualquer estrada, merecendo novas fortes críticas dos opositores: “Esta ponte ficará famosa por unir o nada a coisa nenhuma”. Pressionado, o responsável da câmara teve de reconhecer o erro e tomar medidas para o retificar. Assim, mandou construir uma estrada não muito longa mas com duas faixas de rodagem para cada lado, canteiro separador ajardinado e, claro, com portagens. Logo que ficou pronta, a estrada foi inaugurada no meio de grande pompa, o que não impediu nova contestação no dia seguinte: A estrada, tanto a norte como a sul, terminava no meio do deserto, sem servir nada nem ninguém, o que era um absurdo. Para ultrapassar mais esta contrariedade, o presidente deu ordens para se edificar um conjunto habitacional em cada uma das extremidades da estrada, mas as casas não chegaram a ser ocupados por falta de população dada a inexistência de fábricas, de empresas e de empregos, acabando por ser engolidas pela vegetação. E até o rio secou…

Não sei se em Portugal algum “iluminado” autárquico mandou construir uma destas pontes mas, que se saiba, outros “monstros” e outras “inutilidades” foram construídas com o dinheiro que não tínhamos, em nome do desenvolvimento, da modernidade e do futuro(deles, não do nosso). É que, na verdade, “trataram-nos” do futuro… E de que maneira. Conheci ou estive perto de algumas dessas “obras de arte” (e que “arte”…) com pessoas a questionarem-me “como foi possível?”, sem minimamente se interrogarem qual o seu contributo para que tal pudesse acontecer.

Normalmente temos tendência a pensar que o esbanjamento de dinheiros públicos só aconteceu nos estádios do Euro, nalgumas autoestradas com um movimento pouco maior do que o da ponte da história e em parcerias publico/privadas de má fama (para o estado e para nós). Mas, a verdade é que há milhares de obras de maior ou menor dimensão, espalhadas pelo país, que não chegaram a cumprir a função para que foram criadas e imaginadas, em diferentes fases de construção, sendo que muitas delas foram concluídas, algumas até equipadas mas… estão fechadas, porque não há dinheiro nem acordos para funcionarem. Sim, porque só funcionarão se o estado entrar com … dinheiro. E não é preciso ir muito longe para encontrarmos algumas delas…

Acabei de ler a notícia sobre o destino do comboio a que os locais chamam de “fantasma”, mandado construir em Oeiras pelo executivo de um presidente que foi parar… à “choldra” por outras razões. Para uma cidade com várias alternativas de transportes, tal comboio “imaginado” para uma clientela que nunca teve e que deu dezenas de milhões de euros de prejuízo, acaba de ser encerrado pelo atual executivo que o declarou oficialmente uma “inutilidade” local. Mas os muitos milhões de prejuízo são, ou serão, pagos pelos mesmos de sempre… A irresponsabilidade do executivo que foi seu “pai” é a mesma que “varreu” e continua a “varrer” o país de norte a sul, com, Centros de Dia e Centros Sociais sem “massa” para funcionar, rotundas e chafarizes para auto homenagens, túneis sem saída a estradas sem chegada, pavilhões multiusos, aeródromos e até aeroportos às moscas ou por acabar… Certo é, que o dinheiro do povo está lá enterrado e ninguém foi incriminado por esses “crimes”. Pelo contrário, em muitas dessas obras está lá uma tabuleta em latão (é que não basta ter “lata”…) a homenagear o “pai” de tal “façanha”, perpetuando o seu nome para a posteridade… E é assim que o seu autor fica preso (não, não pensem que fica preso naquele lugar onde deveria estar por muitos e bons anos…) à obra pelo nome, só…

O destino de algumas dessas obras chega a balançar entre continuar-se a “pagar a fatura” da manutenção, muitas vezes para coisa nenhuma, ou demoli-las, tais são os prejuízos que ocasionam a autarquias ou ao estado, o que é revelador da (ir)responsabilidade de quem as mandou fazer. Mas tudo tem sido permitido, sem que por isso haja consequências… Esperemos que um dia alterem a lei, para que o “crime” deixe de compensar…

Leave a Reply