O Homem para quem “o sonho comandava a vida”

Nenhuma sociedade merece o futuro se não for digna do seu passado e, muito especialmente, se não souber honrá-lo. E a forma de honrar o passado é preservar a memória daqueles que já partiram desta vida mas que, nesta vida, se deram livre e gratuitamente a essa mesma sociedade somente pelo dever de cidadania, pelo prazer de servir, pelo amor à sua terra.

O esquecimento é sempre muito maior que a morte, porque termina aquilo que a morte começou, e por isso deve ser rejeitado e combatido quando diz respeito àqueles que merecem da sociedade respeito, reconhecimento, agradecimento e memória.

Para esses, não há tempo nem hora para se ter memória, porque deve ser permanente. Mas se houvesse um só tempo, seria agora, quando passamos o dia da memória pelos que já partiram e que se celebrou há dias.

De entre aqueles que a nossa sociedade não pode e não deve esquecer, levanta-se o de JAIME MOURA, um cidadão de Lousada que a ela se entregou e que muito fez para que fosse colocada no mapa das terras reconhecidas em qualquer ponto do país e, mesmo, do estrangeiro.

Existem homens que prometem fazer, outros que dizem que fazem e alguns (poucos) que, pura e simplesmente, FAZEM. Jaime Moura era um desses raros homens.

A sua capacidade de execução aliada à organização e gestão de meios humanos e materiais e à determinação que impunha na ação, fazia com que atingisse um determinado objetivo enquanto outros realizavam estudos ou promoviam reuniões para discutir se deveriam ou não fazer.

Foi um homem de paixões e de ação, para quem não havia meio termo, tanto numas como noutra. E das suas paixões, duas se destacavam muito acima de todas as outras: A FAMO, a empresa da família à qual entregou toda a dedicação profissional e a mente, e o CAL – Clube Automóvel de Lousada, de que foi um dos fundadores e o timoneiro para o guindar à realização de grandes eventos do desporto automóvel em Portugal, e no qual deixou o coração.

Era um homem de ação com uma capacidade de trabalho invulgar mas era também um visionário sempre à frente do seu tempo, para quem não havia nada como o sonho para criar o futuro, para comandar a vida. E era no ser um inconformado com as coisas uma das principais razões do seu sucesso.

Organizado, meticuloso, rigoroso, atento aos pormenores, foi homem de grandes sonhos, deixando alguns por concretizar porque o tempo lhe foi roubado. Liderou a organização de espetáculos desportivos únicos que maravilharam centenas de milhares de aficionados vindos dos quatro cantos do país e não só, e que a televisão levou ao mundo, divulgando bem longe o nome da terra que não quis e não soube aproveitar todo o seu imenso potencial.

Foi um lutador incansável, perseverante, que nunca deixou cair os braços, até na luta contra a doença, que sempre acreditou vencer.

Não recebeu em vida as honrarias que merecia mas, é melhor merecer honrarias e não recebê-las, do que recebê-las sem as merecer.

Tive o privilégio de ser seu amigo, de estar com ele em muitos projetos, especialmente no Clube Automóvel de Lousada que criamos, fizemos crescer e transformamos num clube de referência e num teatro de sonhos, ao ponto de “colocar Lousada no mapa”. Ali realizamos eventos desportivos que superaram tudo aquilo que nós próprios imaginamos quando neles nos envolvemos e que marcaram uma época no desporto automóvel em Portugal.

Percorremos juntos milhares e milhares de quilómetros por essa Europa fora, não com o sentido de sermos mais dois espectadores de provas automobilísticas mas com o objetivo de as “ver”, de olhar a sua organização para retirar delas tudo o que nos poderia interessar para a construção dos nossos projetos. E vimos muito, aprendemos muito e até chegamos à conclusão de que também tínhamos muito para ensinar aos outros. Foi com todo esse trabalho de observação que nos foi possível ir mais além, até porque “não vale a pena inventar o que já está inventado”.

A nossa amizade permitiu-me ser o moderador dos seus ímpetos mais ousados, fossem eles reações a artigos de jornais ou a projetos de risco mais elevado. E ouvia-me, apesar de gostar de ouvir os outros desde que… concordassem com ele. E, entre os projetos não concretizados, estiveram a Corrida dos Campeões e o Troféu Andreos, estudados ao pormenor e que chegaram a ser negociados com os organizadores, mas que o bom senso e o risco económico e financeiro travaram. Fiquei a dever-lhe essas duas provas com que tanto sonhou.

Embora o tempo dure o bastante para aqueles que sabem aproveitá-lo, e ele soube, partiu antes do tempo, quando ainda tinha sonhos para os quais precisava de tempo que o tempo não lhe deu. E para quem tinha ainda tantos sonhos, fica-nos a esperança de que, na sua partida, o seu anjo da guarda o tenha aliviado do pesado fardo das preocupações sobre o que deixou por fazer, e lhe tenha colocado no saco de viagem a leveza dos muitos motivos que teve para estar orgulhoso da sua passagem veloz por este circuito terreno e três palavras de todos os que tiveram o privilégio de usufruir do seu esforço e da sua amizade: OBRIGADO, JAIME MOURA.

Leave a Reply