Foi com surpresa que soube que uma pessoa por quem tinha (e tenho) grande consideração, ia trabalhar para o estrangeiro. “Vai emigrar? E a empresa?” perguntei eu meio aparvalhado. “Tive de a fechar. Deviam-me tanto dinheiro que estava difícil. Mas, quando a empresa X… me deu um “golpe de mais de duzentos mil euros, não tive outra saída. E eu que confiava tanto no dono” respondeu-me com ar triste. Nem queria acreditar…
Infelizmente, é um dos muitos exemplos de quem teve de fechar a porta, não por falta de trabalho, não por falta de serviço, mas porque os clientes não pagaram, porque gente em quem confiaram lhes deu o “golpe”.
Desde bem cedo os meus pais incutiram-me o sentido da responsabilidade e da honra e, aí, estava incluído pagar o que devo. Tenho procurado ser fiel a esses ensinamentos e “só dou um passo conforme a perna” que é como quem diz, só compro ou mando fazer o que posso pagar. No entanto, não sou mais esperto que os outros. Se pago o que devo é porque (ainda) tenho condições para o fazer e compreendo perfeitamente que qualquer um pode, de um momento para o outro, ficar “entalado” e sem condições de satisfazer os seus compromissos, como foi o caso que referi, por incumprimento de terceiros consigo. E até pode um dia acontecer comigo.
Não devia acontecer a fuga às responsabilidades. Quem deve e não pode pagar tem ainda mais obrigação de aparecer, de dar a cara, de não fugir, de falar da situação. Não pode criar espectativas falsas dizendo que paga amanhã, que se acabaram os cheques, que paga para a semana, enfim, que paga “Dia de São Nunca à Tarde”. Os sinais de quem não quer pagar são muitos só que, como andámos a correr, não nos apercebemos deles ou não queremos ver. Começam por não atender o telemóvel, por não devolver as chamadas, ignorar as mensagens, marcar encontros a que não aparecem, quando não passam cheques que logo vão ao banco dar como perdidos… É a passagem de Devedor a Caloteiro ou, como diziam os mais velhos, de Homem a Moço.
Mas, se há algo que “custa a engolir” a qualquer um, é “andar atrás” de um fulano que nos deve e ouvir sistematicamente dele “não tenho dinheiro”, “isto está muito difícil”, “os clientes não me pagam” e, de repente, o “tipo” aparece com um carrão novo, compra uma casa no Algarve ou um apartamento à nova amante… Quantas vezes já ouvi dizer “dá-me cá uma vontade de lhe limpar o sebo…” Até percebo e sei que só quem passa por elas é que pode imaginar… Os “artistas” andam a gozar com o nosso dinheiro. Por vezes até me interrogo como é que tal não acontece mais vezes… Ainda somos um país de brandos costumes.
Compreendo as pessoas quando dizem “não posso levar uma vida honrada. Estes gajos não me deixam”…
Um homem honrado não “cai para cima”. Cai sempre para o chão tendo a esperança de um dia se levantar. Se as coisas correm mal vende os anéis, vende o ouro, vende património, vende o Porsche, para satisfazer os seus compromissos. Assume, dá a cara e o que tem. Ao fazê-lo, mantem o seu maior valor: A Honra.
Quem “cai para cima” são os golpistas que “vão à falência” para ficarem mais ricos, os que não pagam para “engordarem a carteira”. É a escolha de quem ignora a Honra, a Seriedade, a Honestidade, a Palavra. Mas é uma escolha e são muitos os que a fazem hoje em dia… Há cinquenta anos atrás, o pedreiro mais pobre da minha aldeia não a faria. Optava por “ser pobre, mas honrado”. É a diferença…
Vem isto a propósito de alguns “manifestos” subscritos por figuras públicas e mediáticas exigindo que se não vendam empresas públicas, o último dos quais defendia que a PT “deve ficar na mão dos portugueses”. Eu acrescentaria, porque também gostaria, que o país mantivesse a posse das Águas, da rede elétrica e telefónica, dos Correios, dos Lixos, dos Transportes Públicos em geral, da Televisão, da ANA e de outros sectores estruturais da nossa economia. Quem o não deseja? Mas, uma coisa seria “achar” e outra é “deve ficar”. Neste caso, porque não a compram eles?
Quando se vende uma empresa pública ouvimos sempre os mesmos chavões: “Estão a vender os anéis”, “estão a vender as empresas que dão lucro”. Não seria mais sério dizer que “estão a vender as empresas que (ainda) valem algum dinheiro, para abater à dívida”? É que, para realizar dinheiro, dinheiro, tem de se vender o ouro, não a sucata. E o mais caricato é que muitos dos subscritores desses manifestos são alguns dos muito responsáveis pela criação desse “monstro” da dívida que nos está a “engolir” a todos (ou quase), tendo ficado impunes do crime de “lesa pátria”.
Com a venda dessas empresas públicas estamos a empobrecer o país, dizem para aí os tais. Mas, o país não está já empobrecido com aquilo que deve, com o estado em que o deixaram? Ou, o facto de devermos tantos “mil milhões de euros”, não quer dizer nada? Realmente, se a intenção for de não pagar o que se deve, não há problema, não estaremos assim tão mal. Os credores que se amanhem que “com o seu mal podemos nós”…
Se um de nós for credor de alguém que se dá ao luxo de manter o Porsche, os anéis ou a casa na praia, o que pensamos dele? O que queremos que ele faça? Que os venda, para abater à dívida, claro está… Ou não será assim?
E o que pensarão os credores de Portugal (que devem estar a fazer contas à vida) sobre nós, país, de querermos manter a posse das empresas que são os nossos “anéis”? Será que não têm o direito de pensar o mesmo que nós pensamos de alguém que nos deve e ainda quer dar-se ao luxo de os conservar”?
A opção é nossa, enquanto povo. Foi em nosso nome e com o nosso mandato que, uns quantos “senhores” demasiado (ir)responsáveis nos colocaram a nós, aos nossos filhos, netos e bisnetos, na posição de Devedores. Por isso, independentemente dos “nabos” que nos governem, cabe-nos escolher o caminho, o que queremos fazer. Se devemos assumir a nossa condição de Devedores, pagando conforme pudermos mesmo que tenham de ir os ditos “anéis” ou optar pela “promoção” a Caloteiros, e os credores que se danem, “que vão receber ao Totta”. É só uma escolha. Uma escolha bem simples que define quem somos… e quem queremos ser.