A natureza é perfeita e por isso mesmo concedeu-nos duas coisas que funcionam como tranquilizadores nas nossas vidas: Os sonhos e a esperança. Os sonhos são a libertação do espírito e para se tornarem realidade precisam que acreditemos que tal é possível. Já a esperança é a crença de que há a possibilidade de que vão acontecer coisas boas na nossa vida, algo com que sonhamos. É um sentimento que tem a ver com fé, com acreditar, mesmo que tudo nos indique o contrário.
Desejamos e amamos a esperança, apesar dela nos pregar muitas partidas e deixar-nos algumas vezes… à espera.
Não, não como aquela senhora que passava os dias à porta da maternidade e, quando lhe perguntaram porque é que estava ali, dias e dias seguidos, ela respondeu que “tendo esperança, estava à espera porque, quem espera… sempre alcança”. Era uma outra forma de esperança…
A esperança é um sentimento e uma força que existe em cada um de nós e que nos leva a caminhar mesmo sem vermos o caminho, porque acreditamos que ele existe tal como a ver o mundo para lá do horizonte e a ver as coisas para além dos dias.
Foi há seis anos que a Luísa teve dois AVCs e partiu as duas pernas na sequência destes, passando a viver agarrada a uma cadeira de rodas, fora da realidade, ausente do mundo que girava à sua volta, sem conseguir falar e com mobilidade muito reduzida. Toda a nossa vida em casa sofreu uma alteração profunda desde a organização dos espaços, das circulações, transformando a liberdade dos ritmos em rotinas do dia a dia, nos tempos e nos rituais, com a preocupação centrada nas suas necessidades, dando prioridade a quem não pode ter prioridade sozinha.
Os meses e os anos foram passando e, apesar da ausência de sinais de qualquer tipo de melhoras, fui alimentando a esperança com paciência, esperando que um dia pudesse virar realidade. Até porque, sendo um bem que existe em cada um de nós, não podemos nem devemos libertar-nos dela para permanecermos vivos e ser felizes.
É certo que, associado à esperança está sempre o medo, pois não existe um sem o outro, o medo de que a esperança seja em vão, o medo de que algo não aconteça como nós esperamos, tantos medos quantas as esperanças.
Recentemente a médica que a acompanha reduziu-lhe ao mínimo um medicamento essencial do seu tratamento. A partir daí a Luísa começou como que um lento despertar, inicialmente em pequenos sinais e, pouco a pouco, com alterações significativas no seu estado, ao ponto de, nalguns momentos, interagir e conseguir estabelecer um diálogo coerente, inclusive com algumas das suas “saídas” com humor que lhe são tão características, apesar de ter desaparecido a memória de curto prazo e se mantenha a desorientação no espaço e no tempo.
Há alguns dias atrás, quando entramos no quarto para a levantar, deixamos cair uma bisnaga, que fez um pequeno estrondo ao bater no chão. Deitada mas já de olhos abertos, soube dizer-nos: “Cuidado, que acordam a menina…” E noutro dia à noite, víamos uma tourada na televisão. O cavaleiro que estava a atuar foi trocar de montada e ao entrar na arena o novo cavalo levantou o rabo e fez ali mesmo as suas necessidades. Saindo do seu mutismo, voltou-se para mim e disse: “Olha, o cavalo assustou-se tanto ao ver o touro, que até teve uma crise de diarreia…” E, pouco a pouco, maiores e melhores são esses sinais…
Este “acordar” veio renovar a esperança e trazer novo alento, fazendo com que me aproxime mais do que desejo ao mesmo tempo que me afasto do que temo. Pode até ser enganador mas, contudo, faz com que a vida seja mais agradável e o peso mais leve.
No entanto, a esperança vem sempre acompanhada do medo, já que um e outro são inseparáveis. Tenho consciência plena disso. Por um lado, o medo de que a esperança seja uma miragem e nunca se chegue a concretizar, fazendo com que a espera seja em vão. No caso da Luísa, agora que há sinais de algumas melhoras, chega um outro medo que nos traz espectativa e alguma preocupação. É o medo da sua reação ao “despertar”.
Como será que a Luísa vai reagir quando tomar consciência do seu estado de saúde, do aumento considerável de peso, das suas limitações físicas, da sua falta de mobilidade, dos seus vazios de memórias recentes? Tendo “adormecido” com uma situação física normal, como vai encarar a sua situação ao aperceber-se da nova realidade, sem que se lembre do que quer que seja ou de razão plausível para tal? Será que daí pode advir algum estado depressivo ou alguma outra reação negativa? Ou não serão só medos e fantasmas que vamos criando dentro de nós?
Continuo a viver com esperança, sabendo que muitas das coisas boas conseguidas nesta vida foram obtidas por gente que acreditou, que teve esperança e soube esperar.
Escolher o caminho da esperança é ter uma razão para viver, é optar pela vida, mesmo que aquela possa ser uma simples “luz ao fundo do túnel”. Mas é uma razão válida. Bem pelo contrário, se nos deixarmos dominar pelo medo e permitirmos que ele tome conta de nós, não conseguiremos viver. Daí que, entre os dois, opto pela esperança, que é o mesmo que optar pela Vida…