Trabalhe para o bronze, cá dentro…

O meu filho diz que os adeptos de futebol são uns sofredores. Sofrem enquanto a sua equipa não mete um golo, sofrem depois com medo que o adversário marque, sofrem pela incerteza do resultado, pelo remate à trave, pelo livre perigoso junto à área, sofrem, sofrem. E sofrem esperando como compensação a vitória.

Nos últimos dias descobri outros sofredores, não por um clube mas por uma causa comum. E são aos milhões só em Portugal. Encontrei-os de papo ou de rabo para o ar, de pé, sentados ou deitados, nas posições mais incríveis, o mais despidos possível até onde o decoro o permite (ou para além dele), “besuntados” com óleos, cremes ou sprays, junto às piscinas, na praia ou até na varanda, “esparramados” ao sol como os lagartos, a “suar como cavalos”. Trata-se dessa legião de gente que o bom tempo leva até à praia onde “trabalham para o bronze”.

São milhares de corpos espalhados ao longo da praia quais focas fora de água, corpos esses que, regra geral, nada têm a ver com os corpos que nos prometem nos anúncios publicitários como “corpos Danone” e outros que tais… E é ali que descobrimos tatuagens e piercings nos sítios mais incríveis do corpo humano…

E ficam horas e horas debaixo do sol abrasador, virando-se como a sardinha na grelha para que o “tostado” seja uniforme, como quem cumpre uma promessa. Tudo em nome do visual, aquele visual da cor do chocolate que é tão apetitoso. Talvez até seja por isso. Gosta-se de chocolate, gosta-se de comer chocolate, talvez se queira ficar da cor do chocolate pelo desejo inconsciente de se querer “ser comido”. Ou será mesmo só pela cor?

Em tudo isto há um absurdo. Os brancos, que fazem a apologia da raça branca, querem ficar mais escuros, quase negros. Na maior parte das vezes não conseguem passar de “índios”, de tão vermelhos que ficam, quais tomates maduros… É só ver os ingleses de pele leitosa e sardenta a quererem apanhar o sol todo no primeiro dia… E não são só eles… E depois começam a largar pedaços de pele, parecendo que a estão a mudar como as cobras. Será que são da mesma espécie?

E os negros ao sol, quererão ficar brancos como o Michael Jackson? Será que o sol lhes faz “desbotar” a cor como nas madeiras?

Se o tom de pele predileto do povo é a cor de chocolate, mais ou menos clara, porque não se promove a multiplicação da “mulata” e até mesmo da “cabrita” (gosto mais do tom) como o fizemos com toda a naturalidade em África, promovendo as relações inter raciais, numa manifestação multicultural? Seria mais simples e o tom de pele ficaria sempre uniforme, perfeito, sem necessidade do sacrifício ao sol, quando não no solário…

Tudo isto porque o meu filho me levou por alguns dias ao Algarve, junto à praia, o que já não fazia há alguns anos. E ao sentar-me com um livro junto à piscina ou na praia dei comigo a observar o “sofrimento” de muita gente em nome da estética, esquecendo os avisos dos dermatologistas, e não só, relativamente às consequências que podem advir de um abuso da exposição solar do corpo. Verdade seja dita que, noutros tempos, também fui um “crente” e um “sofredor” em nome da imagem. Vi-me há quatro décadas atrás com dois “marmanjos” cá do burgo em Torremolinos”, que estava na moda, numa estadia de quinze dias quase toda ela muito “cultural e divertida” à volta duma piscina, deitado na toalha em poses diferentes e sucessivas, aplicando um óleo à base de azeite sempre que me virava… E eram muitas vezes ao dia.

A praia é para milhões de portugueses um prazer, seja pela liberdade que nos faz sentir, pelo “bronze” que é sempre moda ou pelas noitadas, mas não deve ser um sacrifício. E, como um prazer, deve ser usufruída por todos os que gostam e podem. Para toda essa legião de compatriotas, recomendo vivamente que façam praia “cá dentro”, em Portugal. Temos praias fabulosas que são cartaz turístico lá fora mas que são esquecidas por nós, nós que deveríamos ser os primeiros a reconhecê-las, a gozar a sua beleza e o prazer que proporcionam.

É certo que a vaidade leva-nos a querer outros “paraísos”, como se “o que é estrangeiro é que é bom”. Noutros tempos, viajava-se para trazer nas malas autocolantes dos hotéis por onde se tinha andado, fazendo os amigos e vizinhos roerem-se de inveja. Hoje faz-se o mesmo de outra maneira, apregoando que “estive em Punta Cana, na República Dominicana”, “passei férias no Brasil” ou “fui ao México”, como se ir a um desses países em rebanho, ser agarrado no aeroporto e enfiado num autocarro direto a um “Resort” no meio de nenhures onde se passam dez dias com “tudo incluído”, a comer até dizer chega (quanto mais se comer mais barata fica a viagem, desperdiçando sempre muita comida que os locais nem cheiram) e apanhar sol, para voltar a ser enfiado noutro autocarro de regresso ao aeroporto e a casa, permitisse conhecer o país ou a região. Pura ilusão, grande engano. Para isso, para “trabalhar o bronze”, usufruir da praia e “gozar as noitadas”, recomendo sinceramente que nos deixemos de “peneiras” e aproveitemos o que é nosso. Se é só pelo “sacrifício”, como diz o slogan, “vá para fora cá dentro”. E verá que fica orgulhoso do que é nosso e, já agora, … bronzeado.

Leave a Reply