Uma senhora encontrou na berma da estrada três cachorros enfiados dentro de um saco de plástico, atirados para ali a partir de um automóvel, por um inconsciente, para não lhe chamar o que seria mais justo: Energúmeno. A sociedade, para reconhecimento da “nobreza” do seu ato, deveria premiá-lo com uma experiência semelhante: Enfiado nu dentro de um saco, bem amarrado, e atirado por uma ribanceira abaixo no alto da serra, se possível com o carro em grande velocidade para dar “lanço”. Só assim estaríamos seguros de que nunca mais voltaria a repetir tal façanha.
Os cães foram entregues a uma cuidadora residente em Pias, que os recebeu, tratou, e que está a fazer a promoção da sua adopção. Ainda há quem sonhe e faça o mundo melhor. Bem haja.
O abandono de animais continua a ser uma chaga da sociedade, algo incompreensível no século XXI, um mau indicador cultural, um problema que a educação já deveria ter resolvido ou, pelo menos, atenuado. Mas não, os sinais são de agravamento.
Se decidir ter um cão, por compra ou adopção, deve ter consciência de que ele viverá cerca de quinze anos. E que, ao fazê-lo, é como se estivesse a aumentar a família, porque passará a ter para com ele um conjunto de responsabilidades: Dar-lhe de comer, de beber, banho, tempo e carinho. Ele vai crescer, precisará de treino, de ser levado a passear, ter uma vida saudável. Mais, será sua a responsabilidade de o tratar na doença levando-o ao veterinário, e até mesmo de limpar a porcaria que ele faz. Sim, porque ele vai fazer porcaria como qualquer animal, aliás, como nós. E a limpeza dessa “coisa” é tarefa sua, goste ou não goste, não dele.
Todos sabemos o quanto as pessoas adoram “ter” um cão, muito especialmente de raça e com “pedigree”, por capricho ou para fazer inveja à família, amigos e vizinhos. Ou para fazer a vontade aos filhos que adoram cães. Mas, ter um cão é muito mais do que exibi-lo, porque implica assumir compromissos. Por isso, antes de levar um cão para casa pergunte-se se deve fazê-lo, se está preparado para aceitar tal responsabilidade. Não o faça de ânimo leve mas sim com consciência das implicações que isso acarreta, porque poderá evitar um abandono.
É que a compra ou a adopção de cães tem de ser uma manifestação de solidariedade, de responsabilidade e, mais ainda, de amor pelos animais. E não há dúvida nenhuma que por isso mesmo…. não é para todos.
Pode ter a certeza que há uma diferença importante entre o Cão e o Homem. Se recolher um Cão abandonado e lhe der de comer, ele não lhe morderá. Se o fizer a um Homem, não pode ter tanta certeza…
Adoptei uma cadela com três anos de idade, cheia de traumas, medos e carências diversas. Já fizemos um certo caminho, tendo eu recebido dela mais do que lhe tenho dado. É uma excelente companhia, boa ouvinte até porque não me faz perguntas nem me critica, o que aumente a minha autoestima e recebe-me sempre com manifestações de alegria e prazer independentemente de estar bem ou mal vestido, a pé ou de carro ou daquilo que tenho no bolso. Mais ainda, não se queixa da sorte, nunca se mostra insatisfeita e nem é dominada pela mania de possuir coisas. Que sorte a minha…
Deixa-me o jardim esburacado e espalha fezes que me queimam a relva, mas não me magoa nem me trata mal. Larga pelo por todo o lado e deixa a casa marcada com as patas sujas e molhadas, mas fica horas seguidas enrolada aos nossos pés. Suja-me a roupa quando saio bem vestido, mas está sempre disponível para me fazer companhia sem se queixar se é muito ou pouco tempo. Levo-a a passear, mas isso é tão importante para mim como para ela. E sempre que chego a casa e abro o portão, faça chuva ou faça sol, vem-me receber de rabo a abanar, “dizendo” que está feliz por me ver.
O homem é responsável pela gestão da convivência entre ele e os animais, com equilíbrio. Mas, enquanto os animais irracionais nos maravilham com atos inteligentes e enternecedores, os homens surpreendem-nos muitas vezes com atitudes irracionais e… desumanas.
É curioso que ouvimos de vez em quando algumas pessoas utilizarem a palavra “cão” para insultarem alguém. Não compreendo pois, que se saiba, somos nós, humanos e racionais, que abandonamos os cães, como os três cachorros da história, quase sempre em nome do comodismo, de não se querer assumir as responsabilidades devidas. Em contrapartida, nunca se soube, nem foi notícia, que um único cão, um só, tivesse deixado o dono de livre vontade, por mais miserável que fosse a vida que com ele partilhava. Daí que, como insulto, talvez seja mais correto chamar “homem” ao alvejado. Se ele for inteligente, entenderá…
Soube que se está a constituir em Lousada uma associação com o objetivo de criar uma infraestrutura para a recolha de animais abandonados e promoção da sua adopção. Excelente notícia para eles, “os renegados da sociedade humana”, e para todos aqueles que gostam de animais, porque têm uma oportunidade para aderirem e ajudar. Mas, desde já deixo o aviso: Salvar animais não dá estatuto, promoções, visibilidade, nem recompensas materiais. Aliás, os animais saberão respeitar a sua privacidade pois não vão espalhar a notícia de que foram salvos por si, nem nos jornais nem na televisão nem noutro meio de comunicação. Por isso, continuará anónimo para o público em geral, o que quer dizer que terá de o fazer a troco de nada, já que não vai receber aplausos, não vai ser chamado de herói nem lhe servirá de curriculum nem de trampolim para um qualquer lugar na vida política.
Eu disse “a troco de nada”? Desculpem, não é verdade, porque vai receber muito: Muitas alegrias, alegrias por salvar vidas, que farão de si um ser humano melhor e mais feliz…
Coisas que não têm preço…