Já´não há espaço para os velhos…

Conheço desde a escola primária a história de um filho que, não querendo cuidar mais do velho pai, levou-o ao alto de um monte para ali o deixar morrer, entregando-lhe uma manta para se abrigar nos últimos dias de vida. Quando se preparava para ir embora o pai pegou numa faca, cortou a manta ao meio, dobrou-a e entregou-lhe uma das metades. “Para que quero eu a metade dessa manta”, pergunta-lhe o filho? E o pai respondeu-lhe: “Para abrigares o corpo, quando um dia o teu filho te vier deixar aqui”.

Para além da sua carga simbólica, parece uma história ultrapassada que não faz sentido, pois nenhum filho nos dias de hoje iria deixar o seu pai no alto do monte, só e ao rigor do tempo, para morrer. Mas será assim tão absurda? Será mesmo?

A partir do momento em que nasce uma criança, os pais nunca mais se libertam dessa responsabilidade e irão ajudar o filho enquanto tiverem força, vida e meios para o fazerem, independentemente daquilo em que ele se torna, da sua conduta, da sua moral, do seu comportamento como filho. Mesmo dizendo tantas vezes, como dizem, que “se o meu filho fizesse isto… nunca mais queria saber dele”. A verdade é que, se isso acontecer, engolem tudo o que disseram e lá estão a estender a mão para o ajudar. E todos os dias vemos exemplos desses, filhos drogados, ladrões assumidos, vadios, irresponsáveis, criminosos, que têm sempre nos pais um porto de abrigo, um apoio na necessidade, uma última reserva.

Uma das imagens que retenho na memória tem a ver com aquilo que disse uma mãe quando o filho, malfeitor crónico, foi novamente preso. -“Quem me dera ser como as cadelas, ter os filhos, larga-los e nunca mais voltar a vê-los nem a preocupar-me com eles”.

Numa sociedade cada vez mais competitiva e individualista, os idosos são deixados ao abandono, negando-se-lhes a dignidade, quando não a própria vida. É a velha história da sociedade do bem-estar social, cujo interesse principal assenta na lei da selva pelo lucro, sempre acima do bem-estar social. Tudo muito bem organizado, produtivo, limpo e bem cheiroso… para quem? Quem usufruiu? Nesta selva competitiva, cada um preocupa-se consigo mesmo, desenraizado do lugar de onde veio e das suas origens.

Em Portugal a família ainda é o principal suporte dos idosos, até por falta de respostas sociais formais, fatores económicos e hábitos culturais. Mas o seu abandono já atinge proporções alarmantes, que nos deviam preocupar até porque, nos próximos anos, a população sénior vai duplicar.

O abandono na velhice é um sentimento de tristeza e solidão provocado por perdas. O que o idoso quer em vida é o acolhimento, a presença e o amor dos seus, poder compartilhar experiências e os conhecimentos que acumulou. Mas muitos, depois de tudo o que fizeram, de todo o amor e carinho que dedicaram aos filhos, recebem em troca abandono, uma vida de solidão e mesmo de maus tratos, no momento em que passam por grande fragilidade física e mental que é a velhice. É que, muitas vezes, a família está longe demais, física e afetivamente, e tende a excluir aqueles que são tidos como estando a mais, incómodos.

Para resolver este problema social, julgo ter encontrado uma solução a contento das partes. Não, não proponho que se larguem os velhos no alto do monte, ao “Deus dará”, com uma manta às costas. Isso era na Idade da Pedra. Agora tudo tem de ser mais evoluído, sofisticado e as soluções têm de ser adequadas aos tempos modernos.

A par dos “ecopontos”, “roupões” “ecocentros”, “pilhões”, “vidrões” e muitos outras coisas terminadas em “ões” que se espalham por aí “a torto e a direito”, numa batalha pela reciclagem, há que distribuir também “EcoVelhos” para recolher todos aqueles idosos de quem as famílias se querem ver livres (depois de os “aliviarem” do peso dos bens materiais como o dinheiro e as propriedades, que seriam uma carga desnecessária para a “viagem”). Para tal, poderão ser aproveitados os autocarros fora de serviço (também eles velhos), tanto pela sua dimensão como por virem já equipados com bancos, destinados aos velhos que ainda andem “de empurrão”. Para os outros, que só já lá vão em cadeiras de rodas ou de maca, o melhor é construir “EcoVelhos” enterrados com a boca ao nível do solo, para ali serem despejados como se faz com os carrinhos de mão (que também poderão ser aproveitados para transportar alguns), despejando-os “pela borda fora”. Ah, estes pontos de recolha de velhos devem localizar-se fora das localidades, tal como os canis municipais, para que os seus ocupantes não incomodem a vizinhança durante a noite, a ladrar, perdão, a gritar. Claro que só permanecerão “Ecos” o tempo indispensável para serem recolhidos e conduzidos a uma central de “reciclagem”, moderna e eficiente, onde todas as partes com algum interesse serão retiradas para utilização específica, tais como cabelo (naqueles que o têm) e qualquer tipo de próteses, em especial as de platina. Ouro já não haverá pois deixou de ser usado no fabrico de dentes. Os nazis é que fizeram esse aproveitamento nos campos de concentração. E o resto? O que se faz às “carcaças”? O mesmo que se faz aos carros velhos depois do sucateiro lhe retirar as peças que ainda possam ser úteis: Enfiam-se numa prensa e comprimem-se, para ocuparem pouco espaço.

Porque, ao que parece, os velhos ocupam o espaço que outros já estão a reivindicar… Ou talvez não seja o espaço mas sim os bens, esse malfadado deus do materialismo…

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