Ganhamos bens, mas perdemos…

Estava no supermercado e, à minha frente, um miúdo fazia birra com a mãe porque queria que lhe comprasse um determinado brinquedo. Quando ela, com voz insegura, lhe disse que não, recebeu em cheio a resposta, como uma bofetada: “És uma filha da p…”. A mãe sorriu fingindo que não percebera e, para calar o tirano… deu-lhe o brinquedo. Eu não queria acreditar, mas foi com este “mimo” à mãe que o conseguiu…

Quando eu era criança, seria impensável que esta cena acontecesse porque, para nós crianças, pai, mãe, avós, professores, autoridades e todos os adultos, eram pessoas por quem tínhamos respeito e consideração, não havendo lugar a respostas mal educadas muito menos a insultos grosseiros como neste caso. Fui criado com princípios morais comuns e por isso, ao rever este momento e pensar no como chegamos aqui, parece-me inconcebível o muito que perdemos, a sociedade que criamos, que eu não gostaria de deixar aos meus descendentes. Ganhamos bens materiais, tantas vezes em demasia, mas vendemos “a alma ao diabo” cedendo em troca, se é que foi exigida moeda de troca, os princípios morais que nos norteavam. Afinal, ganhamos ou perdemos?

Conquistamos a liberdade, mas fechamos as portas das nossas casas, pusemos grades nas janelas e construímos muros à volta, cada dia mais altos, cada dia com meios de vigilâncias mais sofisticados. Somos livres… mas encarcerados..

Adquirimos equipamentos de comunicação cada vez mais modernos, mas não falamos com os familiares e amigos, deixamos de conviver com a vizinhança e, quase sempre, nem conhecemos sequer o vizinho que vive há vários anos na porta ao lado.

Fizemos entrar pela porta uma grande televisão para a sala, mas deitamos pela janela fora esse momento especial das refeições para as conversas entre pais e filhos, ficando o resmungar por querer ver outro canal ou porque não nos deixam ouvir.

Oferecemos telemóveis, Ipads e computadores aos filhos para eles nos enviarem mensagens e recados, porque não temos tempo ou já não conseguimos… falar uns com os outros.

Queremos segurança nas nossas vidas mas retiramos autoridade aos agentes que a deviam ter, processando-os e prendendo-os por exercerem as suas funções, enquanto se mandam ladrões em liberdade por… “exercerem as suas funções”…

Preocupamo-nos em criar e defender leis para que os criminosos tenham direitos, enquanto as vítimas… não têm direitos nenhuns.

Criamos as crianças como pequenos ditadores que podem fazer e exigir tudo o que querem, sem nos preocuparmos que essa (falta de) educação se virará contra elas, e deixamos de lhes ensinar o respeito pelos mais velhos, a começar pelos pais.

Damos tudo o que os filhos pedem, alimentando vaidades que não são educativas nem formativas e esquecemos a simplicidade e a humildade.

Formalizamos acordos em contratos de muitas cláusulas, redigidas por reputados juristas, para não serem cumpridos, e desvalorizamos o aperto de mão como selo inviolável de um compromisso que a honra não permitia quebrar.

Geramos uma sociedade de caloteiros sem vergonha e quem passou a ter vergonha de pedir o que é seu são… os credores, porque pagar dívidas é para… burros.

“O tempo dá-o Deus de graça”. Nós é que só o queremos vender… ao esquecer o espírito comunitário da entreajuda, a solidariedade.

Exigimos a prisão dos pequenos ladrões, os “pilha-galinhas”, mas àqueles que roubam fortunas dizemos que “fizeram um desvio” e ainda os consideramos… “espertos”.

Passou a valer mais parecer do que… Ser.

Conhecemos e estamos muito bem informados sobre a vida de uma qualquer figura mediática, sofrendo e chorando com as suas (muito badaladas) desventuras… mas ignoramos quem nos está próximo.

Como este mundo está em constante mutação, vou sonhando que um dia se possa voltar a ver gente com “vergonha na cara”, “a palavra a valer mais que uma escritura”, as crianças a correrem em liberdade e em segurança, o sorriso no rosto de quem trabalha, a partilha com o vizinho do pouco que se tenha, a saudação e o sorriso entre pessoas que se cruzam, as portas de casa abertas com a tranquilidade de uma segurança real.

E a alegria natural que existia nas pessoas simples da aldeia, quando iam lavar a roupa, nas desfolhadas, em grandes “ranchos” para sachar o milho, nas vindimas ou a segar a erva, apesar de não terem o mínimo de bens materiais para viver com dignidade, sobrevivendo. E, na sua humildade, cantavam sempre, como se essa alegria lhes enchesse o estômago e aquecesse a alma.

E hoje, de “barriga cheia”, onde ficou a alegria? Na barriga não, porque já não cabe lá. Talvez esquecida entre o muito “lixo” da sociedade de consumo em que nos atolamos, para pensar que somos felizes…

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