Dão dinheiro ou… estamos a jogar?

O tempo de crise que vivemos tem sido propício ao incremento do número de pessoas que jogam a dinheiro, do casino à lotaria, do euro milhões ao bingo, numa tentativa de fazerem fortuna que, na maior parte das vezes, nunca acontece. Mas será que esses jogadores sabem naquilo em que se metem? Saberão o que é a “vantagem da casa”? Ou a “percentagem média que é devolvida ao jogador”? Ou até quais são as “possibilidades reais de ganhar”?

Nos jogos a dinheiro há os de fortuna ou azar e os de perícia. Os  primeiros, são um total desafio à sorte porque dependem somente dela, sem que o jogador possa influenciar o resultado pois, ganhar ou perder, não depende de si. E todos podem ganhar. É o caso da lotaria, máquinas de jogo, roleta, etc.. Nos jogos de perícia, como o poker, a habilidade do jogador pode influenciar o resultado.

Em Portugal, é o Estado que detém o monopólio do jogo, concedendo a sua exploração aos casinos ou cedendo-a como o fez com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a quem atribuiu a “missão” de explorar os chamados “jogos sociais”.

Sobre estes, começo por não entender (ou não quero) o porquê de se chamarem “jogos sociais” pois, cá para mim, jogos sociais são aqueles onde se “sociabiliza” como a sueca, a bisca lambida e o dominó, numa forma de convívio salutar.

Já nos “jogos sociais” da Santa Casa, o que se procura não é “sociabilizar” mas “sacar-nos” a massa para fins sociais (alegadamente), pois a maior parte do bolo vai para os cofres do Estado, embora uma boa fatia fique na Misericórdia de Lisboa.

E, é bom relembrar que esta é uma espécie de instituto do Estado, um “asilo dourado” para políticos com o emblema do partido que está no poder, e que nada tem a ver com as centenas de Misericórdias espalhadas pelo país, que não recebem um cêntimo desse dinheiro.

Nos últimos tempos surgiu uma novidade, vendida com roupagem diferente. Os três principais canais de televisão nacionais, entre os quais a RTP1,  passaram a massacrar-nos  com “donativos” generosos a troco de uma simples chamada de sessenta cêntimos mais IVA. Como é que de repente as televisões nos dão dinheiro a troco de nada, mesmo a pública que está meia falida e com débitos de muitos milhões? Terão sido atacados por algum vírus que provoca a generosidade? Não me parece e “quando a esmola é grande o pobre desconfia”…

A verdade é que é deprimente assistir aos programas das tardes de fim de semana pois os apresentadores têm de se sujeitar ao papel mesquinho e ridículo de “venda” de um jogo, tal como a lotaria ou a raspadinha, encapotado de “dádiva”, feitos vendedores da “banha da cobra” em feira de ano.

E passam minutos seguidos no “telefone que temos quarenta mil euros para lhe dar”, “ligue e tem cinquenta mil euros garantidos”, “ligue e tenha um Natal feliz com o que lhe vamos dar”, dizendo as barbaridades mais incríveis para aliciar novos e velhos que estão tranquilamente em suas casas e que acabam por cair na ratoeira. São só sessenta cêntimos mais IVA? “Uma ova”. São sessenta cêntimos mais IVA vezes duas, três, quatro ou cinco chamadas, vezes meio milhão, um milhão ou mais de clientes… Pois é, diz-se que esta “oferta” já é uma das principais receitas das televisões… e não é um jogo. Olha se fosse… Mais, o prémio até é líquido, não paga imposto ao Estado como os prémios dos “jogos sociais”. É por ser dos senhores da televisão? Ou por ser um “jogo” ou “rifa”, mas que afinal não é uma coisa nem outra?

Claro que se trata de um jogo de fortuna ou azar, como a raspadinha ou o totoloto, onde quem joga (telefona) depende “exclusivamente” da sorte – na raspadinha até sai mais vezes. Porque não param de fingir? Aliás, esses programas de fim de semana são um fingimento quase total, Os artistas “fingem” que cantam e até os instrumentos são para “fingirem” que tocam, Por isso não admira que os apresentadores “finjam” que o jogo seja um passatempo, talvez para apanharem mais incautos. E alguns prémios, disseram-me, não são em dinheiro vivo mas sim em crédito para fazer compras. Isso lembrou-me um episódio da minha vida.

Pouco depois de entrar numa empresa de construção um dos meus sócios vendeu um apartamento a pronto pagamento. Excelente. Mas, para o vender “a pronto” fez um desconto especial e aceitou o pagamento em… materiais de construção, pois o comprador era dono de uma empresa do ramo na região. Ficamos assim com um crédito. Em função disso, encomendamos materiais de construção que correspondiam ao valor do apartamento mas, quando chegou a fatura, estranhei os preços. Quando os comparei com os de uma pequena loja perto do escritório verifiquei que os da fatura eram 50% mais caros.

Para não lhe chamar ladrão de caras, perguntei ao “comprador” se não se enganara, até porque os preços deveriam ser ainda mais baixos do que a loja vizinha. “Sabe, como não tenho dinheiro para pagar os materiais vou ter de assinar letras e depois vou ter de as reformar algumas vezes, pelo que subi os preços para compensar os encargos…” respondeu ele. “ O meu sócio vendeu-lhe um apartamento com grande desconto por ser a pronto pagamento e agora está a debitar-nos os encargos que são seus? Leve a fatura, vá para casa e decida se quer praticar os preços de mercado ou se vai manter esses, o que seria um roubo, porque é disso que se trata”, respondi-lhe. Claro que o dito “empresariozinho” manteve os valores de fatura… e o roubo. Foi assim que chegou a rico?

Não digo que as televisões estejam a fazer o mesmo mas, que estão a ganhar dinheiro à nossa conta… estão, o que quer dizer que não nos dão nada. Por isso, prefiro a raspadinha… porque é um jogo, e não “finge” que o não é…  

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