Apanhados… em cuecas

Sou um colecionador de provérbios e admiro a forma como neles, a sabedoria popular conseguiu condensar em pequenas frases um profundo conhecimento do ser humano e do mundo que o rodeia.

Se alguns são contraditórios, dando a entender que os ditados se podem arranjar para qualquer situação – é o caso de “a mulher, como a sardinha, quer-se da mais pequenina” e “a mulher, como a pescada, quer-se da mais abonada” – a verdade é que, a grande maioria, revela esse conhecimento empírico do povo, transmitido quase sempre de forma encantadora e original.

Na subtileza de “quando o pobre come galinha, um dos dois está doente” encontra-se uma realidade social dos meus tempos de criança (não atualizada, felizmente), em que os pobres, efetivamente, só comiam galinha se estivessem doentes ou se a galinha estivesse a morrer, sendo neste caso preferível comê-la antes que fosse para enterrar. Aliás, os ciganos comiam-nas mesmo depois de enterradas…

Dos milhares de provérbios que conheço há um pelo qual tenho uma particular atração, tal é a riqueza da sua mensagem dirigida a todos nós e à nossa condição humana, para contrariarmos algumas das nossas fragilidades como pessoas em relação aos outros e a nós próprios, no sentido de sermos melhores.

Trata-se de um provérbio árabe (a primeira vez que o li foi-me passado como sendo chinês), mas a sua linguagem é universal e compreendida facilmente por todos. Diz o seguinte:

          Não digas tudo o que sabes

          Não faças tudo o que podes

          Não acredites em tudo o que ouves

          Não gastes tudo o que tens

          Porque:

          Quem diz tudo o que sabe

          Quem faz tudo o que pode

          Quem acredita em tudo o que ouve

          Quem gasta tudo o que tem

          Muitas vezes:

          Diz o que não convém

          Faz o que não deve

          Julga o que não vê

          Gasta o que não pode

E ao ler “julga o que não vê”, lembrei-me de dois momentos curiosos sobre um motivo comum, com julgamentos opostos e interessantes.

Um aconteceu há dias quando me mostraram um vídeo que tem estado a circular na internet, onde se vê um homem em cuecas a fugir por uma janela de um bloco de apartamentos, a descer por um lençol para o andar abaixo e a atirar-se para cima de um insuflável que os bombeiros haviam montado para o salvar, enquanto na varanda ao lado uma mulher tenta conter um homem irado, com muitos transeuntes a observar e a gozar a cena.

Ao ver o vídeo, todos nos rimos com o caricato da situação e a conclusão foi comum: O homem foi meter “a foice em seara alheia” ao querer fazer filhos em mulher alheia” e ia sendo apanhado com “as calças na mão” ou, pior, sem elas, pelo que conseguiu fugir a tempo, ajudado pela dona da “seara”, que se mostra ali a segurar o marido pelos “ditos”, numa “pega de cernelha”.

O outro momento fez-me regressar a Coimbra e a uma das muitas memórias que guardo da Escola Agrícola onde estudei.

Todos vestíamos calças e camisa de ganga, com botins de atanado de cano alto, o que era prático tanto para os trabalhos de campo como para montar a cavalo. E, quando se completava o curso, a tradição mandava que os colegas rasgassem a roupa do recém formado, deixando a ganga em tiras e o aluno em cuecas.

Ora havia na Escola um aluno que por lá andava há mais de dez anos, sem perspetivas de acabar o curso e de ver as suas roupas rasgadas como os outros, pois “tinha outras preocupações mais interessantes do que os livros”, dizia ele. Era o Macário e morava com alguns colegas em S. Martinho, na casa do Bento, uma espécie de “república”. Conheciam-no bem umas velhotas que moravam na mesma rua, passavam o tempo à janela e lhe perguntavam frequentemente quando é que acabava o curso.

O dono da casa era o Bento, um sexagenário que também ali vivia, amancebado com uma senhora muito jovem e demasiado atrevida. Foi por isso que, a partir de certa altura, quando o Bento saía de casa, o Macário enfiava-se no quarto dela, deixando o Reis de atalaia à entrada, a vigiar a rua. E, se o Bento aparecia ao fundo da ladeira, o Reis assobiava e o Macário mudava-se para o seu quarto pelo que, quando ele entrava em casa, não se apercebia de nada.

Mas um dia, há sempre um dia, enquanto o Macário estava com a patroa e o Reis vigiava, a empregada passou junto deste, insinuou-se e incendiou a chama do rapaz que, de repente, se viu enrolado com ela, perdendo a noção da sua condição de vigia e só dando conta do Bento quando este entrou em casa. Daí o sinal tardio, deixando que ele se apercebesse rapidamente da marosca, corresse ao escritório, agarrasse na caçadeira e subisse as escadas a berrar “vou-te matar, vou-te matar”. Quando do alto das escadas o Macário viu o Bento, fugiu para o quarto, deste saltou para o quintal através da janela, dali para a rua e, em cuecas, desatou a correr ladeira abaixo. Quando passou diante da casa das suas vizinhas, num julgamento sumário e adorável ao vê-lo em cuecas, as simpáticas velhotas começaram a gritar de alegria: “Olha o senhor Macário formou-se, o senhor Macário formou-se…”

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