Hans Isler – O Homem que fez uma Empresa, uma Universidade e uma Revolução

“E aqueles que por obras valerosas Se vão da lei da Morte libertando Cantando espalharei por toda a parte Se a tanto me ajudar o engenho e a arte… Foi assim que Camões começou, tão brilhantemente, a cantar o “peito ilustre Lusitano”. Mas eu nem sou poeta, nem sou Camões, e nem sequer tenho “engenho e arte” porque, se tivesse, iria cantar o Homem, a personalidade maior de Lousada no século XX, senão mesmo da história do concelho: HANS ISLER.

Esteve para ser técnico de máquinas de costura em terras lusas fugindo de problemas que lhe criaram no seu país, a Suíça, mas o interesse de uma empresa nacional em encontrar um sócio para alargar a atividade industrial e um mero acaso, fizeram dele esse parceiro, passando de potencial trabalhador emigrante a empresário (de sucesso), com a criação de uma empresa que ficaria localizada em Lousada: A Fabinter.

Esta empresa de confecções, começou em instalações provisórias diversas, entre as quais no antigo edifício dos Bombeiros de Lousada e no velho hospital da Misericórdia, até construírem um primeiro pavilhão naquela que viria a ser a sua localização definitiva, em Cristelos.

Ao crescer, mais parecia que nesse pavilhão existiam duas empresas, uma de calças, gerida pelo sócio, e outra de anoraques, da sua responsabilidade. Daí à rotura foi um ápice, acabando ele por controlar a sociedade com o apoio de outros conterrâneos. A partir de então a Empresa adquiriu uma dinâmica de sucesso impressionante, com ampliação das instalações e um aumento vertiginoso do volume de negócios, assente na promoção e desenvolvimento da sua marca de referência: A KISPO.

Esta marca teve uma evolução tal que rapidamente os clientes passaram a chamar “Kispos” a tudo o que fosse anoraques, sobrepondo a marca ao produto, sinal de um êxito publicitário e mais valia da marca excepcionais. Depressa se impôs e dominou totalmente o mercado interno, vindo também a expandir-se na Europa a partir da Suíça, onde Hans Isler tinha uma empresa de distribuição.

O apogeu da empresa deu-se de 77 a 85, altura em que a Fabinter tinha quase uma centena de pequenas e médias empresas a produzir para si no regime de subcontratação, com mais de doze mil pessoas a trabalharem, direta ou indiretamente, para ela.

Como empresário Hans Isler teve sempre grande sensibilidade social, (dizia ele “que difícil é ser-se empresário com preocupações sociais”), dotando a empresa de condições adequadas ao bem estar dos trabalhadores e pagando salários acima da média, algo invulgar à época. E essa preocupação atingiu um ponto tal que, dispondo de uma grande área de terreno em frente da sua fábrica e em local privilegiado da vila, mandou fazer na Suíça um projeto para ali implantar cerca de seiscentas habitações destinadas aos seus trabalhadores, com um edifício central para atividades sociais, a consumar através de uma Cooperativa de Habitação, projeto esse que deu entrada nos serviços da autarquia local. Mas, a impossibilidade de conseguir o consenso interno entre (alguns) trabalhadores e as dificuldades em fazer aprovar o projeto nas instâncias municipais pela burocracia, esse monstro que devora sonhos e vontades, tornaria a sua luta inglória em prol dos que o serviam.

Cansado de lutar, acabou por doar o terreno para outro fim também muito meritório, o da construção do Bairro Social que ali está implantado. Como Empresário e cidadão, foi um Mecenas no apoio a instituições, associações e eventos, tais como os Bombeiro Voluntários e a Associação de Cultura Musical, dois grandes beneficiários da sua benemerência.

Se a sua Empresa foi obra de sucesso, este Homem deu a Lousada, ao Norte e mesmo a Portugal algo muito mais valioso para o nosso futuro coletivo, que foi o Conhecimento, o saber que nos trouxe sobre a confecção, a tecnologia, o design, o marketing e tudo o mais relacionado com a inovação desta indústria, que fizeram da unidade fabril, no dizer de um seu colaborador muito próximo, uma verdadeira UNIVERSIDADE.

É um facto que, até aí, só existiam alfaiatarias tradicionais fazendo fatos por medida e nada mais, sendo Hans Isler pioneiro na inovação tecnológica, nos métodos e sistemas de produção, na criação do “pronto a vestir”.

A Fabinter tornou-se rapidamente uma referência, uma escola que formou centenas de futuros empresários e onde foram beber o conhecimento todas as empresas de confecção nacionais (repito, todas), tornando-se no modelo a seguir e com quem aprender, sendo assim que Lousada se tornou num polo desta indústria.

Se fosse hoje, em que os créditos contam para a atribuição de licenciaturas como aconteceu recentemente com um certo ministro, aqueles que souberam aproveitar os conhecimentos ali ministrados, com certeza tinham direito à licenciatura completa porque a KISPO fez escola e foi, efetivamente, uma UNIVERSIDADE.

Mas este Homem conseguiu fazer algo impensável, algo ainda mais grandioso: Uma REVOLUÇÃO na forma de vestir dos portugueses, e não só.

Viajemos no tempo e regressemos à década de sessenta e aos hábitos e roupas dessa altura. Os homens usavam normalmente o fato escuro tradicional e, como agasalhos, o sobretudo, a gabardine ou a samarra. Quase não havia blusões, para além de alguns raros de cabedal ou camurça. Nas senhoras eram os vestidos ou conjuntos de saia e casaco clássicos, igualmente conservadores e escuros e, para o frio, o recurso ia para o casaco comprido tradicional.

Quando chegou o “KISPO” tudo isso mudou: Despiu-se o casaco para dar lugar ao anoraque comprido ou curto, simples ou acolchoado, impermeável ou não, de inverno ou de verão, clássico ou desportivo, com muitas cores vivas e variadas. A KISPO libertou as pessoas da forma de vestir e do peso da tradição, dando lugar à moda informal, alegre, desportiva. Usar “KISPO” passou a ser sinónimo de modernidade, de bom gosto e jovialidade, uma lufada de ar fresco, uma alteração radical no visual dos portugueses, no trabalho ou no lazer.

Uma grande REVOLUÇÃO. Hans Isler transformou Lousada de zona rural em polo industrial de confecções, criou e distribuiu riqueza, deixou herança para décadas, senão séculos, nesta terra que, não sendo a sua, adotou e amou, a ponto de deixar indicações para ser enterrado no cemitério mais próximo da fábrica que sonhou e construiu, em Cristelos.

Sendo certo que Lousada não soube aproveitar todo o potencial por ele criado, também é certo que não soube reconhecer, nem homenagear e honrar a sua grandeza ao nível que merecia, e dar-lhe um lugar de destaque na terra que tanto lhe deve, uma ingratidão coletiva incompreensível e uma ingratidão particular de alguns que dele tanto beneficiaram.

E é da gente simples e anónima que surgem as manifestações de agradecimento e homenagem ao Homem, como testemunham as flores depositadas regularmente na sua campa, sinal de que o guardam no coração. E é a esses que, pela grande alegria que ele tinha de viver, custa muito a acreditar na forma como dizem que nos deixou.

A antecipação do seu fim de forma tão brutal, acabou por evitar-lhe o desgosto de ter de assistir a algo de inimaginável: O Bairro Social, cuja existência só foi possível graças a ele e à sua dádiva, foi batizado com o nome de… outra pessoa, que nada fez por isso. Como foi possível cometer-se uma injustiça e uma ingratidão desta dimensão, de forma leviana e aligeirada, algo que não passaria pela cabeça de ninguém? Mas, afinal, passou!!!…

Espero que um dia no Município de Lousada, alguém de bom coração, se eleve ao nível dos justos e “dê a César o que é de César”, rebatizando aquele complexo habitacional social de “BAIRRO HANS ISLER”, dando o seu a seu dono, e erigindo ali, não um busto mas uma estátua de corpo inteiro, de um HOMEM que foi muito grande, se calhar grande demais para a terra onde “fez uma EMPRESA, uma UNIVERSIDADE e uma REVOLUÇÃO”, sem que para ser grande precise que também lhe meçam o pedestal.

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