A ambição é o desejo de se ter dinheiro, poder, honrarias e tantas outras coisas. Se contida e controlada, pode ser saudável, digna, uma ferramenta para atingir um ideal que se anseia. Mas por mais digno que seja esse ideal, se quem o persegue usar meios miseráveis para o atingir, será sempre um miserável.
Pode dizer-se que toda a ambição é legítima, um direito de qualquer ser humano, excepto as que são construídas sobre as necessidades e as misérias da humanidade. E essa barreira é ultrapassada tantas vezes, demasiadas vezes, por gente sem escrúpulos que só vê o fim em si sem se preocupar nem com os meios nem com a sua legalidade, pois o objetivo desculpa a ilegitimidade dos meios para o atingir.
Nesses desejos incontidos, o desejo de possuir dinheiro, muito dinheiro, é o mais comum, e o aumento de dinheiro é quase sempre proporcional à vontade de possui-lo. Sendo o dinheiro um dos meios para se ser feliz, há quem o tenha transformado no único meio, quando não no fim em si mesmo, Para esses, quando sem dinheiro, até a honra é considerada uma doença.
Toda a gente tem sonhos, divagações, espera ganhar a lotaria, o euro milhões, encontrar ouro e dinheiro fácil, ser rico de um momento para o outro. Por isso são cada vez mais os apostadores nos jogos (ditos) sociais, algo que normalmente também está associado aos tempos de crise, sonhando, esperando que chegue o seu dia da sorte na roda dos números. Mas há os que não querem sonhar, que querem chegar lá e depressa sem olharem a meios, contornando as leis, atropelando, explorando e depenando todos os que se lhe atravessam no caminho.
Vem isto a propósito dos tempos difíceis que vivemos, em que tanta gente passa por momentos de aflição, fruto da cabeça que não soube gerir a vida, dos azares do negócio ou jogo, vítima dos profissionais das falências fraudulentas, atingido pelo desemprego e apanhado com o empréstimo da casa, do carro ou de milhentas coisas dignas e sonhadas mas que as circunstâncias do momento puseram em causa.
Confrontados com a necessidade, tentam recorrer ao banco que já não empresta a (quase) ninguém e, fechados estes, restam as empresas e consultores de crédito, espalhadas por aí ou apregoadas nos jornais em anúncios de “empréstimo fácil”, “dinheiro para fazer o que quiser”, “empréstimos urgentes e sem burocracia” e outros mais. A verdade é que, com tanta publicidade e facilidades para conseguir empréstimos, esquecemo-nos do ditado de que “quando a esmola é grande o pobre desconfia” e até nos convencemos que é verdade. E quem está endividado e precisa, não percebe que vai contrair mais uma dívida, quebrando uma regra de ouro: “Não pedir créditos para pagar créditos”. Só que é uma solução cara, regra geral demasiado cara, que as pessoas aceitam silenciosamente, às escondidas, envergonhados para o dizerem sequer ao melhor amigo, ficando totalmente indefesos nas mãos de agiotas, de especuladores sem escrúpulos, com os olhos e as garras cravadas na frágil vítima.
O João (nome fictício) foi parar a uma dessas empresas, pedindo dez mil euros. Tudo foi fácil mas deixou logo dois mil e quinhentos para as despesas da empresa (33% de juros à cabeça) pelo que só trouxe sete mil e quinhentos, e passou cheques da dívida e dos juros (dez mil e quatro mil e quinhentos euros) para os financiadores, gente que está por detrás da empresa e nada tem a ver com ela, homens “Bons” da sociedade local, pagando assim no total mais de 60% ao ano.
Como é possível? Como podem estes especuladores agirem por aí impunemente? Uns (os consultores) e outros (os investidores), duas espécies de agiotas que a justiça não controla? Quem nos acode e protege estas vítimas indefesas, quais carneiros a caminho do matadouro? Mas ainda há pior, muito pior, pois pastam por aí particulares a cobrarem 10% e até 12% ao mês, o que ultrapassa os 300% ao ano. Inacreditável, inconcebível… A lei prevê os empréstimos particulares, limitando os juros ao máximo de 7% ou 9% ao ano. Acima disto é crime de usura, mas a verdade é que a lei é burlada ao máximo, contornada impunemente.
Pagam-se juros abusivos e extorsivos de forma ilícita, criminosa, praticada por gente que leva a ambição e a ganância ao extremo, aproveitando-se da necessidade e miséria de outros homens. E ao que se sabe, à nossa volta e com muita frequência, que a necessidade é muita.
Ouço as retóricas de revolta contra os credores do país por cobrarem juros de mercado e ao fim de 38 anos dizerem “BASTA”, sem críticas a quem criminosamente (e impunemente) criou o monstro da dívida, de um lado ao outro do arco do poder, mas não ouço vozes contra a especulação à nossa porta, essa sim a juros de bradar ao céu, que a vergonha da necessidade não dá a conhecer, mas que tem de ser denunciada e deve ser condenada (se bem que já não sei onde nem por quem…).
Alguém disse que há homens que são como porcos insaciáveis que se alimentam de dinheiro, mas muitos transformam-se em abutres para comerem até as carcaças dos “mortos-vivos”, os desgraçados, as vítimas frágeis e indefesas da sociedade de hoje. E por todos essas vítimas dos agiotas, temos o dever de alertar e ainda mais, de os denunciar. Em nome da dignidade humana.