‘Tou? ‘Tou xim… É p´ra mim!!!…

A cena passa-se junto de uma loja de telemóveis num centro comercial no Porto: À entrada, um adolescente está encostado à porta com cara de “poucos amigos”. Lá de dentro sai a mãe para tentar que o seu filho aceite o telemóvel que o pai lhe quer comprar, mas ele rejeita, responde torto e diz que “então não quero nenhum”.

Pelos sinais que me chegam percebo que o rapaz quer um “Iphone não sei quantos” mas os pais pretendem dar-lhe um telemóvel normal. A cara de zangado fica, a mãe continua a tentar apaziguar e eu sigo o meu caminho sem chegar a saber se ele consegue o seu objetivo, usando a chantagem emocional sobre a frágil senhora. Mas acredito que sim, é o habitual…

O primeiro telemóvel lançado pela Motorola em 1973 era grande, pesado e com poucas funções, mas rapidamente diminui de peso e tamanho, crescendo em capacidades. Se nos primeiros tempos era um elemento de afirmação social, com o passar dos anos e da proliferação de marcas e modelos, banalizou-se a sua utilização e tornou-se um produto de consumo corrente.

À volta deste pequeno aparelho que invadiu a nossa privacidade, se tornou ferramenta de negócios, trabalho, estudo e tanto mais, gira um mundo de tecnologia cada vez mais sofisticada, com capacidades muito para além do imaginável. E cada um de nós, em maior ou menor escala, acabou por aderir a este instrumento, que se tornou uma extensão do braço milhões de utilizadores.

Compreendo a sua importância na vida pessoal dos seres humanos, no mundo dos negócios e na nova dinâmica que criou ao eliminar vazios no serviço, na reorganização do tempo e espaço, em especial com a integração da computação, colocando-nos sempre disponíveis, reaproveitando e ressuscitando os tempos mortos das filas de espera aos transportes. Mas, ao observar o exagero do uso do telemóvel, pergunto-me como é que a humanidade conseguiu viver e sobreviver sem ele durante tantos anos e, ao que parece, mais feliz?

Para a geração que já cresceu com ele, dispensá-lo é impensável, pois tornou-se parte integrante da pessoa e da vida e a sua perda é comparável à perda de um membro, porque seria ficar desligado dos amigos, da informação e do conhecimento. São os jovens os maiores consumidores deste produto, especialmente nas tecnologias que lhe estão associadas, e os pais dão-lhe os meios para tal, cada vez mais cedo, de tal forma que, a continuar assim, qualquer dia ao “encomendar-se” um filho é melhor pedi-lo com telemóvel “incorporado”, como acontece com os automóveis…

Começam cedo a consumir minutos, a usarem o telemóvel como consola para jogos, a comprar aplicações e novos modelos de aparelhos, dominando as funções com um à vontade impressionante e adquirindo uma prática tal no envio de mensagens que nem sequer precisam de olhar para as escrever. São consumidores natos que o marketing das empresas explora bem e que os paizinhos financiam para além do aceitável.

O telemóvel teve um impacto profundo na forma como vivemos e interagimos, tornando-se um meio de comunicação interpessoal e de massas, também olhado como uma tecnologia de afetos, uma forma de comunicar sentimentos e emoções. Mas não deixa de ser menos verdade que perdemos a privacidade, nos deixamos interromper pelo seu chamamento, nos tornamos dependentes do seu uso com os custos inerentes.

Eu aderi contrariado, tendo começado por um simples só para fazer ou receber chamadas mas, a sua utilidade profissional fez com que, pouco a pouco, se tornasse parte integrante do meu vestuário. Recentemente evoluí para um modelo mais avançado que me permite falar à borla com o meu filho que vive no estrangeiro, embora aproveite muito pouco das suas outras capacidades, mas por incapacidade minha.

Acompanha-me desde que acordo até que me deito e, ao deixá-lo ligado no modo “silêncio” à noite, tenho uma porta aberta ao mundo a pensar nos que me são afetos e estão mais ou menos distantes. Não seria mais racional desligar o “animal” às refeições, aos fins de semana, durante a noite, etc., e enfiá-lo numa gaveta para nem sequer cedermos à tentação? Mas pensamos que pode haver uma notícia urgente, se calhar triste. E se for? Não pode esperar como sempre esperaram? E se for triste, não será melhor recebê-la mais tarde?

Confesso um pecado: Como estou sempre contactável, só raramente o coloco no modo silêncio. Isso leva a que muitas vezes toque durante uma reunião, seja interrompido e, instintivamente, atenda. Até parece que o que se passa lá fora é mais importante do que o que se passa dentro da sala, um sinal de mau gosto, de falta de educação e consideração pelos presentes. E sinto-o quando me vejo do outro lado… Mas dizem que é a chamada “atenção de baixo para cima” que nos provoca uma reação instintiva quando toca, fazendo-nos agarrar no sacana do aparelho e dizer automaticamente: ‘TOU? TOU XIM… É P´RA MIM!!!…”

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