Carta para a minha mãe

Sempre quis escrever-lhe esta carta para lhe transmitir o orgulho e o privilégio de ser seu filho, de me ter recebido e aceitado como uma bênção de Deus, e assim me considerar ao longo de todos estes anos. E faço-o hoje porque estarei muito longe para lhe poder dar um abraço no domingo, dia em que completa noventa anos. Se conseguir com estas palavras provocar uma emoção nesse rosto enrugado, e vê-la refletida nos seus olhos azuis que nos unem e identificam, isso só me basta como recompensa, como benesse do Senhor.

Quero começar por dizer que sou feliz por ter uma mãe querida, que me cobriu de bênçãos em tempos tão difíceis como foram esses do pós guerra, fazendo-me sentir muito amado. Sei que lhe dei muito trabalho por ser irrequieto e vivo, mas pequeno, indefeso, fraco e dependente como o comum dos homens. Embalou-me ao colo e alimentou-me de seu seio, implantando no meu coração desde criança o amor pela natureza, ao fazer-me livre mas responsável. Abraçou-me quando tinha medo do escuro e acordou tantas vezes durante a noite para vigiar meu sono. Foi benevolente sempre que arranquei os botões da roupa para jogar ao “pica” ou lhe pedia uma meia para fazer uma bola de trapos.

Seu coração sabia compreender os meus medos e dilemas de criança, guiando-me no caminho certo com amor, com carinho e em segurança, que me deram asas para voar. Ensinou-me o valor da caridade e da solidariedade pela sua prática, do respeito pelos pais, pelos mais velhos, pelas autoridades e pelos mais fracos.

Mostrou-me a importância da palavra, da honra e do bom nome como valores fundamentais e bens preciosos da nossa vida. E ensinou-me a rezar, a ter fé, a amar Jesus e crer em Deus, um Deus de bondade e amor, dando-me o exemplo. Não julgou meus atos nem meus erros, porque sabe que sou falível, fraco e imperfeito como ser humano que sou.

Foi o meu Anjo da Guarda que me deu o mundo e soube libertar-me a esse mundo para seguir meu caminho, constituir família. Deu-me ânimo sempre que falhei ou quis desistir, mais em gestos que diziam muito do que em palavras que não dizem nada. Seus olhos foram firmes quando precisei de uma lição, como quando me colocou de castigo na varanda por ter faltado à escola. Sacrificou-se por nós seus filhos e pôs-nos sempre em primeiro lugar, mesmo à mesa.

Tive a felicidade de ter uma mãe que não tinha de me acordar ao nascer do dia, para me entregar a outra e delegar-lhe a responsabilidade de ser minha mãe. Tive a felicidade de ter uma mãe sem a preocupação de ter só um filho por não ter tempo, porque tinha todo o tempo do mundo para nós. Tive a felicidade de ter uma mãe que estava sempre presente, me abraçava quando chegava preocupado ou feliz, alegre ou triste, porque estava lá, e que nunca me abandonou. Tive a felicidade de ter uma mãe que não tinha de correr, não tinha horários cheios com horas para tudo mas sem horas para nós. Tive a felicidade de ter uma mãe disponível quando me magoei no joelho, tive pintas como sintoma do sarampo, me agarrei à barriga por ter comido fruta verde ou quando apanhei uma bebedeira com ”troça” na destilação do bagaço na Casa da Estrada.

Construiu o meu caráter, ensinou-me o melhor caminho, dando-me a mão e guiando-me os passos. Apoiou-me sempre nas minhas opções dando-me ânimo, fazendo-me acreditar que era possível. Ensinou-me que a felicidade não é um direito adquirido nesta vida, mas que se conquista com muito trabalho e determinação. E se foram diversas escolas que me deram a instrução, já a educação que tenho devo-a essencialmente a si, minha mãe. Tem a capacidade de ouvir em silêncio quando me sinto perdido no caminho, de adivinhar meus sentimentos e encontrar a palavra certa nos momentos de incerteza, e de me acolher quando o mundo parece estar voltado de costas para mim.

É um mistério, uma caixinha de surpresas que mesmo com o passar do tempo esconde um saber que a ciência nunca chegará a conhecer. Conheço todos os seus traços físicos mas não sou capaz de saber a imensidão do seu coração. E conheço-lhe as lágrimas de alegria pelo nascimento dos netos que tanto desejou, mas também as lágrimas de sofrimento pela perda prematura do marido e de dois filhos que amava muito.

Sofreu em silêncio, sacrificou-se por todos nós e foi o centro do nosso mundo, à volta da qual tudo girava. Diz-se que Deus não podia estar em todo lado e por isso criou as Mães. Pergunto então: “Meu Deus, porque permites que as Mães tenham de ir embora? Porque será que as queres levar um dia?” É que Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não se apaga. Será que posso pedir um descuido de Deus, que a possa fazer eterna?

Obrigado MÃE e Feliz Aniversário.

Leave a Reply