Li algures que uma mãe se interrogava se devia ensinar o seu filho a ser “Chico-esperto” ou, pelo contrário, se o devia instruir para que fosse “Tanso”. Eis uma boa questão.
O “Chico-esperto” é uma figura típica da nossa sociedade (e não só), que pode não ser inteligente, mas é esperto ou, mais que isso, é “chico-esperto”. É o indivíduo que procura tirar vantagem ou benefício, mesmo que para isso tenha de prejudicar alguém. Está convencido que é muito inteligente ao fazer determinado tipo de coisas, porque os outros são suficientemente “burros” para o não fazerem, não se apercebendo sequer que os outros o não fazem, não porque o não saibam fazer mas porque consideram que é errado.
Sobrevaloriza a sua esperteza e subestima a inteligência dos outros embora muitas vezes tenha a noção de que aquilo que faz é incorreto mas, como pensa com o umbigo, acha que o mundo é das pessoas como ele.
Há dias estava numa longa fila de uma repartição pública, a apanhar uma grande “seca”, quando entrou um personagem bem vestido que se dirigiu a uma senhora bem lá para a frente da fila. Meteu conversa “fiada” e ficou ali colado, acompanhando a senhora à medida que a fila avançava, talvez pensando que ninguém o via a penetrar, até ela ser atendida, posicionando-se de imediato para ser o seguinte, enquanto todos aqueles “tansos” continuavam à espera. Quando ia ocupar a cadeira para ser atendido um “não tanso”, com educação e firmeza, recambiou-o para o seu lugar no final da fila.
Existe muito “chico-esperto” espalhado pelos diversos sectores da sociedade e por todas as classes sociais. O mais vulgar é aquele que encontramos nas filas de trânsito, embora qualquer fila seja local próprio para eles se revelarem. Não gosta de esperar, tem uma espécie de fobia obsessiva de passar à frente dos outros de qualquer maneira, aproveitando uma distração de quem vai à frente, um pequeno intervalo entre duas viaturas mais adiante, a faixa da direita reservada a emergências, até aparecer um “tanso” armado em bom samaritano que o deixa entrar na fila.
Há dias fui ao Porto e na entrada da cidade o trânsito estava complicado, em filas compactas. Já perto da minha saída um “chico-esperto” meteu-se pela direita mas quando chegou perto de mim, “distraidamente” encostei-me também para a direita mantendo-me na fila mas não dando espaço para ele passar.
Não sou “chico-esperto” mas também não gosto de ser “tanso”. Para resolver este problema já alguém sugeriu que deviam existir filas próprias para os “tansos”, onde podem vingar os “chico-espertos”, e outras para os “não tansos”, onde todos se respeitam e não deixam vingar os ditos cujos.
Mas para além do trânsito eles aparecem em todo o tipo de filas, sejam públicas ou privadas e onde só o regime das senhas veio dar um golpe nos seus golpes. Nisto de filas, veja-se o caso do ex-ministro Vara que parece que não aprendeu nada nos corredores do poder (ou se calhar aprendeu demais…), quando no seu Centro de Saúde ultrapassou todos os utentes dirigindo-se diretamente ao médico para lhe passar um atestado. Já nada nos deve surpreender nestes “penetras” profissionais que subiram vertiginosamente as escadas do poder à custa de uma inteligência saloia que inunda o mundo dos políticos.
Portugal é um país de “chico-espertos”, com cultura alpinista barata, onde alcançar metas ou subir degraus, profissionais ou políticos, é mais obra de expedientes e atalhos ilegais do que de aprendizagem, de trabalho e esforço. Parece que o seu prazer é esse mesmo, o gozo de conseguir enganar os outros, fazer deles parvos e que não conseguem desenrascar-se, seja na fila, na carreira e até na fuga às responsabilidades, no desrespeito pelas regras e normas sociais.
E tudo isto para relatar uma cena deliciosa num balcão de um aeroporto no Brasil, uma lição de como lidar com um “chico-esperto”: A assistente do balcão estava a atender os clientes de uma grande fila quando um suposto cavalheiro, engravatado e com pasta de executivo, passou ao lado dessa fila, dirigindo-se-lhe diretamente para ser atendido. Com delicadeza e educação ela diz-lhe: “Desculpe, mas tem de ir para a fila”. “Sabe quem eu sou? A senhora sabe quem eu sou?” questiona-a ele com arrogância e alguma agressividade. Com tranquilidade, a assistente liga a aparelhagem de som e fala para o microfone: “Atenção por favor, encontra-se neste balcão um cavalheiro que não sabe quem é. Se alguém o conhecer, agradecemos o favor de o vir identificar ao balcão 34”. Ao ouvir isto o suposto cavalheiro corou de raiva e diz-lhe: “Espera minha p… … que eu vou-te f… …” Com a mesma tranquilidade a assistente responde-lhe: “Por favor, para isso também tem de ir para a fila, porque há muita gente à sua frente”.
É por isso que aconselharia aquela mãe a ensinar o filho a ser um “NÂO TANSO”.